domingo, 19 de maio de 2013

Dois sonetos - Garcilaso de La Vega,tradução Nelson Ascher

folha de são paulo

IMAGINAÇÃO
prosa, poesia e tradução
Dois sonetos
E outros versos de amor e humor
GARCILASO DE LA VEGATRADUÇÃO *NELSON ASCHER*

Estou sem pausa em lágrimas banhado,
Rompendo sempre com suspiros o ar,
E o pior é que não ouso vos contar
Que é por vós que me encontro nesse estado;

(Estrofe inicial do soneto n. 38)

Canção, eu disse mais do que mandaram
E menos que pensei;
Não me perguntem mais, porque eu direi.

(Trecho da canção n. 2)

"Que acusações são estas
Que vós lhe quereis lançar?
Tudo o que fez foi dançar."
Tem-se isto por grande culpa?
Mas não o foi, a meu ver,
Porque tem como desculpa
Ter sido obra da mulher.
Esta o levou a cair
Muito mais do que o saltar
Que realizou ao dançar.

(Trecho de "villancico" escrito para dom Luis de la Cueva)

Ninguém pode ser, senhora,
Nem feliz nem desgraçado
A não ser que te haja olhado.
Pois o júbilo de ver-te
Some se se chega ao ponto
De se julgar merecer-te,
Portanto, sem conhecer-te,
Ninguém pode ser, senhora,
Nem feliz nem desgraçado
A não ser que te haja olhado.

(Copla n. 8)

As pessoas estão todas
Pasmas, que a falar puseste
De um milagre que fizeste
Justamente numas bodas;
Hás ainda, a meu juízo,
Caso sigas tal caminho,
De transformar água em vinho
Como antes a dança em riso.

(Copla n. 7)

Destino causador de minhas dores,
Como eu senti o rigor de tuas leis
Pela terra espalhando fruta e flores,
Cortaste a árvore com mão cruéis.
Em pouco espaço jazem meus amores
Bem como as esperanças minhas. - Eis
Que em cinzas que desdenham meus clamores
E aos meus ais surdas, tudo se desfez.
O pranto, pois, que nesta sepultura
Já se chorou e ainda hoje se chora,
Recebe, embora ali te chegue em vão,
Até que feche, a eterna noite escura,
Meus olhos que te viram viva outrora
E outros olhos me dê, que te verão.

(Soneto n. 25)

Vosso semblante levo na alma inscrito
E tudo o que escrever de vós anseio,
Vós sozinha o escrevestes -- eu o leio
Tão só, vos respeitando mesmo nisto.
Mas algo em que hoje e no porvir persisto,
Embora em mim não caiba quanto exposto
Já vi de vós, com fé por pressuposto,
No bem que não entendo eu acredito.
Nasci só para amar-vos com empenho;
Minh'alma vos talhou à sua medida;
Minh'alma que, habituada, vos adora;
Confesso vos dever tudo o que tenho;
Por vós nasci, por vós eu tenho vida,
Por vós eu morreria e morro agora.

(Soneto n. 5)

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