Premiada autora infantojuvenil fala sobre educação, tecnologia e comportamento do brasileiro
Raquel Lima
Estado de Minas: 11/05/2013
Eva Furnari não costuma conceder
entrevistas. “Fico tão concentrada no trabalho”, justifica a autora e
ilustradora de livros infantojuvenis publicados e premiados no Brasil e
mundo afora – Itália, México, Equador, Guatemala, Bolívia. A italiana de
64 anos, que mora em São Paulo desde os 2, abriu exceção para o Pensar,
na ocasião de relançamento de Anjinho, obra de 1998 premiada com o
Jabuti de melhor ilustração. E falou, com o mesmo destemor com a qual
escreve, sobre bullying, comportamento, novas tecnologias, educação, da
falta dela. “A democracia não é um mar de rosas, requer negociação e os
professores têm a missão difícil de lidar com as crianças livres demais,
mimadas pelo capitalismo”, analisa. Eva assina o texto e as imagens de
mais de 60 livros, alguns retirados por ela mesma do mercado. “Porque
não estava satisfeita com eles. Tenho uns 60 e poucos livros, então,
acontece”. No fim das contas, a escritora, que confessou não ler quando
criança por ter hipermetropia, não resiste a uma boa história.
Alguns
títulos infantojuvenis estão tão focados na moral da história que são
chatos. Que qualidade é imprescindível em um livro para jovens e
crianças?
Na literatura cabe de tudo, desde que seja benfeito.
Os professores usam muito a literatura na escola e viramos (autor e
professor) uma dupla, mas acho que alguns focam mais no valor ético e
acabam fazendo um material que é mais racional. Mas, se a literatura
infantil não tiver um aspecto emocional, a criança não se liga, não
atinge. Sobre o que é imprescindível, acho que, em primeiro lugar, a
qualidade do texto. Precisa ser escrito em linguagem adequada pois são
leitores ainda em desenvolvimento, mas acho que uma boa história é uma
história bem contada. Normalmente, o que interessa e envolve o adulto
vai envolver e interessar à criança também.
Você se considera uma escritora realizada?
Realizada,
com certeza. Tenho mais de 30 anos de carreira. E o carinho enorme que
recebo de professores. Às vezes, não tenho tempo de atender as
pessoas... Mas, por outro lado, me sinto começando junto com desafios
novos. Não consigo repetir projetos. Quando me pedem “faz um livro
parecido com aquele e tal”, não consigo. Se repetir, acho que fica
vazio, irracional, a gente precisa criar com alma. Nesse sentido, cada
livro é uma experiência nova.
Você
tem uma relação com personagens que, nos padrões da sociedade, parecem
perdedores. Felpo Filva; Mel, que sofre bullying em Nós; os personagens
de Listas fabulosas. Todos eles, no entanto, são anti-heróis
encantadores. Tem algo de autobiográfico nisso?
Acho que
aconteceu com todo mundo. Todo mundo tem um desajuste. O ser humano quer
ser reconhecido, protegido, olhado com consideração, amor. Uns são mais
intensos, sofridos, outros mais leves, mas acho que hoje existe uma
tentativa de maior cuidado com o outro. A competição é natural, a
disputa por liderança está em cachorros, mas somos racionais e podemos
tentar ver de um ponto de vista diferente. É natural uma criança querer
ser mais do que outra e fazer isso diminuindo o outro, mas é dever do
adulto oferecer outras alternativas, ver que o problema existe naquele
que quer humilhar. Acho que essa consciência é do adulto.
Sua infância foi feliz?
Foi sim, muito feliz. Tinha todas aquelas mais brincadeiras...
Que qualidades você admira nas crianças de agora? Quais não admira?
A
criança é o resultado de como está sendo educada. Ela ocupa o espaço
que o adulto deixar. Admiro o interesse delas por tudo, suas ideias,
suas observações. Mas muitas vivem com a falta de respeito. E isso não
admiro. Não respeitar professores, colegas, mais velhos. Não admiro
criança folgada, mimada.
E o que você pensa da educação hoje?
Estamos
em um momento de confusão, com novos padrões. A educação saiu de
autoritária e centralizada, da época da ditadura militar, para, com a
guerra, a emancipação da mulher, um modelo democrático. E em todas as
instâncias: governo, família. A tentativa é conciliar a necessidade de
ordem coletiva com liberdade pessoal. Na educação estamos em fase
experimental sobre como equacionar este conflito. A democracia não é um
mar de rosas, requer negociação e os professores têm a missão difícil de
lidar com as crianças livres demais, mimadas pelo capitalismo. Hoje, o
desafio maior é comportamental, de relacionamento, da figura de
autoridade. Os professores são verdadeiros heróis e me alegro de fazer
parte desse time que batalha. O governo parece ser do contra e, em vez
de ajudar, atrapalha. Mas acho que estamos indo bem: existe uma
democracia em construção.
Que conselho você daria aos pais?
Os
pais precisam entender que não há como evitar o sofrimento dos filhos. E
parece que educamos tentando fazer com que a vida deles seja um mar de
rosas, mas ela não é nem vai ser. Com esse sentimento interiorizado,
fica mais fácil entender a importância dos limites.
Qual sua opinião sobre e-books e demais tecnologias?
Eu
acho que a tecnologia faz parte do desenvolvimento. As crianças hoje
são rápidas. A internet funciona nesse mesmo ritmo, uma aceleração
mental de um Come-come. Mas é em detrimento do corpo, que fica menos
presente, mais desconectado. No livro, a leitura tem um ritmo um pouco
mais lento e mais próximo do funcionamento padrão. A questão é física. O
ser humano precisa estar mais integrado em si mesmo. Acho importante
que haja limite na quantidade de tecnologia para o bem do corpo, que foi
feito para relaxar quando o Sol se põe. Com a luz elétrica, o
computador, a internet, perdemos isso. Não é uma questão moral, de ser
contra ou a favor. Acho que o desenvolvimento é útil, mas o limite é
necessário.
Você foi uma criança que gostava de ler?
Eu,
na verdade, tinha hipermetropia, então, não via muito bem. Minha mãe é
que me contava muitas histórias. Hoje, sou uma leitora voraz.
O que você está lendo?
O
homem que ouve cavalos. É uma autobiografia de Monty Roberts, um
encantador de cavalos que ainda está vivo e conta como descobriu seu
método de domar esses animais. Também li o livro adulto da autora de
Harry Potter, J.K. Rowling. Ela é outra grande contadora de histórias.
Gostei muito de Morte súbita.
Você já pensou em escrever um livro adulto?
Acho
que permaneci um pouco infantil e tenho essa afinidade com literatura
infantojuvenil, mas, de vez em quando, escrevo um conto. Quem sabe, um
dia, não vou publicá-los?!
Qual sua atual relação com a Itália?
Tenho
pouquíssimos parentes lá e só vou à Itália de vez em quando, mas tenho
uma ligação com a cultura. Tenho a coisa europeia da transparência, da
honestidade no falar o que pensa. O brasileiro tem essa cultura de
pensar uma coisa e falar outra para não ser deselegante ou grosseiro. E
isso gera uma desconfiança grande nas relações. O europeu, não todos,
claro, tem essa cultura de, por mais que doa, falar a verdade.
Vida e obra
. Eva Furnari é mãe de Cláudia, de 37 anos, e Paulo, de 33, Eva escreve uma média de dois livros por ano.
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Sua incursão pelo universo de autora começou aos 32 anos, quando era
formada em arquitetura e publicava trabalhos como ilustradora.
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Italiana radicada em São Paulo, recebeu prêmios como o da APCA (pelo
Conjunto da Obra, em 1987), o Jabuti (Felpo Filva foi o mais recente, em
2007) e da Fundação do Livro Infantil e Juvenil (recebido nove vezes).
.
Vários textos de Eva Furnari foram adaptados para o teatro, entre eles:
Lolo Barnabé, Pandolfo Bereba, Truks (premiado com o Mambembe de 1994),
Cocô de passarinho e Cacoete.
Boa noite!
ResponderExcluirA razão da minha mensagem se dá pela dificuldade em conseguir algum contato da escritora. Gostaria de lhe fazer um convite. Sou da Rio de Janeiro, educadora e ligada ao Carnaval do Rio, gostaria de convida-la para ser madrinha de um bloco infanto-juvenil.
Desculpe, mas se puder me ajudar agradeço.