Estado de Minas - 30/03/2013
Sempre que se pensa em inclusão
social, o idoso raras vezes é lembrado, já que a prioridade, no Brasil,
acaba sendo o combate à pobreza. A pesquisadora Alexandra Lopes, da
Universidade do Porto, em Portugal, acha até aceitável que, no Brasil, a
agenda da inclusão social considere primeiro o combate à pobreza, mas
chama a atenção para a necessidade de, cada vez mais, pensar em
políticas públicas que combatam, também, a exclusão da população idosa.
De acordo com Alexandra Lopes, isso deve ser levado em conta pelos
brasileiros porque dentro de 10 a 15 anos, segundo sua estimativa, o
sistema de seguridade social brasileiro começará a ser mais demandado
por um contingente cada vez maior de pessoas idosas. "Por isso, é
importante estar atento para a Europa e ver as soluções que foram
adotadas lá. As boas e as más", afirma a pesquisadora, que, no início de
março, esteve no Brasil, onde participou, em Belém, do 2º Encontro
Anual do Instituto de Estudos Brasil-Europa (IBE).
Alexandra Lopes é
socióloga, com pós-doutorado em Política Social pela Faculdade de
Ciências Políticas e Econômicas da Universidade de Londres.
Qual o lugar do idoso na sociedade contemporânea?
O
lugar dos indivíduos na sociedade não deve ser definido em função de
classificações etárias. Nesse sentido, a minha primeira resposta à sua
questão seria que o lugar do idoso deve ser o mesmo de qualquer outro
cidadão. Agora, a sua questão tem todo o sentido porque, efetivamente,
existe um conjunto de fatores que me faz ter sérias reservas em relação
ao espaço que as sociedades contemporâneas dão ao idoso para que ele
exerça o seu estatuto de cidadania. E é um conjunto de fatores variados
que concorrem para isso. Não é uma questão simples. Alguns desses
fatores têm a ver com a forma como estamos organizados enquanto
coletivos. Somos muito focados na juventude, em um modelo de sociedade
muito rápida, com forte valorização da identidade individual e da busca
de um lugar no mercado de trabalho.
O envelhecimento da
população está criando um problema para os sistemas de seguridade
social. Na Europa, os governos estão preparados para lidar com essa nova
realidade? Que medidas deveriam ser adotadas para evitar a exclusão dos
idosos?
O envelhecimento da população não é, por si só, um
problema. Na verdade, deveria ser visto como uma conquista da sociedade,
uma conquista civilizacional, o fato de hoje durarmos mais tempo. O que
ocorre, porém, é que temos um envelhecimento demográfico também, coisa
diferente do simples envelhecimento da população. Falamos de
envelhecimento demográfico quando temos um crescimento da população mais
velha e, ao mesmo tempo, um recuo muito forte do crescimento
demográfico nas camadas mais jovens. Isso produz um desequilíbrio no
peso das gerações porque o que ocorre é que a proporção de indivíduos
mais idosos começa a atingir determinados níveis que se tornam
insustentáveis para os sistemas de proteção social que a Europa tão
cuidadosamente desenvolveu e dos quais tanto se orgulha. Quando estes
sistemas foram pensados e se consolidaram, após a Segunda Guerra
Mundial, a fatia da população com idades mais avançadas não excedia a
7%, 8% do total. O peso dos pensionistas era muito baixo. Mais do que
isso: a expectativa média de vida era substancialmente menor que hoje. O
desafio que está colocado é que houve um crescimento da longevidade e
também do número de anos em que as pessoas passaram a viver demandando
cuidados sociais e de saúde. Isso aumenta a procura pelos serviços de
prevenção social. E essa é a origem da percepção negativa que as pessoas
têm hoje do envelhecimento. Esse, sem dúvida, é um grande problema.
Caminhamos para esse mesmo cenário no Brasil?
No
Brasil a situação não está como na Europa, mas, no tempo de 10 a 15
anos, a expectativa é de que haja uma convergência de cenários que
acontecerá de forma muito mais rápida no Brasil. Isso significa que os
brasileiros terão menos tempo para preparar respostas e se adaptar a
essa nova realidade demográfica. Por isso, é importante estar atento
para a Europa e ver as soluções que foram adotadas lá. As boas e as más.
Há soluções possíveis para a questão?
Há.
Não são muitas e são relativamente fáceis de serem anunciadas, mas
difíceis de serem implementadas. A forma mais razoável de resolver a
questão passaria por políticas de fomento à natalidade e de conciliação
da vida familiar com o mercado de trabalho. Claro que isso não tem
efeitos no imediato. A inversão das taxas de natalidade não se consegue
com um clique. A Europa é um espaço onde essas taxas vêm caindo nos
últimos anos, sobretudo nos países do Sul do continente, atingindo hoje
mínimos históricos. Uma outra forma, bem mais complexa sob o ponto de
vista político, seria o incentivo à emigração.
Em um continente que convive hoje com índices de desemprego elevados, haveria apoio para políticas de incentivo à emigração?
A
questão da emigração é muito complexa. A crise econômico-financeira
veio a embaralhar ainda mais o jogo. A Europa está vivendo uma depressão
econômica, com taxas de desemprego muito preocupantes. Temos taxas de
desemprego muito altas também entre os imigrantes, que são os grupos
mais atingidos pela situação de crise. Além disso, a Europa continua a
ter movimentos fortes de rejeição aos imigrantes. Por isso, é muito
difícil pensar hoje em ações para se incentivar a emigração no
continente europeu.
Essa receita valeria também para o Brasil?
No
Brasil, a solução pode ser mais complexa, pois aqui tem que se resolver
também o problema da pobreza extrema, que é sério porque se reproduz de
uma geração para outra. Por isso é que muitas políticas públicas têm
como foco as gerações mais jovens, porque o objetivo é quebrar o vínculo
intergeracional que faz com que a pobreza passe de uma geração para
outra. Isso faz com que os idosos sejam, muitas vezes, considerados
grupos menos prioritários na luta contra a pobreza.
Seria um erro de política pública?
Não
acho que seja uma distorção. Acho que é compreensível que seja assim,
porque, se pensarmos de forma mais fria, temos que procurar, com nossas
intervenções, maximizar o retorno das políticas econômicas e sociais.
Percebo que há uma tendência de focar nas gerações mais jovens. O que me
parece é que não devemos usar isso para justificar a ausência de
atenção sobre as necessidades específicas da população mais idosa. Esse é
o perigo que corremos em períodos de escassez de recursos. Os idosos,
apesar de numericamente serem um fator considerável da população,
poderão sair perdedores na divisão dos recursos públicos. A Europa é um
bom exemplo disso.
No Brasil, o servidor público que
chega aos 70 anos de idade é obrigado a se aposentar. É a aposentadoria
compulsória. A senhora concorda com esse mecanismo?
Essa é
uma herança de inspiração portuguesa, me parece. Em Portugal, os
servidores públicos também são obrigados a se aposentar aos 70 anos.
Considero que a validade dessa medida não deve ser geral, para todo o
serviço público. Provavelmente, há setores em que a saída forçada do
servidor poderá significar uma perda, especialmente de profissionais
mais qualificados, como professores universitários, que ainda teriam
muito a dar à academia. O mesmo vale para um médico de referência.
Objetivamente, são perdas que têm que ser consideradas. Por outro lado, a
saída forçada aos 70 anos poderá dar ao setor público a capacidade de
se renovar, de se arejar, pois em todos os países, este é um setor muito
pouco dinâmico. Nesse caso, se o servidor se eternizar no seu posto de
trabalho, isso pode ser muito negativo para o setor público. No privado,
a renovação ocorre de maneira muito mais fácil. Mas, por princípio,
essa orientação – a da aposentadoria compulsória – é uma orientação
contrária ao direito do cidadão de se manter ativo pelo tempo que
quiser.
Qual a mensagem central que a senhora deixa para os brasileiros em relação à questão dos idosos?
A
mensagem central é que o conceito de exclusão social, quando aplicado à
população idosa, encerra alguns desafios adicionais que valem a pena
ter presentes. O conceito de exclusão social é muito dominado, hoje,
pela agenda da pobreza, pela participação no mercado de trabalho, pela
melhoria da qualificação. Esses são paradigmas que têm uma
aplicabilidade menor ou quase nula quando pensamos na população idosa.
No caso do idoso, temos que pensar a exclusão social em uma lógica
diferente, que continua a ser multidimensional, mas que traz para a
discussão pública alguns aspectos que estão sendo menos valorizados e
que são menos traduzidos em políticas públicas. Dou-lhe um exemplo: um
idoso que está acamado não perde seu status de cidadão apenas porque
está nesta condição. Portanto, temos que pensar em uma inclusão de forma
mais ampliada. Isso nos força a pensar a inclusão a partir do que é a
capacidade e o direito que esse cidadão tem de participar da comunidade
da forma que ele pode e quer. Não é aceitável que um indivíduo que tem
dificuldade de mobilidade seja privado do acesso aos espaços públicos
por motivo de inadequação das infraestruturas de mobilidade oferecidas
pela cidade. Tenho andado por aqui, no Brasil, e pude verificar que
alguns passeios por onde as pessoas circulam são uma tragédia para as
que estão com dificuldades de mobilidade. Um cidadão que está em cadeira
de rodas e não consegue circular pela cidade está excluído de
participação no espaço público. Temos é que pensar em fatores que estão
mais ausentes da agenda dominante. E essa não é uma questão apenas
brasileira. É global. Não apenas europeia. Os problemas de exclusão
social dos idosos passam pelas questões de pobreza, mas passam também
por dimensões que estão menos visíveis na agenda política, mas são
determinantes para a qualidade da participação do cidadão na comunidade
da qual ele faz parte.
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