Como denunciar, se o superior ao qual ela faria a denúncia fora quem a violentara?
Depois de violentar a jovem recruta, o instrutor da Força Aérea disse que tinha gostado e que eles iriam repetir aquilo. Jogou as roupas para ela e ordenou que tomasse uma ducha. Virginia Messick não conseguia se mexer, chorar ou gritar. Era uma garota de 19 anos de Baker, zona rural da Flórida, estava havia menos de cinco semanas treinando na Base Aérea de Lackland e acabara de ser estuprada pelo homem ao qual a Força Aérea confiara sua vida.
Era abril de 2011. Depois disso, Virginia concluiu o treinamento básico, obedecendo às ordens do instrutor por cerca de um mês, sem contar a ninguém o que ele tinha feito. “Como eu poderia denunciar aquilo”, perguntou Virginia, “se o superior ao qual deveria fazer a denúncia fora justamente quem me estuprara?”
Agora, depois de deixar a Força Aérea, Virginia é a primeira vítima de um escândalo sexual ocorrido na base de Lackland a falar publicamente sobre o que sofreu. Desde que as denúncias de abusos na base começaram a ser divulgadas, no final de 2011, constatou-se que era o maior escândalo do gênero na história da Força Aérea dos EUA.
Ela é uma das 62 jovens recrutas identificadas como vítimas de ataques ou outra conduta imprópria por 32 instrutores entre 2009 e 2012 em Lackland, enorme base na região de San Antonio, um centro de treinamento da Força Aérea para quem acaba de se alistar. Sete instrutores foram a corte marcial, entre eles o primeiro-sargento Luis Walker, que cumpre 20 anos por crimes envolvendo dez mulheres, uma delas, Virginia. Outros oito casos estão pendentes na corte, com 15 instrutores sob investigação e dois oficiais afastados.
Embora os comandantes digam que tomaram medidas para proteger melhor seu pessoal mais vulnerável, inclusive designando uma oficial para supervisionar o treinamento, críticos afirmam que as providências não serão suficientes porque as mulheres temem represálias. Nenhuma das vítimas de Lackland falou dos estupros aos oficiais; os episódios só vieram à luz quando uma recruta, que não havia sido estuprada, contou o que sabia. As reformas adotadas não alteram o essencial: os comandantes têm a última palavra quanto a levar as denúncias de crimes aos tribunais militares – e as vítimas devem relatá-los aos que supervisionam suas carreiras.
Identificada pela imprensa durante a corte marcial do seu estuprador apenas como “Aviador 7”, Virginia sofre de transtorno de estresse pós-traumático (PTSD, na sigla em inglês). Ela disse que resolveu falar porque acredita que isso servirá de terapia. Espera também que ajude a mudar a maneira como as Forças Armadas lidam com vítimas de crimes sexuais.
Quando se alistou, em março de 2011, estava animada por sair de Baker. Foi matriculada num “voo” – grupo de treinamento de recrutas – exclusivamente do sexo feminino. Cerca de 25% dos recrutas são mulheres. A Força Aérea tem a maior proporção, 19% no serviço ativo.
O grupo de Virginia raramente via outro supervisor além de Walker. Logo ele começou a distingui-la com tratamento especial, permitindo que usasse o computador de seu escritório para checar e-mails, o que violava as regras de treinamento. Numa visita ao escritório, ele a agarrou e começou a tocá-la. Virginia pediu que parasse. Ele jurou que não voltaria a acontecer.
Mas algum tempo depois o sargento mandou que ela levasse umas toalhas para um andar vazio no alojamento das recrutas. Lá, ela conta que ele a estuprou. Um mês depois, em maio de 2011, ela se casou, impulsivamente, com um colega da Força Aérea. “Acho que estava tentando me proteger.” Divorciaram-se meses depois.
No final daquele ano, já num programa de treinamento avançado no Mississippi, uma amiga contou que Walker estava enviando fotos dele nu e exigia o mesmo dela. Disse que ele também ameaçava arruinar a carreira de Virginia. Virginia contou à amiga que ela e o sargento tinham mantido relações sexuais, mas não falou em estupro. Quando investigadores que vasculhavam a conduta do instrutor chegaram até a amiga, ela falou de Virginia.
Ao ser ouvida, Virginia contou uma versão amenizada do episódio. Mas, ao depôr no processo do sargento em 2012, ela o acusou de violentá-la. Como não revelara o estupro anteriormente, o sargento só foi acusado de ter mantido uma relação não profissional que envolveu sodomia e sexo. Em julho de 2012, foi considerado culpado de 28 acusações, inclusive estupro e ataque sexual envolvendo dez recrutas.
Fora da Força Aérea por causa de um ferimento, Virginia voltou à Flórida, mas um dia quebrou um vaso e usou os cacos para cortar as mãos. “Queria parar de sofrer.” Ela fez terapia num hospital e, em dezembro, voltou a casar.
No entanto, o distúrbio às vezes a paralisa. Ela disse que outras vítimas de Lackland sofrem do mesmo problema e lamenta que a experiência com a qual sonhara mudar sua vida tenha se tornado algo tão triste. “Não estão fazendo nada para quem passou por isso”, falou, referindo-se ao tratamento dado pela Força Aérea às vítimas de ataques. “Não me procuraram nem as outras moças para perguntar o que teria de mudar. Basicamente me deixaram entregue a mim mesma.”
TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
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