domingo, 19 de maio de 2013

"Os gays precisam entrar pela porta da frente", diz Daniela Mercury

folha de são paulo
Mônica Bergamo

DE SÃO PAULO

O encontro com Daniela Mercury, 47, e a jornalista Malu Verçosa, 37, casal icônico da militância gay brasileira, havia sido marcado para as 18h30 da quarta-feira, no espaçoso casarão da cantora no Parque Costa Verde, condomínio de luxo situado nas bordas de Salvador, onde sopra a brisa do mar.
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Duas horas depois Daniela aparece com um microvestido para a conversa. "Ela é a curva do rio, só pra sair do quarto leva 40 minutos", diz Malu ao repórter Morris Kachani. A cantora havia passado base nas pernas, por isso hesitou em se sentar no sofá para não manchá-lo (um lençol foi providenciado).
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Malu vestia minissaia jeans, jaqueta de couro rosa comprada em Paris --escolhida por Daniela-- e um colar delicado no qual sobressaía um pingente na forma da espada de Iansã. Durante a conversa com a coluna, que se estendeu até as duas da madrugada, com direito a citações a Camille Paglia, Simone de Beauvoir e Roland Barthes, uma chamou a atenção da outra de que as pernas estariam aparecendo demais.
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Moram no casarão atualmente, além de Dani e Malu, as três filhas da cantora adotadas durante seu casamento de três anos com o empresário Marco Scabia, que durou até novembro de 2012 (Daniela também tem dois filhos biológicos: Gabriel, 27, e Giovana, 26, do relacionamento com Zalther Póvoas).
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Uma cozinheira, um motorista e duas babás fazem parte do corpo atual de funcionários da casa. "Você acha que sem um time desses daria para cuidar de toda a família?", pergunta Daniela.
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"Melhor agora com o time reforçado por essa zagueira e atacante", diz, acariciando o ombro de Malu. "Ter duas mães é um luxo." Silenciosa, a filha Márcia Vanessa, 15, assistia à cena.
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Daniela vai logo dizendo que o casal está vivendo "aquela fase insuportável" da paixão. "Você fica nua, em carne viva. A relação está se criando, então tudo é negociado. Não sabia que poderia amar alguém com tanta intensidade", afirma.
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Malu diz, diante de uma Daniela de olhos marejados: "Ela é generosa, brava, mas boba --aquele tipo que se você fizer 'bu', chora. Daniela devaneia, viaja. É forte e é guerreira. Uma mulher da porra, como se diz por aqui".
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A namorada da cantora é editora-chefe do programa de notícias regional da TV Globo. Formou-se em jornalismo na Fiam, em São Paulo, onde viveu por dez anos, tendo trabalhado também no SBT e na Record.
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Ela levanta todos os dias às 5h30 e passa até duas horas no trajeto ao trabalho, por conta de um dos piores engarrafamentos do Brasil, o de Salvador. Daniela a acompanha na jornada quase todos os dias. "É uma maneira de ficarmos mais tempo juntas."
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"Preciso de alguém para cuidar de mim, para me proteger", afirma a cantora. A namorada conta que "comigo ela parou de fumar". Daniela acrescenta: "Malu é mais resiliente e não perdoa com facilidade. Eu, que costumo relevar mais, aprendo muito. O que ela enxerga, acato com humildade".
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Malu é mais retraída que a parceira, que canta pelo menos dez músicas durante a entrevista --"Cálice", de Chico Buarque, entre elas. E, uma garrafa de vinho português depois, servido juntamente com uma porção de provolone irregularmente picotada pela própria, convida por repetidas vezes Malu para dançar ao som de seu novo CD, "Geração Canibália", que já está pronto e será lançado ainda neste ano.
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Talvez o momento em que postaram as fotos na rede social Instagram e revelaram que estavam namorando seja o que melhor ilustra a diferença de temperamento entre as duas. Em cinco minutos, 2.000 pessoas já haviam curtido a imagem. "Então me dei conta de que estávamos no olho do furacão", diz Malu, que andava de um lado para outro, no saguão do hotel em Portugal, onde estavam hospedadas.
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"Tive vontade de subir ao quarto e de lá não mais sair", lembra. Enquanto isso, Daniela só dava risada. Mas era uma questão de vida ou morte para ela.
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"Se Malu não quisesse assumir, não estaríamos mais juntas. Eu não ia viver às escondidas. Não tínhamos saída. Era hora de inspirar as pessoas", explica. Ela afirma ter vivido outras relações homossexuais que não vieram a público --e que por isso, inclusive, teriam se desgastado. "A gente se apaixona pelas pessoas e não pelos gêneros", diz.
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A preocupação de Malu era a de "não se tornar refém dos 'jornaleiros' --jornalistas de segunda categoria".
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Para Daniela, "os gays precisam entrar pela porta da frente. Outro dia a 'Caras' publicou: 'Daniela apresenta Malu à sociedade'. Como assim? Estávamos à margem?". Ela acredita estar protagonizando uma nova revolução sexual e considera o machismo no Brasil uma espécie de fundamentalismo dos tempos de hoje.
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"A gente reconhece que uma precisa da outra. E os homens não sabem cuidar", diz. "Um namoro entre artistas masculinos é totalmente diferente. As mulheres em geral são mais fiéis."
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"E esse mito do homem de transar com um casal de mulheres é a maior besteira. Quem come o homem sou eu, no sentido de que é a mulher que come o homem, sempre", acrescenta.
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"Certa vez Caetano Veloso me disse que reencarnaria homem se pudesse, a não ser por duas características feminina, a longevidade e o fato de que a mulher goza mais."
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Malu, que também namorou homens e mulheres, emenda: "Daniela é uma 'troublemaker' (criadora de problemas)". Ambas falam em "alívio" após o episódio do Instagram, que as levou para a capa da revista "Veja" e ao programa "Fantástico" --embora Malu se recusasse a conceder entrevista.
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Contam que se conheciam há muito tempo --Malu namorou uma ex-assessora da cantora. Mas a paixão despontou no final de 2012. A iniciativa partiu de Daniela. "No começo neguei, depois comecei a me perguntar se o sentimento era recíproco."
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Logo após o primeiro beijo, no início de janeiro, por coincidência, os sinos soaram na Igreja de Nossa Senhora da Vitória, em Salvador. Eram seis da tarde. Até hoje as duas reverenciam o momento e sempre que podem, visitam uma igreja nesse horário.
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Daniela conta que criou um jeito próprio de rezar ao fazer o sinal da cruz: "Em nome da Mãe, do Pai, do Filho e do Espírito Santo, amém".
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Malu inclusive deu uma medalha de Nossa Senhora no Dia das Mães para Daniela. E ganhou de presente um CD com gravações inéditas da cantora (com repertório de Caymmi, entre outros), além de chocolates, flores etc.
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Recentemente fizeram uma viagem de lua de mel pela Rússia e por Paris, onde trocaram alianças e passearam de bicicleta. Em Moscou, compraram um cadeado e o prenderam em uma árvore, cumprindo uma tradição local entre os noivos, que simboliza o amor eterno.
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Os planos futuros incluem casamento civil. As duas especulam sobre aumentar a família, sem contudo ter chegado a uma conclusão. Já a mudança de endereço é certa. Querem ir para um apartamento mais próximo do centro da capital baiana, onde ficam os escritórios de ambas. "Viver é melhor do que sonhar", afirma Daniela.
Mônica Bergamo
Mônica Bergamo, jornalista, assina coluna diária publicada na página 2 da versão impressa de "Ilustrada". Traz informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999.

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