Estado de Minas - 11/05/2013
O Ministério da Educação (MEC) colocou
no ar, nas últimas semanas, uma peça publicitária para divulgação da
Lei de Cotas. Essa lei faz parte de um conjunto de ações afirmativas
para criar melhores condições de acesso de estudantes oriundos das
escolas públicas às universidades e aos institutos federais.
Na
propaganda, um jovem negro fala de sua origem trabalhadora, afirma que
sempre estudou em escolas públicas e que, também por ser negro, pode se
beneficiar da lei para estudar numa ótima universidade pública do país.
Lembra, ainda, que está fazendo o que gosta e que sabe que sairá da
universidade com uma ótima qualificação para o mercado de trabalho ou
para a carreira acadêmica.
A peça publicitária tem vários
méritos: mostra uma visão positiva da escola pública; traz para um
público mais amplo a informação sobre essa importante política de ação
afirmativa; ajuda a tornar o sonho de entrar numa boa universidade
pública algo que pode ser compartilhado por milhões de jovens que,
certamente, se identificarão com o estudante que nela aparece, entre
outros.
No entanto, ao fechar a propaganda, ouve-se uma narradora
dizendo: “O direito à educação é de todos. O mérito é sempre seu!”.
Essa afirmação é desastrosa. Ela, na verdade, vai em sentido contrário
daquilo que justifica e fundamenta a própria lei.
Em primeiro
lugar, ao afirmar que “o mérito é todo seu”, a peça publicitária
desconsidera que, quando um aluno pobre e negro chega à universidade, o
mérito nunca é todo dele. Todas as pesquisas mostram que para que isso
ocorra é necessário o apoio e a solidariedade de um conjunto muito
grande de pessoas, que vai da família, passa pelos amigos e, não
raramente, envolve fortemente os professores da escola básica.
Praticamente todos os analistas e ativistas sociais que lidam com a
educação sabem a importância dessa ampla rede para o sucesso escolar dos
alunos pobres que frequentam a escola pública.
Mas não é apenas
por afirmar o mérito individual do aluno que a peça presta um
desserviço à causa mais ampla da qual a Lei de Cotas participa, que é a
da construção de condições sociais menos desiguais de acesso aos bens
públicos para o conjunto da população. Ao acentuar que “o mérito é
sempre seu”, a propaganda também afirma que, se há milhões de jovens que
não conseguem uma vaga na universidade pública, é porque eles… não têm
mérito, é óbvio! Ou seja, novamente reduz uma questão social e coletiva a
um problema de mérito individual.
Sabemos que o que justifica e
fundamenta a Lei de Cotas é justamente o fato de que não basta o talento
pessoal do aluno. Ou seja, ela é justificada pelo fato de que os alunos
das escolas públicas, notadamente os negros, mesmo tendo grande
talento, mesmo tendo muitos méritos, não conseguem vencer as
adversidades sociais, econômicas, sociais e, mesmo, escolares que lhes
obstruem o acesso às universidade públicas. Uma vez beneficiados pelas
ações afirmativas, como a Lei de Cotas, por exemplo, para entrar nas
universidades, tais alunos demonstram que têm mérito suficiente para
alcançar rendimento igual ou melhor que os demais alunos, como
demonstram as recentes pesquisas amplamente divulgadas sobre o assunto.
Política autoritária
Há
que se perguntar, pois, como o MEC coloca no ar uma peça publicitária
que é, na verdade, uma antipropaganda da causa que ela pretende apoiar.
Minha hipótese é a de que há entre nossas elites, inclusive em parte
daquela que hoje ocupa o ministério, uma cultura política autoritária,
travestida de meritocrática, que desconsidera que em um país tão
desigual e marcado por favorecimentos os mais diversos como o nosso o
mérito pessoal é, muitas vezes, o que menos conta, sobretudo no que se
refere à escolarização.
Por isso mesmo, o MEC parece ter
incorporado a Lei de Cotas, mas não parece ter incorporado a profunda
crítica à sociedade brasileira que dá substância e justifica essa mesma
legislação. Sem levar em conta essa críticas, as políticas do MEC podem,
todavia, transformar uma política de ação afirmativa, como a Lei de
Cotas, em uma política paliativa como tantas outras que já vimos neste
país.
. Luciano Mendes de Faria Filho é professor da UFMG e coordenador do Projeto Pensar a educação, pensar o Brasil – 1822/2022.
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