sábado, 11 de maio de 2013

Fusão de legendas gera novo partido? [Tendências/debates]

folha de são paulo

THIAGO BOVERIO
TENDÊNCIAS/DEBATES
Fusão de legendas gera novo partido?
NÃO
Novo partido, o sentido próprio da expressão
Além de imprópria, a comparação entre criação de partido genuinamente novo com o evento de fusão de duas ou mais agremiações políticas põe em xeque a fidelidade partidária, reconhecida em memoráveis decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF).
A fidelidade ganhou o aplauso da sociedade, pois cessou o troca-troca desmedido de políticos entre partidos, em desrespeito ao posicionamento do eleitor nas urnas.
É, portanto, necessário ter muita atenção com o desencadeamento de manobras que resultem na fragilização ainda maior do nosso sistema político-partidário.
Aqueles que defendem a comparação o fazem mediante leitura isolada do artigo 29 da Lei dos Partidos, que de fato utiliza a expressão "novo partido" para o resultado do processo de fusão. Mas não estabelece qualquer vinculação daquele evento com a criação de partidos.
Distante disso, a lei dedica capítulo exclusivo para o evento de criação, com os procedimentos que estabelecem o enorme esforço necessário para o surgimento de um partido genuinamente novo: a coleta e certificação de mais de 500 mil assinaturas de apoiamento, a constituição e registro de diretórios num número significativo de Estados e municípios, encerrando-se com a aprovação do estatuto pelo TSE.
Tudo isso sem contar com filiados e recursos do Fundo Partidário, ou seja, sem a estrutura das agremiações existentes.
Já na fusão --que tem capítulo separado na lei--, o que de fato ocorre é a junção de legendas por meio de simples deliberação das respectivas convenções, num procedimento atalhado.
Com efeito, não se pode conceber como genuinamente novo aquilo que a Justiça não considera como tal, na medida em que essa legenda carrega consigo os benefícios e também os ônus pelo descumprimento da lei e outras pendências das agremiações que se unem.
Isso não ocorre com um partido genuinamente novo, que nasce isento de débitos e pendências legais, como também é absolutamente livre para definir seu ideário, desatado das tendências das agremiações anteriores, tal como ocorre nas fusões. Afinal, é impensável a união de partidos com orientações opostas, de correntes adversárias.
Parafraseando o ex-ministro Eros Grau, uma norma não pode ser interpretada em tiras, mas pelo conjunto de dispositivos que a compõem. E, nessa vertente, não nos parece possível chegar à conveniente equiparação do surgimento de um partido pelo procedimento atalhado da fusão --que encerra mera deliberação de seus integrantes-- com o longo processo de criação de um partido político novo, no sentido próprio da expressão.
Cabe ainda lembrar que, em resposta à consulta 755-35, o TSE estabeleceu a possibilidade de transferência de detentores de mandato para o partido recém-criado, mas apenas para aqueles que participaram do processo de constituição da nova agremiação.
Isso posto, cabe indagar: No processo de fusão, quem mais além dos próprios filiados participa do evento? Ninguém.
E a resolução 22.610, editada pelo TSE por ordem do Supremo, indica expressamente a fusão como justa causa de desfiliação, ou seja, os insatisfeitos com a fusão podem buscar outro destino.
A nosso ver, considerar a fusão como porta de entrada para mandatários de outros partidos é dar azo à burla e eventuais negociatas. Em resumo, o enfraquecimento daquilo que o Supremo estabeleceu em nome da moralidade.

    RICARDO PENTEADO
    TENDÊNCIAS/DEBATES
    Fusão de legendas gera novo partido?
    SIM
    Contra o casuísmo, a lei
    Existem duas formas de criação de um novo partido político: originária e derivada.
    A primeira delas tem início com a reunião de 101 cidadãos que subscrevem um mesmo programa ideológico e buscam apoio de aproximadamente meio milhão de eleitores, distribuídos por diversos Estados da Federação segundo critérios fixados em lei.
    A segunda forma de criação partidária, a derivada, se dá pela fusão de dois ou mais partidos existentes, que se agregam para fundar uma nova legenda em torno de um novo programa ideológico e novo estatuto.
    A própria lei diz que, ao optarem pela fusão, os partidos "elegerão o órgão de direção nacional que promoverá o registro do novo partido" (inciso II do § 1º do art. 29 da lei 9.096/95).
    Mais do que isso não é preciso dizer: a fusão resulta indiscutivelmente em novo partido, até porque nesse processo surge uma nova unidade ideológica autônoma e distinta das anteriores, tanto que se elabora novo estatuto e novo programa ideológico.
    Não é demais lembrar, aliás, que o único traço que distingue a fusão da incorporação de partidos políticos é justamente o fato de que da primeira resulta uma nova agremiação, ao passo que na segunda mantém-se o partido incorporador e extingue-se o partido incorporado.
    Basta atentar para a clareza da lei para se verificar que, por decisão dos seus órgãos nacionais, dois ou mais partidos poderão fundir-se num só ou incorporar-se um ao outro, sendo que apenas no primeiro caso são elaborados novos projetos comuns de estatuto e programa, enquanto no segundo caso o partido incorporado extingue-se ao adotar o estatuto e o programa da agremiação incorporadora (§ 1º e 2º do art. 29 da lei 9.096).
    A afirmação de que a fusão partidária não resultaria na criação de um novo partido político constitui não apenas um absurdo jurídico, que contraria a própria lei, como não passa de um sofisma contaminado por interesses políticos casuísticos.
    A razão desse sofisma não é outra senão a tentativa de se afirmar que o partido resultante da fusão não poderia trazer para suas novas trincheiras ideológicas deputados, senadores e vereadores que migrem de outros partidos --especialmente daqueles que apoiam o governo.
    Sustentam esses interesses políticos que a fusão e incorporação constituiriam exclusivamente porta de saída para os filiados às agremiações envolvidas e não porta de entrada para os filiados a outros partidos.
    Ocorre que a resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que regulamentou esse tema diz, com todas as letras, que é lícita a migração de mandatários políticos para um novo partido (inciso II do § 1º do art. 1º da resolução 22.610) e, assim sendo, não é possível sustentar a ideia torta de que o partido fundado por meio da fusão não poderia receber migrantes de outras legendas.
    O fato é que a fusão partidária tanto abre a porta de saída aos filiados que possam não concordar com o novo dogma ideológico como abre a porta de entrada para todos aqueles que se identifiquem com essa ideologia nova que se consolida no partido recém-criado.
    O essencial é que não existe razão lógica para que se trate de modo diferente a migração de mandatários para uma nova legenda, quer tenha ela nascido pela forma originária, quer resulte da fundação derivada. Nos dois casos tem-se um novo partido, com novo estatuto e novo programa, sendo certo que os mandatários que a elas se filiam em migração se igualam sob o mesmo tratamento legal, pouco importa se apoiam ou opõem-se ao governo.

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