Mulher doa um rim ao marido. Cirurgia foi
realizada há dois meses e deu ao casal a esperança de uma nova vida.
Além desse órgão, apenas pulmão e fígado podem ser transplantados de um
doador vivo
Humberto Siqueira
Estado de Minas: 03/03/2013
Números
e percentuais flutuam na mente do paciente à espera de um transplante.
Ele pensa em número de dias, probabilidades, percentuais. Isso tudo
porque as chances de encontrar um órgão compatível tem inúmeras
variáveis. A começar pelo tipo de órgão pelo qual se espera. As chances
de conseguir um rim superam as de um coração, por exemplo. Até porque, o
rim pode ser doado por um doador vivo, o que é impossível para um
coração.
Além disso, o paciente se pega pensado nos
números de sua pontuação na fila de espera. Segundo Charles Simão Filho,
diretor do complexo MG Transplantes, as doenças costumam evoluir,
permitindo ao médico já entrar em contato com a equipe transplantadora
antes do estágio mais crítico. "O paciente é inscrito numa fila única
nacional do Ministério da Saúde. A partir daí concorre, com uma escala
de pontuação, a todos os órgãos que surgir", explica.
Mesmo
diante de uma situação delicada, demandando um transplante de rim, o
operador de equipamentos Onézio Diniz Costa, de 52 anos, teve a
felicidade de não precisar engrossar essa fila. Conseguiu a salvação
dentro de casa. A mulher de Onézio, a coordenadora pedagógica Márcia
Rosana Gomes Diniz Costa, de 51, foi a doadora. Ele tem um histórico
familiar, e foi vítima de rim policístico. Exatamente por isso, nenhum
parente poderia doar, pois são todos passíveis de sofrer do mesmo mal.
Foi quando Márcia se dispôs a avaliar a compatibilidade com o marido.
Depois de se submeter a 13 meses de exames, ela se revelou doadora
potencial e não hesitou em abrir mão de um rim para o marido, com quem
tem dois filhos.
A cirurgia foi realizada há dois meses,
dando a eles esperança de uma vida nova. "Quando acordamos e olhamos um
para o outro, foi uma emoção enorme. Fiquei muito feliz de imaginar que
poderemos ter vida nova. Faria tudo novamente", garante Márcia, que é
casada com Onézio há 25 anos. "Minha vida continua normal. Vivo
tranquilamente com um rim. O impacto maior é para Onézio, que precisará
de medicamentos para o resto da vida e cuidados maiores com a higiene,
já que o remédio faz com que ele fique mais vulnerável, já que freia a
atuação do sistema imunológico", acrescenta.
Pacientes que não
têm a mesma sorte de Onézio entram na fila e são avaliados em
diferentes critérios. A prioridade para transplante de fígado, por
exemplo, se dá pela gravidade do doente, mensurada pelo Sistema Meld
(modelo para doença hepática terminal). Esse cálculo é feito a partir de
uma avaliação clinicolaboratorial do paciente e pela presença de
tumores hepáticos. Nos transplantes de rim, rim–pâncreas e de pâncres
isoladamente, o principal critério é a compatibilidade de HLA
(imunológica). O HLA é medido no sangue do doador e do receptor.
Funciona como impressões digitais: quanto maior a proximidade entre essa
impressão, menor o grau da rejeição. "Nas hepatites fulminantes, o
fígado tem que ser transplantado imediatamente. Caso contrário, o
paciente evolui para óbito, em geral, em 48 horas", completa Lúcio
Pacheco, vice- presidente da Associação Brasileira de Transplante de
Órgãos (ABTO).
Já no caso da distribuição de pulmão e coração,
prioriza-se o tempo de espera e a proporção do tamanho entre doador e
receptor. "Um doador de grande porte físico não pode doar para alguém de
pequeno porte, pois não seria possível acomodar o órgão na caixa
torácica. A diferença de peso não pode exceder 20%", explica Charles.
No
caso do rim, parte do fígado ou do pulmão, pode ocorrer transplante com
doador vivo. A legislação brasileira aceita cônjuges e parentes até o
quarto grau. Não parentes somente com autorização judicial. Os doadores
vivos de rim e de fígado voltam a ter vida normal após a doação.
RESTRIÇÕES
Não podem doar, vivos ou em óbito, pessoas com sorologia positiva para
os vírus T-linfotrópicos humanos; imunodeficiência adquirida;
tuberculose ativa; sepse refratária; infecções fúngicas graves,
infecções virais graves (exceto hepatites B e C) e neoplasia (exceto
tumor primitivo do sistema nervoso central, carcinoma basocelular e
carcinoma in situ do colo uterino).
Segundo Lúcio, a
avaliação desses fatores junto aos doadores cabe às equipes de
transplante. "Entretanto, no caso de receptores também com Aids,
hepatite C ou hepatite B, esses doadores podem ser utilizados nos casos
de urgência. A equipe de transplante pode pesar o risco/benefício de
buscar doadores que normalmente não seriam utilizados", pondera.
A
idade biológica do doador é mais importante do que a idade cronológica. A
inspeção direta do órgão durante o procedimento de retirada é
fundamental para a decisão de sua utilização no transplante. É sempre
preferível que haja compatibilidade do tipo sanguíneo do paciente com o
doador.
Conforme Charles, a rejeição, quando acontece, é um
processo crônico que deve ser detectado precocemente pelo acompanhamento
médico. "Nesse caso, deve-se ajustar a dose de medicação
imunossupressora para aquela situação específica."
O uso da
medicação será para o resto da vida após o transplante. "Quando doadores
e receptores apresentam compatibilidade maior, podemos diminuir a
necessidade de imunossupressores. Atualmente, existem drogas muito
potentes, mas se elas forem usadas em doses altas, o paciente
transplantado não apresentará rejeição, mas morrerá de infecção", pontua
Lúcio. "O transplantado deve ser um paciente extremamente disciplinado,
deve visitar seu médico frequentemente e seguir todas as regras por ele
determinadas", acrescenta Charles. A sobrevida de pacientes depois do
transplante depende do órgão transplantado.
Morte cerebral determina doação
Publicação: 03/03/2013 04:00
Para retirar
órgãos de um paciente não vivo, o potencial doador deve ser um paciente
com critérios para o diagnóstico de morte encefálica. "São pacientes que
já se encontram em coma no grau máximo, chamado Glasgow 3. É importante
ressaltar que a morte encefálica já é a morte. O paciente ainda
persiste por dois ou três dias com algumas funções graças a medicamentos
e aparelhos", diz Charles Simão Filho, diretor do complexo MG
Transplantes.
Uma série de testes neurológicos são realizados
e repetidos após seis horas. Além disso, o paciente que está sendo
avaliado não pode ter sido sedado e não pode estar hipotérmico antes
dessa avaliação. Em muitos países o teste se encerra aí. Na legislação
brasileira, ainda é realizado um exame de imagem que comprova total
inatividade do sistema nervoso central. "A margem de erro é zero. Não
existe na literatura médica nenhum protocolo concluído e assinado por
dois médicos que apresente reversão do quadro", garante. Quem pensa em
doar deve comunicar o desejo a familiares. Apenas irmãos, avós, netos e
cônjuges podem autorizar a doação.
Transplantes pelo SUS
O
Brasil tem hoje o maior sistema público de transplantes de órgãos e
tecidos do mundo, sendo 95% dos procedimentos realizados pelo SUS
gratuitamente. A assistência ao paciente transplantado inclui desde os
exames preparatórios para
a cirurgia até o pagamento dos medicamentos pós-transplante. Em 2011, foram realizados 23.397 transplantes.
memória
Exército imunológico
Por
muitos anos, os cientistas pensaram sobre como substituir um órgão
doente por um saudável. Inicialmente, o problema era que o corpo humano
não era receptivo aos tecidos estranhos. O sistema imunológico é como um
exército em guarda contra qualquer invasão, como por bactérias e vírus.
Quando o tecido de um doador é colocado dentro do corpo, esse exército
imunológico o vê como um invasor e parte para a batalha. As células
brancas do sangue atacam e destroem o tecido desconhecido, em um
processo conhecido como rejeição.
Nos anos 1950, os cientistas Joseph
Murray e David Hume perceberam que a rejeição não ocorria entre gêmeos
idênticos, graças à total semelhança genética. Assim, realizaram o
primeiro transplante de um órgão vital na história em 1954, entre gêmeos
idênticos no Hospital Brigham and Women, em Boston. Foi um passo
importante, mas somente uma década depois os cientistas descobriram que a
chave da doação entre não gêmeos seria a supressão da reação
imunológica do receptor. Surgiram, aí, os medicamentos
imunosupressores.
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