Estado de Minas - 30/03/2013
Uma
grande distância separa o discurso da prática ambientalmente correta
entre as empresas brasileiras. A constatação veio de pesquisa realizada
pela Fundação Dom Cabral junto a 172 empresas dos mais variados portes. O
estudo apontou que elas estão no que os pesquisadores consideram como
sendo o segundo estágio do desenvolvimento ambiental, o que vai pouco
além do cumprimento da legislação. O coordenador do estudo, Rafael
Tello, aponta quais são os problemas constatados e sugere medidas para
serem colocadas em prática a fim de que se passe para um novo patamar de
sustentabilidade.
A promoção de um desenvolvimento sustentável
no Brasil traz desafios complexos e as empresas precisam estar
preparadas para lidar com eles, e com competência para gerar resultados
ambientais, econômicos e sociais positivos. Estas estarão aptas a
permanecer no mercado e contribuir efetivamente para o desenvolvimento
sustentável.
Mas quais empresas estão, de fato, neste estágio
avançado de gestão da sustentabilidade? Motivada por esses
questionamentos, a pesquisa Estágio da Sustentabilidade das Empresas
Brasileiras, realizada em 2012 pelo Núcleo Petrobras de Sustentabilidade
da Fundação Dom Cabral, buscou observar o grau de preparação das
empresas para atuarem de modo sustentável.
A pesquisa coletou 172
respostas de empresas de todos os portes, presentes em todo o país, por
profissionais de diferentes funções. Porém, houve predominância de
respostas de grandes empresas, de organizações da Região Sudeste e de
diretores e gerentes como respondentes.
Como já foi dito, a
pesquisa avaliou o estágio de desenvolvimento da sustentabilidade
corporativa das empresas brasileiras, e como elas estão preparadas (ou
não) para atender às demandas de seus diferentes stakeholders
(públicos). Os resultados nos permitiram observar as competências
desenvolvidas pelas organizações para atuar conforme as premissas da
sustentabilidade. Desta forma, o estudo colabora com o processo de
desenvolvimento sustentável, indicando caminhos a serem trilhados pelas
corporações para que possam evoluir continuamente no seu processo de
aprendizado.
Na metodologia, foram definidos cinco estágios de
sustentabilidade em que as empresas podem ser classificadas. O nível
ideal é o cinco, no qual a sustentabilidade é o negócio da empresa e
provoca a mudança no mercado. Na outra ponta, no nível primário, 1,
estão as empresas que se limitam ao cumprimento da legislação. Para
realizar a classificação das empresas nesses estágios, foram
consideradas as seguintes dimensões de análise: conceito de
sustentabilidade, intenção estratégica, liderança, estrutura, capacidade
de resposta, relacionamento com stakeholders e transparência.
As
dimensões mais avançadas nas empresas, segundo a pesquisa, foram o
conceito de sustentabilidade adotado e a estruturação interna da
sustentabilidade. O primeiro indica que, para gerar resultados positivos
no médio e longo prazo, as empresas precisam levar em consideração as
demandas de seus stakeholders, ao operar de forma inclusiva e com ética,
buscando também diminuir seus impactos ambientais negativos. Na outra
dimensão, de estruturação interna da sustentabilidade, a maioria das
empresas afirma que a busca pela sustentabilidade é parte de suas
políticas, planejamento estratégico e programas de capacitação. Mais de
dois terços das respostas indicaram a existência de pessoas ou equipes
responsáveis pelo tema.
Nas dimensões restantes, as empresas
ainda se encontram em estágios inferiores, revelando que ainda é preciso
avançar na incorporação da sustentabilidade em seus negócios.
A
pesquisa observou, por exemplo, como as lideranças das empresas se
posicionam frente à promoção da sustentabilidade, uma vez que seu apoio é
fundamental para a eficácia e a eficiência das iniciativas internas
direcionadas ao tema. Metade das empresas não conta com o apoio da
liderança (CEO ou conselho) às suas iniciativas, o que indica que ainda
há um longo caminho a ser percorrido para o pleno desenvolvimento da
sustentabilidade corporativa no Brasil.
Na avaliação da
estratégia das empresas frente à sustentabilidade, a pesquisa indica que
ela é motivada pela possibilidade de ganhos de reputação e imagem,
atendimento das expectativas dos clientes e obtenção de vantagens
competitivas. Ela é executada principalmente por meio da oferta de
produtos e serviços sustentáveis, especialmente visando à maior
eficiência energética.
Na área da transparência, cerca de 60% das
empresas já reportam suas iniciativas de sustentabilidade. No entanto, o
percentual cai quando se trata de mensuração de impactos
socioambientais das atividades corporativas e dos programas específicos,
o que compromete a quantidade e a qualidade dos dados apontados nos
seus relatórios de sustentabilidade.
Na dimensão Capacidade de
resposta, mais de 66% das empresas confirmaram ter metas e objetivos
relacionados à responsabilidade ambiental, a produtos e serviços
sustentáveis e à educação de colaboradores. No entanto, 51% dos
respondentes não souberam indicar iniciativas priorizadas pela empresa
em 2011. Os respondentes também defendem fortemente maior presença
corporativa no debate público sobre temas como mudanças climáticas e
desigualdade social.
Na avaliação das Relações com stakeholders,
aproximadamente metade das empresas atua em parceria com clientes, ONGs e
governo, indicando relações construtivas com estes stakeholders.
Destacaram-se ações de apoio ao desenvolvimento das comunidades, por
meio de contratação e capacitação de habitantes locais, e a oferta de
seguro saúde e de capacitação para desenvolvimento profissional.
Em
linhas gerais, a conclusão é de que as organizações brasileiras se
encontram no segundo estágio de sustentabilidade – estágio engajado –,
no qual já há a preocupação de ir além do cumprimento da legislação,
buscando reduzir os impactos negativos de suas atividades e tendo no
horizonte a melhoria de reputação. No entanto, ainda são muitos os
dilemas, elencados a seguir, que impedem as empresas de passarem para
estágios mais avançados de sustentabilidade.
Embora haja por
parte das empresas o reconhecimento de que a sustentabilidade implica o
desempenho em diferentes campos para diferentes atores, ainda falta
equilíbrio na importância dada ao tema pelos executivos. Ao tratarmos de
sustentabilidade, observamos um viés para o ambiente, comunidades
vizinhas e capacitação de colaboradores. Temas relevantes, como a
promoção de diversidade e remuneração, são pouco ou raramente tratados. E
atores importantes, como acionistas e investidores, têm baixa
relevância relativa frente a outros grupos, uma vez que o atendimento de
suas necessidades ficou em 11º lugar, entre os 14 componentes do
conceito de sustentabilidade.
Vale ressaltar a clara
discrepância entre o discurso e a ação de sustentabilidade das empresas.
Há o entendimento do que ela representa, mas 87% dos respondentes
concordam que as empresas que divulgam ações de sustentabilidade não
estão realmente comprometidas com o tema.
Outra evidência
interessante se verifica nas respostas sobre a motivação para a
sustentabilidade. Segundo os respondentes, atuar de forma sustentável é
esperado pela sociedade (84%) e traz resultados positivos para a empresa
(77%). Contudo, poucos concordam que o tema é mais importante em tempos
de crise (46%) e que ele deve ser completamente voluntário (31%).
Apesar
de as empresas apresentarem objetivos corporativos de sustentabilidade e
possuírem profissionais para cuidarem do tema, ainda são incipientes as
metas para equipes e profissionais. Sem o desdobramento adequado dos
objetivos corporativos para os colaboradores não há engajamento, nem
compromisso, nem motivação. Isso pode levar à situação na qual a única
pessoa responsabilizada por mau desempenho é justamente o profissional
da sustentabilidade, sem questionamento de quanto apoio interno ele
teve.
A pesquisa mostra que por essas razões, apesar de o país
contar com referências mundiais em sustentabilidade, na média, as
empresas ainda se encontram em um estágio imediatamente superior à
simples busca por cumprimento da legislação. As empresas chegaram nesse
segundo estágio devido à pressão da sociedade e de governos, à
existência de empresas que são referência em sustentabilidade no mercado
e devido aos profissionais conscientes nas organizações sobre a
importância do tema.
Os principais desafios para o avanço da
sustentabilidade, apontados na pesquisa, são a maior integração entre
ações internas, melhor atendimento das demandas socioambientais e
integração do tema na estratégia corporativa. Para superar os desafios,
as empresas devem investir em gestão, coordenar ações e alinhá-las ao
negócio.
Para terem apoio da liderança, as iniciativas de
sustentabilidade precisam gerar resultados econômicos, de preferência
com taxas de retorno superiores às de investimentos em outras áreas.
Para engajamento e integração dos profissionais frente à
sustentabilidade, é preciso que os objetivos corporativos sejam
desdobrados para as diferentes áreas, com definição de prioridades
conforme capacidade de contribuição para o resultado corporativo.
Se
a sustentabilidade for vista como potencial fonte de vantagens
competitivas e sua gestão for profissional, as empresas tendem a
alcançar estágios mais avançados de sustentabilidade. Neles, terão maior
capacidade de desenvolver produtos, serviços e até modelos de negócio,
ganhando competitividade e competência para a superação dos desafios
cada vez mais complexos enfrentados por nossa sociedade.
Rafael
Tello é professor e pesquisador do Núcleo de Sustentabilidade da
Fundação Dom Cabral. Colaboraram neste artigo Lucas Amaral Lauriano e
Eduarda Carvalhaes, também responsáveis pela pesquisa Estágio da
Sustentabilidade das Empresas Brasileiras
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