terça-feira, 19 de março de 2013

Iraque 10 anos depois da invasão - Tendências/Debates

folha de são paulo

PAULO DANIEL FARAH
O ASSUNTO É O IRAQUE DEZ ANOS DEPOIS DA INVASÃO
O Iraque não cede à desesperança
Prevalece um cenário de desagregação e dificuldades. Mas despertam esperança notícias como a retomada de importante centro intelectual
Dez anos após a invasão do Iraque, os danos provocados ao país ainda ameaçam esse patrimônio cultural da humanidade, embora sua história, da Mesopotâmia aos dias atuais, confirme a resiliência de seu povo.
Além da inaceitável perda de centenas de milhares de vidas humanas e da infraestrutura arrasada no rastro de uma intervenção militar desastrosa, prevalece à superfície um cenário de desagregação, acirramento de tensões identitárias e dificuldades na promoção de um diálogo nacional.
Por milênios, diferentes tradições misturaram-se num processo de enriquecimento mútuo; agora, o espectro dos sectarismos ensombrece a região. Referência cultural nos anos 1970, o Iraque abriga milhares de sítios arqueológicos que foram submetidos à pilhagem e ao contrabando, junto com toda uma memória coletiva humana.
Desde o embargo, e sobretudo a partir de 2003, houve saques sistemáticos e organizados ao patrimônio material iraquiano que colocam em risco grave a história da humanidade. Menos de duas semanas após a invasão norte-americana, muitas dessas obras já se encontravam nos Estados Unidos e na Europa, como afirma o arqueólogo sírio Ahmad Serrie.
Ele ministrará palestra em São Paulo e em Campinas na próxima semana, no âmbito do Festival Sul-Americano da Cultura Árabe (que traz ainda outras ações vinculadas ao Iraque), a respeito de mecanismos de tentativa de preservação de sítios arqueológicos em situações de conflito, com ênfase nos exemplos do Iraque e da Síria.
Serrie, que foi chefe de delegações arqueológicas no Iraque e na Síria, além de diretor do Departamento de Museus e Antiguidades, responsável por supervisionar todos os sítios arqueológicos do país, argumenta que, "antes da ocupação do Iraque, havia uma preocupação em preservar essa riqueza, mas depois se perdeu o controle em meio aos conflitos, o que demanda urgência".
Na epopeia babilônica de Gilgamesh, uma das primeiras obras da literatura mundial, o herói homônimo busca obter a vida eterna até encontrar o ancião Utnapishtim, que havia sobrevivido a um dilúvio. Utnapishtim se compadece de Gilgamesh e lhe oferece uma planta mágica que restaura a juventude. A planta é roubada, porém, em uma demostração da limitação e impermanência da condição humana.
Apesar do quadro de fragilidade, tal como Gilgamesh, o Iraque não cedeu à desesperança; foi palco de algumas das mais expressivas realizações humanas em áreas como a agricultura, a urbanização, a jurisprudência, a matemática e a astronomia. Com efeito, a perseverança caracteriza a postura dos iraquianos no passado e hoje.
Uma notícia que desperta esperança refere-se ao reavivamento da Bayt al-Hikma (Casa da Sabedoria), em referência ao centro de tradução e produção científica fundado em Bagdá pelo califa Mamun al Rachid (813-833). Esse projeto traduziu tratados do grego, sânscrito, siríaco e persa, entre outros idiomas, para o árabe e renovou todo o conhecimento científico -algumas dessas obras sobreviveram apenas em árabe.
A Bayt al-Hikma está retomando as atividades na área de publicação e outras, algumas em parceria com o Brasil, promovidas pela embaixada em Bagdá.
Como se sabe, os laços com o Brasil são históricos. O primeiro relato de viagem acerca do Brasil sob o prisma de um árabe e muçulmano foi escrito no século 19 por um erudito de Bagdá, Abdurrahman bin Abdullah al Baghdadi.
O respeito às culturas africanas e indígenas que seu relato traz revela uma atitude humanista. Ela pode servir de inspiração para que a América do Sul participe desse processo de apoio ao Iraque, em um momento de vulnerabilidade que demanda esforços concentrados e ações concretas.
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JALAL JAMAL CHAYA E WATHIQ HINDO
O ASSUNTO É O IRAQUE DEZ ANOS DEPOIS DA INVASÃO
Iraque, terra de oportunidades
O Brasil ainda é um parceiro comercial modesto, mas sua boa imagem diante dos consumidores é uma vantagem competitiva
Há dez anos, o Iraque passou por uma mudança radical: a troca de regime motivada pela invasão de seu território por tropas estrangeiras. Ninguém deseja a presença de soldados de outro país e muito menos a guerra, que traz em seu rastro morte, destruição e miséria.
Mas o Iraque que surgiu então redescobriu suas características mais fundamentais: um país berço da humanidade, sede de um dos mais antigos códigos de Direito do mundo e a pátria dos que professam a paz e comungam com a fraternidade.
O Iraque tem características muito peculiares. A população é de 30 milhões de habitantes, com elevada escolaridade, e tem à sua disposição uma das três maiores reservas de petróleo do mundo.
O PIB é de US$ 157 bilhões, o que significa uma boa capacidade de financiar investimentos, entre eles o do restabelecimento da iniciativa privada, sucateada e praticamente extinta nos anos anteriores a 2003.
Há uma carência geral de produtos, o que explica as importações anuais de US$ 36 bilhões. O Brasil ainda é um parceiro pequeno, com exportações de US$ 579 milhões em 2012 e US$ 781 milhões em 2011.
A queda foi causada por um realinhamento mundial de preços, motivado pela queda de poder aquisitivo nas economias do hemisfério norte. Ou seja, a boa e bem conhecida lei da oferta e da procura. Nada contra o produto brasileiro, até porque se há uma assinatura que atrai muito o consumidor iraquiano é a "made in Brazil".
O Brasil tem contribuído muito para o processo de paz no Iraque, mantendo e ampliando um já conhecido e tradicional relacionamento comercial. Os produtos brasileiros estão presentes na vida cotidiana do povo iraquiano. Do frango, carne, peixe e café, passando por medicamentos, autopeças, motores e incubadoras de bebê. Sim, o Brasil participa até do momento mais frágil da vida dos novos iraquianos.
Em contrapartida, há um leque variado de oportunidades de negócios. As exportações de alimentos não se esgotam, porque a produção de alimentos no Iraque é insuficiente. O país tem abastecido as prateleiras dos supermercados com produtos importados e o Brasil tem a grande vantagem de ter uma excelente imagem perante o consumidor iraquiano.
No campo da construção, o governo iraquiano estima que, em 2015, a população do país poderá ser de 35 milhões de habitantes. Isso significa a necessidade de construir aproximadamente 1,9 milhão de habitações, além de fornecer toda sorte de material de acabamento -duas habilidades desenvolvidas pelas empresas de construção civil do Brasil.
Na área da saúde, há também obras para instalação de hospitais e centros de saúde, com seus respectivos equipamentos e medicamentos.
No segmento de turismo, o Iraque tem duas vertentes bastante significativas: a histórica e a religiosa. Detentor de um patrimônio histórico invejável e sede de dois dos três maiores destinos religiosos do mundo muçulmano -Karbala e Najaf-, o país carece de infraestrutura para dar hospedagem tanto àqueles que buscam conhecer a história da humanidade quanto aos peregrinos que procuram viver um momento de elevação espiritual.
Temos nos brasileiros parceiros que contribuem para a pacificação e normalização da vida cotidiana. E queremos que essa relação se fortaleça cada vez mais.
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