domingo, 3 de março de 2013

Elio Gaspari

folha de são paulo

Um pacote de veneno para a saúde
Chegou ao Planalto um pudim de mimos para os vendedores de ilusões das operadoras de saúde
Levaram para a doutora Dilma, e o comissário Alexandre Padilha discute em Brasília, um pacote que, na marquetagem, destina-se a melhorar o acesso do andar de baixo aos planos de saúde. Na prática, trata-se de um estímulo à inépcia empresarial e à má-fé de quem vende serviços que não pode entregar.
Os repórteres Natuza Nery, Johanna Nublat e Valdo Cruz revelaram que até agora ele tem dois pilares:
1) Deverá reduzir os impostos que incidem sobre o setor.
2) Deverá oferecer financiamentos públicos para a melhoria dos serviços hospitalares privados.
Com isso, os maganos prometem ampliar a rede dos planos, reduzir seus preços e melhorar o atendimento.
Será o samba do comissário doido. Uma coisa nada tem a ver com a outra, mas todas embutem um objetivo: avançar sobre a bolsa da Viúva.
Os planos de saúde vão bem, obrigado. Têm 48,7 milhões de clientes e no ano passado faturaram R$ 83 bilhões, ervanário equivalente à arrecadação federal de novembro. Trata-se de um setor que cresceu 50,6% desde 2003. A maior operadora desse mercado é a Amil. Seu dono, Edson Bueno, entrou na lista dos bilionários da revista "Forbes" com um patrimônio de US$ 2,2 bilhões (sua ex-mulher e sócia tem outros US$ 2 bilhões). A empresa foi vendida em outubro passado para o grupo americano UnitedHealth por US$ 3,2 bilhões.
A Viúva dá benefícios tributários aos gastos dos cidadãos com saúde. Nada mais justo, mas isso significa uma renúncia fiscal estimada em R$ 15 bilhões anuais. O problema dessa atividade comercial não está no excesso de impostos, muito menos na falta de financiamentos. No ano passado a ANS suspendeu temporariamente a venda de 396 planos de 56 operadoras porque elas simplesmente descumpriam os contratos. Descumprem os contratos porque vendem o que não entregam. Existem planos de saúde de R$ 56 mensais e, nos corredores da privataria, há um projeto de venda maciça de planos a R$ 90. O truque é simples: a rede privada fatura e, quando o freguês adoece, as linhas finas do contrato mandam-no para a rede pública. Desde 1998 as operadoras de planos conseguiram esterilizar as iniciativas destinadas a fazer com que o SUS seja ressarcido pelo atendimento à clientela do setor privado. Para isso, usam poderosas equipes de advogados, parlamentares e uma junta de médicos pessoais dos mandarins do Planalto que, quando adoecem, fogem da rede pública como Asmodeu da cruz.
Sem o SUS, não existe viabilidade financeira para um plano de R$ 90. Com o SUS, pode-se vender até plano de R$ 10. Quem conhece o mercado sustenta que não é possível manter um plano privado decente por menos de R$ 500 mensais.
Se a doutora Dilma e o comissário Padilha quiserem melhorar a saúde pública, podem baixar impostos e emprestar dinheiro da Viúva a juros camaradas, mas devem começar a discussão do pacote com uma minuta de medida provisória ordenando o ressarcimento do SUS. Numa conta conservadora, com novas regras, poderão arrecadar até R$ 10 bilhões. Em 2011 a ANS conseguiu receber das operadoras apenas R$ 82,8 milhões. (Dirigentes da agência foram multados individualmente em R$ 5.000 pela preguiça constatada no trato dos processos de cobrança.)
Pelo andar da carruagem, o samba do comissário doido serviria para piorar uma situação que é ruim, enriquecendo maganos e polindo o prestígio de doutores amigos dos reis. Essa é uma espécie que se degradou. Já não se fazem mais médicos da corte como o conde de Mota Maia, que cuidava da família imperial. Quando d. Pedro 2º tinha suas crises de diabetes, Mota Maia dormia num quartinho próximo. O conde acompanhou o paciente para o exílio e assistiu-o até a morte, dois anos depois, em Paris.
VAIAS E APLAUSOS
Durante um dos concertos do festival "Música em Trancoso", houve um princípio de vaia quando anunciou-se a presença da ministra da Cultura, Marta Suplicy, que estava no cantinho das autoridades. Até aí, nada demais, pois a plateia daquela praia está fora do Bolsa Família.
Logo depois anunciou-se a presença do ministro Joaquim Barbosa, que estava na arquibancada. Foi aplaudido de pé por mais de mil pessoas, durante vários minutos. Ganhou mais palmas que as cinco peças de Tchaikovsky.
MADAME NATASHA
Madame Natasha concedeu a Lula mais um título de doutor honoris causa pela seguinte pérola, enquanto, mais uma vez, reclamava da imprensa:
"Por que a gente não começa a dar um pouco de formatação àquilo que nós temos de potencial?" Natasha não sabe formatar potencial, mas acha que Lula quis dizer que "a gente" precisa criar meios de comunicação próprios.
EREMILDO, O IDIOTA
A doutora Eliana Calmon, que fez fama pelo rigor com que ocupou a Corregedoria Nacional de Justiça, recebeu no ano passado R$ 84,8 mil de auxílios alimentação atrasados. Isso sem contar seu salário de R$ 25,3 mil mensais.
Eremildo é um idiota, sabe que ela gosta de cozinhar e lembra que todos os pares da doutora recebem essa Bolsa Marmita.
Como a doutora não passou fome no período em que não recebeu o auxílio, o cretino teme que, ao receber cheques semelhantes, o Judiciário brasileiro erre a mão e morra empanturrado. Com essa grana podem-se comprar 14.133 Big Macs, ou 38 sanduíches por dia durante um ano.
ABRAHAM LULA DA SILVA
Nosso Guia vive numa história própria. Já disse que Napoleão foi à China e que Oswaldo Cruz descobriu a vacina da febre amarela. Comparando-se a Abraham Lincoln, informou que "estou lendo" a edição brasileira do livro de Doris Kearns Goodwin e "fico impressionado como a imprensa batia no Lincoln em 1860, igualzinho batia em mim".
Onde ele leu isso, não se sabe. Em 1860 Lincoln era um azarão na disputa pela indicação do Partido Republicano e foi beneficiado pela atividade de dois jornalistas/empresários metidos em política. (Depois ambos brigaram com ele porque não queriam o fim da escravidão, mas essa é outra história.) Nessa fase, Lincoln foi poupado, e no livro que Lula disse estar lendo há duas referências da imprensa a Lincoln, ambas elogiosas. Ele acompanhou o resultado da convenção na Redação de um jornal.
Durante a campanha e a Guerra Civil o pau comeu, e os jornais do Sul, bem como os Democratas do Norte, chamavam-no de semianalfabeto, "terrorista inculto", mas esse era o jogo jogado. A imprensa republicana exaltava sua origem humilde, sua simplicidade e a abstinência de fumo e álcool (páginas 75 e 76).
Numa coisa Nosso Guia está inteiramente certo: aliados e adversários subestimaram aquele advogado desengonçado que gostava de contar histórias.

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