domingo, 19 de maio de 2013

EM DIA COM A PSICANÁLISE » Crime e castigo Regina Teixeira da Costa


Estado de Minas: 19/05/2013 


Uma coisa interessante é como lidar com o sintoma sem jogar tudo fora, perdendo apenas o necessário. Sintomas todos temos, e se trata de um balanço entre o gozo e o prazer.

O sintoma é muito interessante e quem tem juízo fica atento. Trata-se de formação de compromisso entre desejo inconsciente e sua realização de maneira torta e deformada, em seguida, o castigo pelo crime de burlar a censura sancionada sobre o tal desejo.

Joguetes entre as poderosas pulsões recalcadas, nós fazemos repetições, variações em torno do mesmo tema e o juízo crítico. Então, a cada vez que o desejo censurado aparece ou se realiza, já vem junto o castigo. Pacote completo, como dizem hoje, all incluse.

Quem leu Crime e castigo, romance de Dostoievski, sabe que mesmo o crime perfeito tem consequências subjetivas inevitáveis. Assim também em Macbeth, de Shakespeare, quando a rainha assassina alucina surgem manchas de sangue em suas mãos e ela se denuncia. O filme de Woody Allen Mach point é outro exemplo. O crime perfeito e o castigo vêm de dentro. Da culpa.

O ponto é viver parceiro do sintoma, tenhamos feito análise ou não. Fazer melhor apesar dele ou com ele. A diferença é que depois da análise podemos de alguma maneira mudar nossa relação com o sintoma. Ele não nos submeterá completamente como antes.

É próprio dos neuróticos, divididos e ambivalentes entre duas paixões, dois desejos. Querem ir para um lado, mas não podem largar o outro. Não podem lidar com as perdas, e o mundo que espere lá fora. E o sintoma.

Todo sintoma tem uma função. Ele é construído de modo a permitir que o que foi proibido e recalcado encontre um jeito de se realizar. No portão de saída do inconsciente fica o carrasco com a chibata da culpa.

Lembrei-me agora de um episódio interessante: uma pessoa ganhou de um parente um móvel de valor afetivo considerável na família. O parente faleceu. Diante desse fato, parentes mais próximos do falecido requisitaram a herança como de direito. A pessoa em questão cedeu e devolveu o móvel, porém, nunca os perdoou por pedirem o que lhe foi dado (o direito era dela de fato). Cedeu e cortou relações ressentida e indignada.

Muitas vezes, um simples não poderia resolver a questão. Um belo corte poderia resolver a parada. Mas sabemos bem que dizer não ou cortar, largar pra lá, nem sempre é possível para quem quer ser amado demais. Ou não se dá o direito de ter aquilo que o outro também quer e sustentar isso, deixando ao outro o trabalho de lidar com sua própria falta.

Não sei realmente qual é a explicação de cada um para seu sintoma, mas sempre há uma tendência a defender o sintoma. Mesmo que ele seja fonte de sofrimento e perdas, também é fruição, mesmo que seja das pulsões de morte. Mas é de pensar o quanto perdemos por estarem os sintomas intocados, e respingando nos outros. Do sintoma poucos querem saber.

Relações sintomáticas são comuns. Cada um se posiciona de um modo tal que reproduz na parceria o lugar onde ficou desde criança na família. Se os sintomas forem complementares, dará tudo certo até que alguma coisa frature a solidez desse laço. Por exemplo, se um vem de uma família mais agressiva e brava e ficou medroso e o outro percebe isso, repete a braveza diante da passividade do parceiro.

Não porque queira, mas a passividade do parceiro convida o outro a tomar a posição ativa. As pessoas se excedem. E o melhor para cada um pode ser bem diferente, sabemos disso.

As pessoas são sensíveis quando se trata da rispidez do outro porque ela é cortante. Porém, não são tão sensíveis para lidar com o outro quando o que está em jogo é seu sintoma. Explico. Falando grosseiramente, podemos perceber que a pessoa que adia tudo que deve fazer agora deixa invariavelmente a esperar tudo o mais que depende daquela ação que ela devia ter feito e não fez.

E tudo isso justificaria o fato de que vale a pena se haver com o sintoma e fazer dele um parceiro conhecido, para ter o poder de decidir o que fazer com ele, sem imputá-lo ao outro de forma tirânica nem passar a vida sofrendo, submetido a ele. Pronto, falei!

Nenhum comentário:

Postar um comentário