sábado, 11 de maio de 2013

Escritor esmiúça intimidades da família - Raquel Cozer

folha de são paulo

Norueguês Karl Ove Knausgard, que vem para a Flip, causou escândalo e encantou crítica com "Minha Luta"
Sua autobiografia romanceada em seis volumes fez com que ele fosse ameaçado de processo por familiares
DA COLUNISTA DA FOLHAO mais ambicioso projeto literário do norueguês Karl Ove Knausgard, 44, o transformou, em 2009, numa espécie de celebridade de "Big Brother", com canais de TV locais esmiuçando sua vida em entrevistas com quem quer que o conhecesse.
Isso já seria incomum o suficiente se levássemos em conta que Knausgard (pronuncia-se "quenausgorde") era, àquela altura, muito mais um autor elogiado pela crítica do que frequentador das listas de mais vendidos.
Mas muito mais estranho que isso é saber que o tal projeto, que acabou por vender 500 mil exemplares --num país de 5 milhões de habitantes--, tratava-se de uma caudalosa autobiografia romanceada de 3.500 páginas em seis volumes, à moda de "Em Busca do Tempo Perdido", do francês Marcel Proust.
A razão do sucesso de público, é claro, foi muito mais o fator "big brotheriano" que a qualidade da narrativa, esta reconhecida por críticos celebrados como James Wood, autor de "Como Funciona a Ficção" (Cosac Naify).
A questão foi que, nos seis volumes de "Minha Luta", Knausgard não poupou ninguém que conhecesse. Nem mesmo (ou principalmente) seu pai, morto em 1998, vítima do alcoolismo, e a avó paterna, cuja demência senil e incontinência urinária nos últimos anos de vida ele descreve com riqueza de detalhes.
CONCESSÕES
"A Morte do Pai", o primeiro dos seis livros, que chega em breve às livrarias do país pela Companhia das Letras, fez com que metade da família de Knausgard tentasse impedir a publicação da obra e cortasse relações com ele.
O autor, confirmado no time internacional que participa da próxima Festa Literária Internacional de Paraty, em julho, fez só algumas poucas concessões --trocou nomes de familiares e cortou uma cena do segundo livro que incomodara sua mulher.
Mostra-se dividido sobre como lida com as consequências do projeto do qual mais se orgulha literariamente. Mas diz que ninguém poderia lhe tirar o direito de contar uma história que era sua.
"Tive a chance de não ir em frente, já que minha família conheceu o conteúdo antes. Publicar o livro seria como dizer a eles minha literatura é mais importante que suas vidas', o que não é certo. Por outro lado, quem teria o direito de me impedir de escrever sobre minha relação com o meu pai?", argumenta.
RELAÇÃO
O pai de Knausgard morreu em 1998, no verão em que o autor publicava seu primeiro e elogiado romance, "Ute av Verden" (Fora do Mundo).
As lembranças turbulentas que tinha da relação com o pai logo o fizeram perceber que a história que queria contar num livro, na realidade, era sua história com o pai, figura enigmática cujo declínio ele acompanhou aos poucos, enquanto se preocupava mais com típicos dilemas juvenis, como a descoberta da maturidade sexual.
Mas foi só quando completou 40 anos, idade com que o pai morreu, que Knausgard se sentiu confiante para escrever. "Eu me senti mais identificado com ele. Já era pai e tinha atribulações como ele. Mas, em vez de me destruir com o alcoolismo, como ele fez, usei a literatura"
O fato é que ninguém pode acusar Karl Ove Knausgard de não gostar de uma polêmica. Não bastasse a abordagem dos livros, resolveu batizar o conjunto com o nome nada inocente de "Minha Luta", título que remete às memórias de Adolf Hitler.
"O título tem a ver com a vida de todo mundo, viver é uma luta. Mas é claro que foi uma provocação. Meu editor não queria aceitar de jeito nenhum, mas bati o pé", diz.
Mas a provocação dentro dos livros era tanta que até que não pegaram no pé dele por causa disso.

    RAIO X - KARL OVE KNAUSGARD
    ORIGEM
    Nasceu em Oslo, na Noruega, em 6 de dezembro de 1968
    FORMAÇÃO
    História da arte e literatura na Universidade de Bergen
    CARREIRA
    Estreou com "Ute av Verten" (1998); virou best-seller com "Minha Luta" (2009-2011)

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