Brasil sem esmola
Beneficiários do Bolsa Família começam negócio próprio e mostram porta de saída do programa, mas parcela ainda é pequena
Felipe dos Santos se tornou eletricista. O negócio vai tão bem em São Miguel do Gostoso (RN) que ele já carrega escada e ferramentas numa motocicleta, não mais a pé.
A ex-sacoleira Silvana da Silva abriu um mercadinho na mesma cidade. Para bater a concorrência, abre às 5h30 e só fecha às 20h.
Em Messias Targino, a 330 km de Gostoso, Giovani Paiva é agora o "Rei do Pastel", que vende a R$ 0,75 a unidade. "Se tivesse capital de giro, montaria filial e ampliaria o cardápio", diz o neoempresário.
O que esses nordestinos têm em comum, além da força de trabalho e de vontade, é a condição de oriundos do Bolsa Família.
Como mostrou reportagem desta Folha no domingo, os três se tornaram microempreendedores individuais (MEIs) e estão entre os 244.761 que foram ou ainda são beneficiários do mais conhecido programa de assistência do governo federal. Esse contingente vem aumentando de forma acelerada: em agosto de 2011, eram 102.677.
Não se conhece ao certo quantos favorecidos pelo Bolsa Família -que hoje alcança cerca de 13,5 milhões de famílias- já encontraram essa porta de saída, isto é, deixaram de depender do complemento de renda. Sabe-se, porém, que, entre os cerca de 2,6 milhões de MEIs registrados no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, pouco mais de 9% já receberam o benefício.
Trata-se de um número pequeno, por certo. Mas é suficiente para levantar sérias dúvidas contra o muito difundido preconceito de que muita gente preferiria ficar sem emprego, ou só trabalhar no mercado informal, para seguir recebendo os R$ 145 mensais (transferência média do Bolsa Família).
Para que se estabeleçam fora do programa, são necessários outros auxílios: crédito e assistência técnica. No entanto apenas 45% dos MEIs em via de desligar-se do Bolsa Família foram, de fato, atendidos pelo Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), entidade privada que faz parcerias com o governo.
A administração federal não pode se limitar a isso. É preciso fazer muito mais para disseminar o atendimento e essas experiências bem-sucedidas -a fim de que o país possa atingir um novo patamar no combate à desigualdade social.
Uma pequena parcela do orçamento de R$ 23,2 bilhões do Bolsa Família já faria muito para emancipar seus beneficiários e dotá-los de autonomia para atuar no mercado e no universo do consumo.
Na escala atual, essas boas práticas não são mais do que uma prova de princípio, que precisa ser reproduzida para calar o preconceito e erradicar as transferências paternalistas de renda. País sem miséria é país sem assistencialismo.
EDITORIAIS
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Funcionando direitinho
Depois de a reportagem da Folha ter calculado em pelo menos R$ 13,9 bilhões os custos de 13 promessas de Fernando Haddad, o prefeito paulistano declarou que a soma estaria "subestimada". E anunciou que os investimentos vão ultrapassar R$ 20 bilhões quando seu plano de metas for divulgado.Considerando o quadro de restrições financeiras de São Paulo, que já levou o petista a congelar R$ 5,2 bilhões do orçamento deste ano -ou 12% da receita prevista- e determinar cortes de 20% em todas as despesas, a previsão é, no mínimo, audaciosa.
Para cumpri-la, Haddad decerto conta com verbas estaduais e federais, além da perspectiva de renegociar a dívida da cidade, que, hoje, deixa pouco mais de R$ 3 bilhões por ano para investimento.
Não se imagina que o desempenho do prefeito seja avaliado só pelos primeiros meses de sua gestão. A ordem de grandeza das promessas, entretanto, sem dúvida auspiciosas caso se revelem factíveis, contrasta com um início de administração pouco animador na resolução de problemas do dia a dia.
O cidadão, já às voltas com transtornos causados pelas chuvas, aos quais a prefeitura reage de forma morosa, conhece agora a deterioração de parques públicos. Quase metade das 97 unidades municipais padece de problemas como lixeiras entupidas, varredura improvisada, banheiros interditados e vegetação descuidada.
As falhas decorrem do fato de a prefeitura ter deixado de renovar ou de assinar novos contratos com empresas para esses serviços.
Embora credite parte da culpa à gestão anterior, o secretário do Verde e do Meio Ambiente, Ricardo Teixeira (PV), reconhece que, após quase 80 dias, as falhas são sobretudo de sua responsabilidade. E garante que em 90 dias tudo estará "funcionando direitinho".
O caso, porém, não se encerra em alegados obstáculos burocráticos ou na lentidão do novo titular da pasta. Há sinais de que o secretário tem sido bastante rápido em outros aspectos, como ao promover a contratação de assessores parlamentares e apaniguados.
Ao menos 15 parques já tiveram seus administradores trocados -só um deles tem formação na área ambiental. Teixeira, que pretende se candidatar a deputado estadual na eleição de 2014, exonerou mais de cem pessoas em sua área.
Se a cidade terá de esperar três meses -ou sabe-se lá quanto- para que as áreas de lazer recebam, enfim, a devida manutenção, no terreno do aparelhamento político a secretaria, ao que parece, já está "funcionando direitinho".
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