sábado, 30 de março de 2013

Arquivo de SP libera acesso a 1 milhão de documentos sobre regime militar

folha de são paulo

Fichas e prontuários do Deops poderão ser acessados pela internet a partir de segunda-feira
Instituição divulgará também os dossiês produzidos sobre Karl Marx, o papa João Paulo 2º, Plínio Marcos e Pelé
ANDRÉ CARAMANTEDE SÃO PAULOApós três anos e meio de trabalho de 70 pessoas, o Arquivo Público de São Paulo disponibilizará em seu site, a partir da próxima segunda-feira, cerca de 1 milhão de documentos sobre ações da ditadura militar no Estado.
Fichas e prontuários que antes só podiam ser acessados pessoalmente agora estarão ao alcance de um clique, pelo endereço www.arquivoestado.sp.gov.br.
São papéis do Deops/SP (Departamento Estadual de Ordem Política e Social), órgão que funcionou de 1924 a 1983 e foi um dos principais braços da repressão do último regime militar (1964-1985). O material inclui ainda documentos do DCS (Departamento de Comunicação Social), criado em 1983 para suceder o Deops e abrigar seus membros.
Há dossiês sobre personalidades consideradas subversivas pela ditadura, como Pelé, o filósofo alemão e ideólogo da esquerda Karl Marx (1818-1883), o papa João Paulo 2º (1978-2005) -considerado comunista por ser polonês- e o dramaturgo Plínio Marcos (1935-1999).
No caso de Marcos, o prontuário do Deops, de 94 páginas, mostra que ele foi monitorado de 1969 até depois da morte, em 2000, com relato de publicação no "Diário Oficial" de Santos sobre homenagem póstuma ao artista.
A existência dos documentos do Deops de Santos foi revelada em fevereiro de 2010 pela Folha. À época foram achadas 600 caixas, cada uma com dez ou 15 dossiês.
Na vigilância a Pelé, o Deops registrou declarações feitas no Senado em 1977, quando ele disse que o povo brasileiro ainda não estava em condições de votar "por falta de prática e de educação".
DOCUMENTOS INÉDITOS
A digitalização, que ainda engloba apenas 10% dos registros do Deops e do DCS, incorporou 4.500 imagens de documentos inéditos. "São boletins internos do Deops, que vão de 1952 a 1977 e têm as escalas de serviço dos policiais. Isso ajudará a cruzar informações sobre quem estava trabalhando quando alguém foi preso e desapareceu", diz Lauro Ávila, diretor de Preservação e Difusão do Acervo do Arquivo Público.
O trabalho foi realizado em parceria com a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça por meio do projeto Marcas da Memória, que distribui recursos para ações de preservação da memória.
"O material do Deops servirá para todos verem a ação deletéria do Estado contra o povo", disse Carlos Bacellar, coordenador do Arquivo Público. "É a democratização desses documentos. É um marco nesse processo da construção do Estado democrático", disse Vladimir Sacchetta, presidente da Associação dos Amigos do Arquivo Público de SP, que captou R$ 1 milhão para ajudar na digitalização do material.

    Medida facilitará novas pesquisas, diz brasilianista
    DE SÃO PAULOO brasilianista James N. Green, professor de estudos brasileiros da Universidade Brown (EUA), diz acreditar que a abertura dos documentos da ditadura para consulta na internet irá elevar a qualidade e a quantidade de pesquisas sobre o período.
    "Pesquiso no Arquivo de São Paulo desde 1995. Muitas vezes você demora até três meses para levantar poucas informações. Agora farei isso de casa, a hora que entender e sem o custo de viagem ao Brasil", disse Green, autor de "Apesar de Vocês" (Companhia das Letras), sobre a luta, nos EUA, pela redemocratização do Brasil.
    Green trabalha hoje na biografia do escritor e ativista dos direitos homossexuais Herbert Eustáquio de Carvalho, o Herbert Daniel (1946-1992), que participou da luta armada e foi amigo da presidente Dilma Rousseff.
    "Os brasileiros terão chance de conhecer a história do Brasil e resgatar a memória que a ditadura tentou esconder ao impor a repressão e o medo", afirmou Green.
    Localizada em Providence, a 250 km de Nova York, e fundada em 1764, a Universidade Brown tem uma das maiores coleções de livros sobre a América Latina e o Brasil nos Estados Unidos. Sua biblioteca possui um acervo de 6,8 milhões de obras.
    Em outubro do ano passado, ela inaugurou a sua coleção Brasiliana, que tem como âncora a biblioteca pessoal do brasilianista Thomas E. Skidmore, doada à universidade em 2006. São 6.000 livros, em português e inglês, dos séculos 19 e 20. (AC)

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