Expectativa no Paquistão
O Paquistão realiza hoje uma eleição vital para sua frágil democracia parlamentar. Se não houver imprevistos, será a primeira vez, desde a independência do país em 1947, que ocorrerá transmissão de poder entre dois governos eleitos.No entanto, não são poucas as ameaças à transição democrática. Violentos ataques, reivindicados pelo Taleban local, deixaram um saldo de pelo menos 110 mortos durante o período eleitoral.
No último dia de campanha oficial, Ali Haider Gilani, filho do ex-premiê Yousaf Gilani (2008-2012) e candidato a deputado provincial pelo Partido Popular, foi sequestrado enquanto participava de um comício na cidade de Multan. Dois seguranças morreram no episódio.
Yousaf Gilani --apeado do poder por decisão da Suprema Corte-- não disputa a eleição, mas busca votos para três filhos e um irmão. Multan, sua base eleitoral e quinta cidade mais populosa, recebeu expressivos investimentos públicos nos últimos anos.
Não surpreende que o ex-jogador de críquete Imran Khan, maior ídolo esportivo paquistanês, surja como a novidade do pleito com seu Movimento por Justiça. Os ataques ao clientelismo e à corrupção dos dois principais partidos (Liga Muçulmana do Paquistão e Partido Popular) e as críticas à "guerra dos EUA" ao terrorismo atraem milhões de simpatizantes.
Khan ainda ganhou um impulso inesperado na terça-feira, quando o palanque em que estava desabou por acidente. A imagem do candidato sendo carregado coberto de sangue gerou uma onda de simpatia por todo o país.
Pesquisa recente põe o partido de Khan em segundo lugar, atrás da Liga Muçulmana do ex-premiê Nawaz Sharif, deposto em 1999 num golpe de Estado. Como Khan, Sharif é visto por observadores internacionais como pouco propenso a uma ação agressiva contra o Taleban, que também age no conflagrado vizinho Afeganistão.
Com a ascensão do ídolo do esporte, torna-se difícil para qualquer partido obter vitória expressiva e formar uma coalizão forte, com ao menos 172 assentos no Parlamento. Pelo sistema paquistanês, serão eleitos diretamente 272 candidatos; as outras 70 cadeiras da Assembleia Nacional são distribuídas, em sua maioria, a mulheres e minorias não muçulmanas.
Fragmentada e acuada pela violência, a classe política paquistanesa precisará se esforçar não só para confirmar a pioneira transferência democrática do poder, mas, sobretudo, para estabilizar uma nação conturbada numa área decisiva para a paz mundial.
EDITORIAIS
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Crises e crises
Num clima de omissão e casuísmo permanentes, conflitos entre Judiciário e Legislativo se esvaem antes de produzir dano institucional
A fotografia no jornal não deixava margem para muitas dúvidas. Num dia ensolarado, trocavam sorrisos descontraídos o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), e o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).Tinha-se, no registro de mais um encontro entre autoridades do Legislativo e do Judiciário, notícia dos esforços mútuos de debelar o desentendimento, aberto em vários pontos, entre os dois Poderes.
Foi assim com a liminar concedida por Mendes, barrando a tramitação de um projeto de lei que impunha dificuldades à criação de novos partidos. No óbvio interesse de diminuir as chances de um segundo turno em 2014, governistas deliberaram que futuras agremiações terão reduzido ao mínimo seu acesso ao fundo partidário e ao horário eleitoral gratuito.
O projeto teria ainda de passar pelo Senado. Como aceitar, perguntam os representantes máximos do Legislativo, que a constitucionalidade de uma peça não aprovada venha a ser, desde já, contestada por um membro do Supremo?
A liminar representaria uma intromissão indevida nos procedimentos internos de um Poder independente. Haverá, de todo modo, de ser avaliada pelo plenário do STF em breve --o que dirimirá, certamente, a controvérsia.
Seja como for, do episódio não sai ilesa a credibilidade do Legislativo --mesmo que esse Poder se apresente como a parte ofendida no momento. E não apenas pelo óbvio casuísmo que fundamenta a decisão contra novos partidos.
Como notado em reportagem recente do jornal "O Estado de S. Paulo", durante as investigações do mensalão coube a parlamentares do PSDB e do DEM o protesto contra decisões do mesmo gênero no STF, que, tomadas monocraticamente, asseguraram a manutenção do sigilo bancário e telefônico de alguns acusados no escândalo.
Seria melhor, argumentavam na época, que liminares só pudessem ser concedidas pelo plenário da corte. É o que defende, hoje, Marco Maia, ex-presidente da Câmara, ao ver interesses de seu partido, o PT, atingidos pela mesma prática que os atendera há alguns anos.
Opinando erraticamente, legislando de forma intermitente, omitindo-se em inúmeras questões, congressistas reclamam de interferências do Judiciário. Este, quando não tarda, supre, com novas incertezas e virtuais atos legislativos, a omissão da Câmara e do Senado.
O admirável é que os conflitos não sejam até mais profundos do que acontece --e que, por cima de uma crise maior, as pequenas "crises" de que se tem notícia acabem se dissolvendo entre sorrisos.
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