Bangladesh e nós
O desmoronamento duas semanas atrás do edifício que abrigava cinco oficinas têxteis em Savar continua a secretar números horripilantes. Até ontem, a macabra contabilidade passava das mil mortes. Marcas famosas estão sob pressão para rever as compras de Bangladesh, um dos principais fornecedores de roupas no planeta.
O que isso tem a ver com a gente? Tudo. Além da evidente solidariedade humana, na semana passada foi noticiado que o Brasil teve em abril o pior saldo da balança comercial desde 2001. Isto é, importamos US$ 1 bilhão a mais do que exportamos. Poucos dias depois, o ex-ministro Delfim Netto mostrava neste espaço como no último biênio o crescimento do consumo interno não foi acompanhado do aumento de produção industrial. Entre 2010 e 2012, enquanto o varejo vendeu 27% extra, a indústria brasileira só cresceu 5%.
Adivinhem de onde estamos comprando a diferença? Ganha um doce de arroz quem citou Bangladesh. Claro que a nação asiática vitimada pela insanidade da cobiça não está sozinha na lista dos fabricantes de bens que consumimos. O articulista cita, entre outros, a China e o México.
O que essas nações têm que nós não temos? Simples. O salário mínimo brasileiro foi acrescido em 70% reais, ou seja, quase dobrou na última década. Com pleno emprego, a imensa maioria dos acordos coletivos tem garantido, por sua vez, ganhos acima da inflação aos empregados. Em suma, o custo de produzir aqui ficou, por bons motivos, maior.
Além disso, como o Brasil tem uma legislação trabalhista séria e os sindicatos dispõem de ampla liberdade, há certo perigo em burlar a lei, como ficou claro em março, quando a fiscalização resgatou bolivianos submetidos à semiescravidão em São Paulo. Não por acidente, certas etiquetas encontradas nas ruínas de Savar foram mencionadas no caso paulistano.
Os escombros de Bangladesh mostram não apenas a precariedade a que estão submetidos os bengalis. Revelam um verdadeiro sistema de produção, em geral bem escondido por trás do brilho das vitrines da moda. As grifes contratam terceirizadas que, atuando em lugares em que a mão de obra está privada de direitos, lhes fornecem pe- ças por um preço que equivale a cerca de 20% do que custaria nos EUA.
Mais dia menos dia, o Brasil terá que escolher o tipo de país que deseja ser. Flexibilizar a CLT, aumentar a terceirização, manter a enorme rotatividade atual no emprego e diminuir os salários pode resolver o problema da balança comercial. Mas, se quiser constituir-se numa sociedade digna, terá que descobrir caminho alternativo para enfrentar as agruras de um capitalismo internacional pra lá de selvagem.
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