CRÍTICA ROMANCE
Em "1Q84 - Livro 2", Murakami só extrai do leitor óbvias reações de concordância
JOCA REINERS TERRONESPECIAL PARA A FOLHAComparado a Kafka e a García Márquez, Haruki Murakami tem mais a ver consigo mesmo, ou pior, seus livros mais recentes (incluindo a trilogia "1Q84", cuja segunda parte acaba de ser lançada) soam como repetição capenga de anteriores, como "A Crônica do Pássaro que Dá Corda ao Mundo", inédito no Brasil.Nesses romances, o autor japonês criou sua mistura de ficção científica, policial "hard-boiled" e conto açucarado de banca de jornal.
Com um método narrativo baseado em repetição, enigmas e algum erotismo, Murakami reinventa o "ethos" do folhetim clássico: heróis a combaterem o poder oculto e seitas secretas que governam o mundo.
Outra característica da ação folhetinesca, porém, é o achatamento moral de personagens maniqueístas, e tal bidimensionalidade se estende a vários aspectos pessoais desses tipos heroicos.
O esquema "decimonônico" do seriado periódico se adaptou contemporaneamente aos quadrinhos do "Superman" e outros fantasiados (exceção feita aos "Watchmen", de Alan Moore, que tornou mais complexa a conformação simplista do caráter).
Mas certamente não cai bem na obra de um autor lembrado com frequência para ganhar o Nobel de literatura -ao menos pelo marketing das editoras-, por motivo básico: o que Murakami faz não é literatura.
Em "1Q84", Tengo é um jovem professor de matemática contratado para reescrever o romance de Fukaeri, adolescente disléxica cuja relação com a seita religiosa Sakigake, liderada por um estuprador de crianças, é nebulosa.
Tengo, embora tenha aceitado a tarefa de ghost-writer, é incorruptível. Aomame, a heroína, é dotada atleta e professora de ginástica, contratada para assassinar homens que maltratam mulheres.
Ambos se envolveram platonicamente na infância, quando Tengo a protegeu da sanha de colegas maldosos. Nunca mais se viram, porém ainda alimentam um amor idealizado. Tendo por base tais elementos, Murakami extrai do leitor apenas óbvias reações de concordância e expectativa satisfeita.
A suspensão hábil da satisfação iminente conduz a leitura ao longo da trama estapafúrdia de homúnculos, cidades habitadas somente por gatos e tramas românticas dignas de novelas mexicanas, do tipo "mãe-abandona-o-pai-que-cria-o-filho-de-outro".
Mesmerizado, o leitor diante da página não aprende coisa alguma, assim como os personagens, que não se transformam (a não ser por meio de cirurgias plásticas ou magia), enfim não ganha nada.
E ponto inegociável é que a verdadeira literatura deve ser crime que recompensa, não mero entretenimento.
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