Yoani é mesmo agente da CIA
Desde cedo fui diagnosticada com uma doença infeliz. Já no berçário, perceberam que eu me dirigia a outras crianças com gestos obscenos e caretas. Mais tarde, o médico sentenciou que eu era portadora de um transtorno conhecido como "síndrome de seu Saraiva", moléstia que, segundo o "New England Journal of Medicine", leva as pessoas a mostrar o dedo do meio e usar palavras de baixo calão com frequência e a cometer todo tipo de malcriação quando levemente provocadas.
Por algum motivo, faço questão de ser sempre a pessoa mais mal-educada da sala. Outro dia, consegui o feito de ser a mais deselegante em uma reunião com 30 detentas no Centro de Reabilitação Feminino de Taubaté em uma entrevista com as próprias. Elas saíram da conversa horrorizadas. Uma foi levada ao choro convulsivo, veja se é possível?
Tudo isso para explicar a dimensão do milagre ocorrido na semana passada em São Paulo. Atente: Yoani Sánchez esteve na cidade e me chamaram para mediar um debate com público e blogueira cubana na Livraria Cultura. Fiquei super-honrada e lá fui eu, perfumada e produzida na hora marcada. Bem que meu amigo, o jornalista Reinaldo Azevedo, alertou que ia dar encrenca, mas eu disse para ele: "Me matar não vão, né, Rey? Na pior das hipóteses eu levanto e vou comer uma coxinha no Viena". E ainda pedi que ele me ajudasse a fazer umas perguntas bem picantes para a cubana.
Foi descer do táxi na frente do Conjunto Nacional para ouvir os gritos de guerra do Fla-Flu, slogans de torcida de futebol contra o imperialismo. O ambiente estava "caliente" como uma cela em Guantánamo.
Ilustração Alex Cerveny | ||
Subi ao palco e me acomodei ao lado da anticastrista que sofreu o pão que o diabo amassou na sua terra. E fui logo tirando um impresso intitulado "40 perguntas que Yoani nunca responderá à imprensa", que circulara insistentemente na internet naquele dia. Então comecei: "Quem patrocina a sua turnê de pop star pelo mundo?". Muito cordial, ela disse que, só naquele dia, já tinha respondido a essa pergunta umas oito vezes.
Quando percebeu que eu estava percorrendo a lista das perguntas que "nunca" seriam feitas a Yoani, a turma do fundão, um grupo de cerca 50 estudantes que acabara de entrar na sala com estandartes e apitos, começou a tumultuar. A gritaria não me impediu de notar que a próxima pergunta, "Quem paga o seu salário?", seria descartada pela falta de interesse jornalístico. O debate passou a ser interrompido na base do grito. Os estudantes exigiam o microfone. O formato do debate da noite, por coincidência, espelhava o da democracia representativa, modelo que rege nosso sistema de governo e com o qual esses jovens de iPhone e tênis All Star se desacostumaram a conviver. Eles parecem ter regredido a um estágio anterior, talvez aquele em que a maioria decide no grito, como no Velho Oeste, onde a multidão retirava o suspeito da delegacia na marra para o linchamento. Ou, quem sabe, sejam fãs de uma coisa mais despojada, a la Robespierre.
Só sei que minha interferência, para selecionar perguntas e tornar o debate mais ágil, não foi aprovada. Ficamos sem saber que apito Yoani toca, o que pensa e a quantas anda a abertura em Cuba. Enfim, tiveram de levar a cubana para a coxia antes que alguém resolvesse partir para cima. E a vontade que deu, naquele momento, de pedir cidadania paraguaia?
O ato perpetrado por aquela juventude bocó inspira até certa piedade. Os caras estão na faculdade e não percebem que a única coisa hoje que rege os governos, todos os governos, são os humores do mercado? Que ideologia virou apenas marketing para diferenciar um discurso do outro? Parece que esse raivoso Fla-Flu que nos divide nunca vai ceder ao óbvio.
E o meu milagre, onde ficou?
Bem, o seu Saraiva não deu as caras no encontro. Provocaram, provocaram, mas ele não apareceu. Em outros tempos, teria levantado no palco e mandado a molecada plantar coquinho na ladeira.
Em seu lugar, compareceu uma babá inglesa que pedia silêncio sorrindo copiosamente. Só pode ter sido artimanha da Yoani. Como se sabe, ela é agente da CIA.
Barbara Gancia, mito vivo do jornalismo tapuia e torcedora do Santos FC, detesta se envolver em polêmica. E já chegou na idade de ter de recusar alimentos contendo gordura animal. É colunista do caderno "Cotidiano" e da revista "sãopaulo".
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