A água que não molha
Proliferam aplicações estapafúrdias do mundo virtual. Conheci recentemente a possibilidade de manter na tela do computador um aquário com bomba de oxigênio, controle de temperatura e luz e cálculo de pH da água. E, se o internauta dominar a alquimia do aquarismo, os peixes ainda se reproduzirão.
O mundo do aquário digital, seco e sem os riscos de um peixe pular para fora do recipiente, invade também a tela do celular e de outros aparelhos. Acessei um site que se gaba por oferecer peixes virtuais que abrem a boca e mexem os olhos. E admiradores da vida aquática atingidos por uma preguiça atroz não precisam se preocupar, pois as benesses tecnológicas já incluem alimentadores automáticos.
Ilustração Tiago Elcerdo | ||
Como um usuário bastante moderado das mordomias "high tech", optei por um aquário de verdade. Montei-o há cerca de dois anos e, depois de uma pesquisa extensa por lojas especializadas, optei por um de água de doce, voltado a peixes originários da região amazônica.
Apaixonei-me pelo acará-disco, que carrega o epíteto de "rei do aquário". Parece mesmo um monarca, graças à sua impressionante variedade e intensidade de cores e à movimentação elegante. Tem um temperamento descrito como "pacífico" e precisa dividir a água com peixes que vivam na mesma sintonia.
Tenho dois exemplares, um de tonalidade avermelhada, do grupo chamado de "red malboro", e outro que mistura turquesa e vermelho, num show de vivacidade. Mostram também grande sentido de alerta ao identificar a possibilidade da chegada de alimentos. Quando alguém se aproxima do aquário, costumam ir ao encontro do vidro, esperando por ração ou outra guloseima.
Já tive o enorme dissabor de perder alguns peixes, discos e outros menores. Mas, apesar dos momentos tristes, ainda é muito melhor um aquário com desafios reais do que uma versão virtual, com controle do habitat nos toques do teclado.
Jaime Spitzcovsky, jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e em Pequim. Escreve sobre animais de estimação aos domingos, a cada duas semanas, na revista 'sãopaulo'.
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