Rebeldes com causa
Movimento beat, criado nos anos 1940, conquista cada vez mais leitores e prova que é atual
Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 03/03/2013
Seis
décadas depois de ter nascido nos Estados Unidos, sob a liderança de
Jack Kerouac, a geração beat, que reunia grupo de escritores “malucos”
em busca de novos caminhos para a literatura e a vida, segue
repercutindo e angariando admiradores em boa parte do mundo, inclusive
no Brasil. Muitos dos autores beats, além de Kerouac, caso de Allen
Ginsberg, Gregory Corso e William Burroughs, entre outros, continuam
sendo editados por aqui, onde não faltam leitores, nem estudiosos do
movimento. Quem afirma é o escritor paulista Cláudio Willer, autor do
livro Geração beat, Editora L&PM (história, 125 páginas). Ele estará
em Belo Horizonte no dia 12, no Palácio das Artes, no projeto Terças
poéticas, a partir das 18h30, para falar sobre o tema. E, em abril,
ministra curso sobre os beats na Flipoços, em Poços de Caldas.
Capitaneada
por Jack Kerouac há 64 anos, a geração beat parece estar mais firme que
nunca. O que caracterizou essa geração de escritores?
Para
Allen Ginsberg, a expressão “movimento literário da geração beat”
refere-se a “um grupo de amigos que trabalharam juntos em poesia, prosa e
consciência cultural, desde meados da década de 1940, até que o termo
se tornasse nacionalmente popular, no fim dos anos 1950”. Foram poetas,
prosadores e artistas dos Estados Unidos que estrearam naquela época com
grande impacto e circulação, pela ousadia e caráter inovador de suas
obras. Inspiraram jovens a romper com atitudes e com o estilo de vida
convencional e a procurar novos modos de expressão. Estão na origem da
contracultura, dos hippies das décadas seguintes, de movimentos
pacifistas, da geração “de mochilas nas costas”, profetizada por Kerouac
e Gary Snyder.
Por que as ideias desses “malucos” logo se expandiram pelos EUA e por outros países?
Certamente,
pelo valor literário. Pelo que apresentavam de novo, ao mesmo tempo em
que davam continuidade a tradições. Pela universalidade da rebelião? Por
haver muita gente querendo que a realidade fosse diferente, que o mundo
mudasse? Pela transgressão e consequente escândalo; isso sempre atrai
atenção adicional. Nada como processos e tentativas de censura para
projetar obras e autores.
Kerouac foi o principal cabeça do movimento?
Jack
Kerouac, prosador e poeta, é autor de On the road, narrativa de viagem
que teve tamanha influência sobre as pessoas, além de criador do termo
geração beat. Havia ainda Allen Ginsberg, porta-voz e articulador do
movimento; William Burrjoughs, o denso prosador; Gregory Corso, poeta
complexo e paradoxal; Lawrence Ferlinghetti, poeta-editor; Michael
McClure, ligado à natureza; Gary Snyder, o zen-budista; entre outros,
todos incomodaram muito.
Eles chegaram a causar algum incômodo ao poder estabelecido?
Algum
incômodo? Bem mais que isso. Já em 1958, J. Edgar Hoover, chefão do
FBI, os declarou “inimigos públicos”. Houve campanha na imprensa, às
vezes sórdida, associando, por exemplo, assassinatos à influência beat.
Havia notícias de crimes ilustradas por fotos de Kerouac, Ginsberg,
Corso, Burroughs, violência policial contra hippies e manifestantes
pacifistas influenciados pelos beats, na década de 1960. Tudo está bem
documentado. Até mesmo na década de 1980, a Usis e outras agências
culturais dos EUA eram proibidas de patrocinar autores beats. E havia
também a proibição de transmitir Ginsberg no rádio.
Quais foram os reflexos na América Latina?
Além
da influência em manifestações de jovens, havia grupos como o Eco
Conteporáneo e Nueva Solidariedad, na Argentina; Nadaístas, na
Colômbia... Regimes militares pesados sufocaram os movimentos. No
Brasil, a geração beat chegou por volta de 1959/1960, por meio de
reportagens em revistas e jornais. Teve leitores atentos como Zé Celso
Martinez Corrêa, que criaria o Teatro Oficina, e Luis Carlos Maciel,
futuro difusor da contracultura. Com o poeta Roberto Piva, o movimento
beat chegou não mais como notícia, mas como diálogo, relação no plano da
criação, em seu livro de estreia, Paranoia, de 1963. Em 1967, traduzi
Ginsberg, Corso, Ferlinghetti, Ted Joans e outros, para espetáculo
chamado América.
Quais são os equivalentes brasileiros?
Panamérica,
de José Agripino de Paula, de 1967, obra pop surreal, Seu autor foi um
personagem beat. Jorge Mautner trouxe algo do beat para a Tropicália. E
autores mais próximos do Tropicalismo como Wally Salomão e sua
Navilouca; Torquato Neto; Hélio Oiticica e Rogério Duarte.
Cronologicamente, podem ser vinculados ao ciclo da contracultura e da
segunda metade da década de 1960, por sua vez, com enorme débito com
relação ao beat. Isso vale, certamente, para Raul Seixas. Há sincronia
no experimentalismo do Teatro Oficina, no cinema marginal, na poesia
marginal. E há também a geração beat encarnada, os escritores viajantes:
o dramaturgo Antonio Bivar; Eduardo Bueno, que refez os trajetos de
Kerouac antes de se destacar como tradutor do movimento beat; Roberto
Bicelli; Alberto Marsicano, e outros.
E os desdobramentos além da literatura, ocorreram em que medida?
Houve
abertura nas sociedades modernas, conquistas importantes no plano da
liberdade individual, crescimento de interesse por temas como defesa do
meio ambiente e da diversidade cultural. E maior liberdade sexual,
claro. Além do debate, hoje em curso e naquela época estranho, sobre
drogas, mostrando que proibições são contraproducentes e só interessam
ao crime organizado.
De uns tempos para cá, parece estar havendo aqui no Brasil, por parte dos jovens, uma redescoberta dos beats. Você concorda?
Sim,
isso está ocorrendo. Cursos e palestras que tenho feito são recebidos
com vivo interesse. Meu livro circula bem, tem milhares de leitores e
ótima recepção da crítica. A vendagem de livros beats cresce – claro que
tendo à frente On the road e Vagabundos iluminados, de Kerouac, e minha
tradução de Ginsberg, Uivo e outros poemas. Motivos? Ainda bem que
tantas pessoas gostam de ler... Isso é um indicador de melhora em um
país com tanto analfabetismo funcional quanto o nosso. Transgressão e
rebelião atraem.
Com os olhos de hoje, como você vê tudo isso?
Temas
tipicamente beats, como esse debate sobre drogas, substâncias políticas
psicoativas, hoje são adotados por especialistas e começam a se
transformar em políticas públicas – felizmente. A leitura de obras de
autores beats crescer mostra não só que eles resistiram ao tempo, mas
também que são cada vez mais atuais. Assim como cresce a ensaística de
qualidade sobre Kerouac, Ginsberg, Corso etc., especialmente de 2000
para cá. Destaco os títulos que já mencionei, de Kerouac, e ainda
recomendaria Tristessa e visões de Cody, entre outros, além da poesia de
Corso e McClure.
No Brasil
Beats lançados a partir de 2000
» On the road: pé na estrada, de Jack Kerouac, L&PM, 2004
» Diários de Jack Kerouac, de Jack Kerouac, L&PM, 2006
» Tristessa, de Jack Kerouac, L&PM, 2006
» O primeiro terço, de Cassidy Neal, Editora L&PM, 2007
» Os vagabundos iluminados, de Jack Kerouac, L&PM, 2007
» Cidade pequena, cidade grande, de Jack Kerouac, L&PM, 2008
» On the road – O manuscrito original, de Jack Kerouac, L&PM, 2008
» Big sur, de Jack Kerouac, L&PM, 2009
» E os hipopótamos foram cozidos em seus tanques, de William Burroughs e Jack Kerouac, Editora Companhia das Letras, 2009
» Visões de Cody, de Jack Kerouac, L&PM 2009
» O uivo e outros poemas, de Allen Ginsberg, L&PM, 2010
» Anjos da desolação, de Jack Kerouac, L&PM, 2010
» Despertar: uma vida de Buda, de Jack Kerouac, L&PM, 2010
» Negócios de família, de Allen Ginsberg e Louis Ginsberg,
Editora Peixoto Neto, 2011
» As cartas, de Jack Kerouac e Allen Ginsberg, L&PM, 2012
Na estrada
Publicado
em 1957, On the road conta a história das viagens do autor, Jack
Kerouac, com o amigo Neal Cassady pelos Estados Unidos. Como no romance,
na adaptação para o cinema do diretor Walter Salles, Na estrada (2012),
os principais nomes do movimento beat tiveram seus nomes trocados. No
filme do diretor brasileiro, com produção executiva de Francis Ford
Coppola e elenco estelar, Paradise (Sam Riley) é um aspirante a escritor
que acaba de perder o pai. Ao conhecer Dean Moriarty (Garrett Hedlund),
ele é apresentado a um mundo até então desconhecido, com liberdade,
sexo e drogas. Logo Sal e Dean se tornam grandes amigos, dividindo a
parceria com a jovem Marylou (Kristen Stewart), apaixonada por Dean. Os
três viajam pelas estradas do interior dos Estados Unidos, sempre
dispostos a fugir de uma vida monótona e cheia de regras.
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