Estado de Minas - 30/03/2013
O Brasil foi escrito para quem gosta
de política. O jornalista Mino Carta embaralha autobiografia, memórias e
romance para conduzir o leitor por bastidores de momentos decisivos da
história do país, sobretudo a partir da ditadura civil-militar imposta
em 1964. Ao fundo dessa trama, quase se ouve a sinfonia das máquinas de
escrever. A história de Mino Carta se desvela a partir das redações de
jornal.
O ficcionista nos faz confidentes de seu personagem
Abukir, o menino de 8 anos que acompanha o pai, um professor de história
e geografia, ao prédio do jornal O Estado de S. Paulo no dia do
suicídio de Getúlio Vargas. Naqueles tempos sem internet e TV, Waldir
decide visitar o amigo linotipista em busca de algo precioso:
informação. Quer saber a verdade. O Brasil é um romance sobre a
fabricação de verdades.
Abukir se transforma em jornalista
famoso. Graças a algum talento e ao empenho em, digamos, adaptar os
fatos às regras do andar de cima, vira “príncipe dos colunistas”. Sonha
com a Academia Brasileira de Letras. Mino Carta o faz conviver com
mandachuvas – reais – da grande imprensa paulista e carioca. Usa seu
arrivista Abukir como metáfora do quarto poder tupiniquim. “Salvo ralas
exceções” – fustiga –, a imprensa brasileira “é o boletim da
casa-grande”.
A trajetória do personagem é intercalada com
entreatos em que Mino registra sua própria vida. Somos, então,
confidentes desse “anti-Abukir”: fundador da revista Quatro Rodas;
diretor do Jornal da Tarde; criador da Veja, da Isto é e do Jornal da
República; diretor de redação da Carta Capital. Imodesto (de acordo com
os amigos), poço de vaidade e megalômano (segundo detratores), descreve
como foi perseguido e censurado durante o governo militar.
Mino
Carta faz de O Brasil outro acerto de contas com desafetos. Mira
novamente o clã Civita e Armando Falcão, ministro da Justiça do governo
Ernesto Geisel. Homenageia seus heróis, o jornalista Cláudio Abramo e o
jurista Raymundo Faoro. Com direito a posfácio do crítico literário
Alfredo Bosi, seu novo livro segue a trilha mezzo ficção, mezzo
autobiografia de O castelo de âmbar (2000) e A sombra do silêncio (2003)
– ambos sobre a saga de outro repórter, Mercúcio Parla.
Mino
escreve com o fígado. Abukir sempre nos sugere alguém (ou o somatório de
alguéns) com quem seu criador conviveu. Vendetta? Só os iniciados
guardam a chave do roman à clef. O melhor desse Brasil, no entanto, não
está na ficção, em adivinhar quem é o quê. Bacana – mesmo – é a
história, aquela para valer. Os momentos em que o repórter (e não
Abukir) está diante de Golbery do Couto e Silva, hábil articulador da
distensão no governo Ernesto Geisel, e presencia bastidores da
redemocratização. Ou, ainda, quando intui que Luiz Inácio Lula da Silva
será muito mais do que peão de fábrica.
Testemunha da agonia de
dona Marisa diante da lambança do mensalão, o memorialista Mino Carta –
62 anos de jornalismo, quase 80 de idade –, certamente, tem muito mais a
nos dizer sobre o Brasil contemporâneo do que o faz em seu novo livro. A
verve esgrimida em A sombra do silêncio, O castelo de âmbar e mesmo nas
polêmicas com aqueles que o acusam de comandar a “Veja do Lula” cairia
bem à versão “cartiana” de Os donos do poder.
Corajoso,
rancoroso, egocêntrico, visionário, cabotino ou destemido, não importa: o
velho repórter ainda nos deve suas memórias “puro-sangue”. Espera-se
dele o dedo na ferida – dessa vez, sem clefs, Abukires e Mercúcios.
O BRASIL
. De Mino Carta
. Editora Record
. 355 páginas, R$ 44,90
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