Realidades imaginárias
SÃO PAULO - Percebo um indisfarçável tom ufanista nos comentários sobre a eleição do brasileiro Roberto Azevêdo para comandar a Organização Mundial do Comércio (OMC). Não conheço Azevêdo, mas, pelo que li, parece ser uma pessoa muito preparada para o cargo. Só que o candidato mexicano também era. Por que preferimos quase automaticamente a vitória de um compatriota à de um estrangeiro?Objetivamente, o chinês que eu jamais vi deveria valer para mim tanto quanto o amazonense ou mesmo o sujeito que mora a três quadras da minha casa que eu também não conheço. É verdade que, com os dois últimos, eu compartilho ao menos o idioma. Mas, se o que define preferências é ter coisas em comum, o profissional liberal de classe média alta de São Paulo provavelmente está mais próximo de seu homólogo nova-iorquino ou parisiense do que do pescador brasileiro que vive numa palafita em Manaus.
O, vá lá, nacionalismo que está na origem da nossa torcida por Azevêdo é uma força ao mesmo tempo muito mais sutil e poderosa, que faz parte da categoria das realidades imaginárias, ao lado de instituições como o dinheiro, direitos humanos etc. Não é que essas coisas sejam uma fraude. O ponto é que só existem em nossas imaginações e só têm força porque a maioria de nós crê nelas. Cerca de 90% do dinheiro em circulação não corresponde nem sequer a uma cédula de papel colorido, não passando de registros de crédito e débito na tela de computadores. Não obstante sua virtual imaterialidade, tais abstrações intersubjetivas são perfeitamente capazes de ditar o rumo de nossas vidas e nos levar a guerras.
Como observa o historiador Yuval Harari, as realidades imaginadas, que surgiram ou pelo menos ganharam sofisticação com o advento da linguagem, é que deram à cultura humana uma força que ela não tem em nenhuma outra espécie. Foram elas que nos libertaram da biologia.
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