sábado, 30 de março de 2013

CIÊNCIA » O segredo dos pinguins-Carolina Cotta‏

Pesquisa analisa o papel das mitocôndrias no controle da temperatura. Resposta pode estar nas aves longevas que vivem no frio extremo 


Carolina Cotta

Estado de Minas: 30/03/2013 

O que pinguins e homens podem ter em comum? Se uma hipótese for confirmada, as aves serão a chave para a compreensão da regulação da temperatura corporal e algo ainda maior: a longevidade da espécie humana. Hoje, a hipertermia, a elevação da temperatura do corpo a níveis capazes de comprometer ou colapsar o metabolismo, é a principal causa de morte entre atletas de alta performance. Interessado na melhor compreensão desse mecanismo de regulação, o patologista neuromuscular Beny Schmidt, chefe do Laboratório de Patologia Neuromuscular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), acaba de voltar da Antártida, onde foi coletar material de pesquisa em pinguins.
A investigação consite em um estudo genético e outro morfológico. No primeiro, será sequenciado o DNA das mitocôndrias dos pinguins antárticos reis (pinguim-imperador), estudando todos os seus 37 genes mitocondriais. Já o estudo morfológico vai se concentrar na análise do músculo esquelético das aves, que corresponde ao nosso músculo lateral da coxa. Beny já fez mais de 11 mil biópsias musculares na Escola Paulista de Medicina. A experiência e conhecimento acumulados em tantos anos, somados à literatura disponível, levaram o pesquisador à conclusão de que as mitocôndrias são fundamentais tanto na regulação da temperatura como nos distúrbios de controle da temperatura.
Um exemplo é a hipertermia maligna, doença desencadeada por uma miopatia –  doença muscular primária. Esses pacientes, quando tomam alguns derivados especiais de anestésicos, no caso de uma cirurgia, desenvolvem, por puro desconhecimento da doença, uma febre fatal. A biópsia muscular dessas pessoas com sensibilidade à hipertermia maligna revela uma considerável proliferação mitocondrial. Segundo o pesquisador, esse é outro dado que aponta a mitocôndriafuncionando como relógio ou fator importante do controle da temperatura dos seres vivos, daí o interesse em compreender sua morfologia. Pesquisas anteriores já se dedicaram a compreender esse funcionamento em humanos – e em falcões, garças e patos, que também serão comparados por serem da mesma linha evolutiva – mas o estudo em pinguins é inédito.
“Como os pinguins são aves que toleram variações imensas de temperatura – existem alguns que vivem a 30 graus acima de zero e outros a 40 graus abaixo de zero –, provavelmente eles têm algum gene, ou genes, que formam proteínas capazes de permitir que suportem tamanha variação de temperatura. A penugem por si só não explica essa adaptação.”

ELES VIVEM MAIS DE 40 ANOS Os pinguins intrigam pela longevidade. Essas aves podem viver mais de 40 anos, enquanto uma pomba vive no máximo dois. Outro dado de relevância científica é o fato de terem sobrevivido à extinção dos dinossauros. “São aves especiais. Eles não são apenas charmosos aos nossos olhos, mas carregam um segredo, motivo da viagem à Antártida para essa coleta de dados”, acrescenta Schmidt.
De acordo com o professor, o DNA mitocontrial dos pinguins nunca foi sequenciado. O sangue coletado já está em laboratório especializado para o sequenciamento dos genes mitocondriais. O estudo genético será feito por um sequenciador físico de última geração, que adota um chip e é capaz de reunir mais informação. Trará dados inéditos para a ciência. Com o sequenciamento do DNA mitocondrial concluído, os pesquisadores vão comparar base por base com o DNA das outras aves que compõem o estudo e também com o humano, ambos já descritos na literatura.

EXPEDIÇÃO Beny viajou à Antártida no início de março com uma equipe de seis pessoas. Foram oito dias de viagens de avião, duas de navio e quatro de bote. “Viajei seis dias para trabalhar uma hora”, conta o pesquisador, que considera ter tido sucesso devido às condições climáticas desfavoráveis. Cinco pinguins compõem a amostra. Foi coletado sangue e uma pequena porção muscular. A técnica usada foi uma biópsia muscular que leva o nome do pesquisador, que a descreveu em 1988. “Trata-se de um pique na pele e na fáscia, o tecido conjuntivo que reveste a carne. Coleto um pequeno pedaço, dou um ponto e acabou.”
O momento foi escolhido por ser o período de troca de penugem dos pinguins, o que facilitaria a biópsia. O projeto levou oito meses para ser desenhado. Era preciso ter tudo planejado para obter sucesso em tão pouco tempo no hábitat da espécie. O professor sabia que as condições climáticas seriam definidoras do sucesso da expedição. No continente, está-se sujeito a todo tipo de intempérie. É uma amostra pequena, mas que ele espera ser suficiente. Caso contrário, será necessário retornar. “Não se pode invadir a Antártida se não se tem algo importante para fazer. Acho um absurdo o continente receber humoristas para gravar programas com os pinguins. Isso é uma agressão à natureza. É um lugar ainda não devastado e, por isso, os cientistas precisam ter a certeza de que estão fazendo um trabalho de peso”, pontua.

Entrevista
Juliana Gurgel Giannetti - Pós-doutora em doenças mitocondriais pela Columbia University e professora da Faculdade de Medicina da UFMG


Doenças mitocondriais


Segundo a pós-doutora em doenças mitocondriais e professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais Juliana Gurgel Giannetti, na década de 1970, um maior conhecimento sobre as enzimas e proteínas intramitocondriais permitiu a identificação das doenças mitocondriais. A partir de 1980, foram identificadas mutações no DNA mitocondrial como defeito primário de várias doenças mitocondriais. Em 1995, foi descrito o primeiro defeito no DNA nuclear, levando à disfunção da cadeia respiratória. “A mitocôndria é a única organela com seu próprio DNA, com apenas 37 genes, de forma que a maioria das proteínas e enzimas envolvidas no funcionamento da mitocôndria é codificada pelo DNA nuclear. Sua compreensão, portanto, é de extrema importância para o manejo de pacientes com doenças mitocondriais.”


O que alterações nas mitocôndrias podem desencadear?
Podem levar a um déficit energético em que os órgãos que necessitam de maior energia para seu funcionamento – músculo, coração e sistema nervoso – sofrem mais. Por estar presentes em todos os tecidos do corpo, as doenças mitocondriais têm caráter multissistêmico.

O que caracteriza a doença?

Deve-se suspeitar de doença mitocondrial quando há comprometimento de vários órgãos ou tecidos e um curso progressivo. Sabe-se que as doenças mitocondriais consistem de defeitos no funcionamento da cadeia respiratória decorrentes de mutações ou deleções no DNA mitocondrial ou nuclear. Em consequência, surgem sintomas em qualquer órgão ou tecido, em qualquer idade e com diferentes padrões de herança (materna, autossômica recessiva ou dominante). Estima-se que as doenças mitocondriais afetem pelo menos um em cada 5 mil indivíduos, com altas taxas de morbidade e mortalidade.

Como o conhecimento genético pode contribuir para a compreensão das doenças mitocondriais?
O reconhecimento dessas doenças permite prever potenciais complicações, além de definir o prognóstico do paciente. Também é importante estabelecer a forma de herança em cada caso, permitindo um aconselhamento genético mais preciso.

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