Novas linhas de pesquisa de comparação de
genomas geram métodos mais simples e eficazes de análise. Matemático
brasileiro elabora técnica para concorrer com modelo atual
Shirley Pacelli
Estado de MInas: 06/04/2013
Tente se imaginar
lendo um calhamaço de milhares de páginas com bilhões de palavras
formadas apenas por quatro letras (A, T, C e G). Não há pontos, vírgulas
ou parágrafos e a mensagem essencial do texto está no meio disso tudo. É
assim que os cientistas se veem diante dos dados gerados pelo
sequenciamento de um material genético. Na última década, desvendar
genomas completos se tornou algo 10 mil vezes mais barato, mas hoje a
grande questão é como analisar os bilhões de bits gerados por
computadores – faltam softwares e mão de obra especializada para tanto
trabalho.
Diante dessa realidade, têm surgido novas linhas de
pesquisa em bioinformática a fim de encontrar uma forma mais eficaz e
simples de análise. Um desses estudos é coordenado pelo matemático João
Meidanis, sócio-fundador da empresa Scylla Bioinformática e professor da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ao lado de um ex-aluno de
doutorado, Meidanis investe na técnica single-cut-or-join (na sigla em
inglês SCJ, ou na tradução livre, único corte ou juntar-se), que compara
genomas inteiros de organismos.
O matemático trabalha com o tema
desde 1996. Há 13 anos, um projeto que ele integrou com outros
profissionais foi o divisor de águas na pesquisa brasileira. A equipe
sequenciou o primeiro genoma de um fitopatógeno, organismo que causa
doenças em plantas. O fato foi destaque na revista Nature e surpreendeu
toda a comunidade científica mundial. “Essa pesquisa criou uma geração
de gente antenada em genômica – o futuro é isso”, diz.
Meidanis
explica que o novo método é um estudo teórico que ainda não foi testado,
mas que parece prometer bons resultados na prática. Segundo ele, a
forma de análise mais popular nos últimos anos é a double-cut-join (do
inglês DCJ, significa dobra, corte e juntar-se). Esse método considera
que os genes dos genomas comparados são os mesmos, mas ordenados de
forma diferente em cada organismo. Ele se baseia nas mutações e
movimentos sofridos por “blocos” de DNA para que se transformem em
outros. Várias doenças são causadas por isso.
Os pesquisadores
cortam o sequenciamento genético em dois pontos e os unem novamente.
Depois, é feito o cálculo dos rearranjos das cadeias de cromossomos.
Quanto menor for o número de rearranjos, mais próximos os organismos
estão na cadeia evolutiva. A diferença da DCJ para a SCJ, segundo o
pesquisador, é que ela atribui peso único (1) para cada operação,
enquanto o novo método classifica algumas com menor peso (1/2). “A DCJ
reinava absoluta nos últimos oito anos. Tem apelo biológico,
transformando-a em um método multidisciplinar. Além disso, é fácil de
calcular, incorporando-a nos programas usados”, afirma Meidanis.
Apesar
de exaltar as qualidades do método tradicional, o matemático acredita
que a nova técnica que está desenvolvendo deverá ser uma forte
concorrente entre dois e cinco anos. Segundo ele, para prosseguir com a
pesquisa e isso ocorrer faltam profissionais da área biológica e alguém
que assuma o estudo. Afinal, Meidanis brinca que a área acadêmica é
quase um hobby e não o seu ganha-pão. “Tenho observado em toda a minha
carreira que no mundo inteiro faltam profissionais de bioinformática.
Antes, biólogos estudavam matemática ou pessoas da área de exatas faziam
biologia. Hoje já existem faculdades especializadas na formação
multidisciplinar e essa realidade está mudando”, ressalva.
Orgulhoso
da pesquisa 100% nacional, o matemático lembra que entre as vantagens
da comparação de genomas há a possibilidade de inferir se uma espécie é
próxima de outra, facilitando o estudo de novos medicamentos ou causas
de doenças. “Vamos supor que exista uma nova medicação para humanos.
Podemos testá-la no camundongo anteriormente. Ou que seja difícil de
estudar o mosquito da dengue – pega-se outra espécie próxima para
analisar o que deve ocorrer ao Aedes aegypti”, explica.
Metagenômica
Outro método que está sendo estudado no Brasil é a chamada
metagenômica. Essa abordagem privilegia a análise da amostra diretamente
no ambiente a ser estudado. Dessa forma, o objeto de estudo
apresenta-se misturado a outros micro-organismos e cabe ao pesquisador
separar e caracterizar cada um deles. Na área de bioinformática há cerca
de 20 anos, o professor João Carlos Setubal, do Instituto de Química da
Universidade de São Paulo, iniciou seus projetos de metagenômica ainda
em 2008. Ele explica que no método tradicional, utilizado desde o século
19, coleta-se o material e coloca-se no meio de cultura (preparação
química que favorece o crescimento de organismos). Na metagenômica, é
coletada uma amostra do organismo com parte do seu nicho. Mas segundo
Setubal, paga-se um preço: você já não sabe mais qual bactéria está
sendo pesquisada, perde a individualidade do DNA. A técnica, de acordo
com o professor, é poderosa, porque permite estudar qualquer nicho
macrobiótico. No entanto, é preciso um tratamento computacional
sofisticado e é esse desafio que interessa o professor.
Setubal
está envolvido em dois projetos que usam a técnica: uma amostra do Mar
Vermelho, em parceira com um pesquisador do Egito, e outra da
compostagem feita pelos funcionários do Zoológico de São Paulo (SP). O
objetivo é identificar quais são as populações desses macrobiomas. O
método, além de ter um componente forte de biodiversidade, tem o
objetivo de entender processos bioquímicos. “A identificação de enzimas
que decompõem o material orgânico pode ajudar no desenvolvimento da
bionergia, por exemplo. A informação pode ser usada para tornar mais
eficaz o processo da produção de energia por meio do bagaço da
cana-de-açúcar” exemplifica.
Da amostra do Mar Vermelho, a ideia é
descobrir quais são os organismos que enfrentam as circunstâncias
extremas, como falta de luz, e temperaturas entre 50 e 70 graus. Ambos
os projetos já passaram pela primeira fase de estudos, com amostra
preliminares e produção de artigos. Neste mês, o professor deve receber
retorno da pesquisa realizada no território paulista. Agora, falta
cruzar os dados de metagenômica com o isolamento de micro-organismos
feitos pela equipe.
Saiba mais
Projeto Genoma Humano
No
início dos anos 2000, chegou ao fim a epopeia, iniciada em 1990, de
sequenciar o primeiro genoma humano. A previsão era finalizar o
sequenciamento em 15 anos, mas com o esforço internacional de centenas
de laboratórios de todo o mundo a meta foi alcançada antes disso. O
genoma humano é formado por um sequência de 23 pares de cromossomos no
núcleo de cada célula, contabilizando cerca de 27 mil genes. Os genes,
por sua vez, são formados por segmentos de DNA que têm quatro bases
nitrogenadas: adenina, citosina, guanina e timina. O genoma detém a
informação básica para a formação física de um ser humano.
Aplicações diversas em instituto mineiro
Publicação: 06/04/2013 04:00
No Centro de
Pesquisas René Rachou, unidade regional da Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz) em Minas Gerais, há cerca de 60 projetos de genomas em
andamento – são estudos que investigam desde micro-organismos até
grandes animais, como bovinos. O sequenciamento do gado bovino é um
projeto em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa), a Universidade Federal de Minas Gerais e os criadores da raça
zebu. Com o estudo, pretende-se viabilizar um melhoramento da raça a
partir de marcadores genéticos, conseguindo que animais produzam leite e
carne melhores. O trabalho está bem adiantado, em oito meses deve ser
finalizado. Há também projetos em colaboração com a Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul e a Fundação Zoo-Botânica de
Belo Horizonte para desvendar o genoma da onça-pintada e dois grandes
projetos sobre o genoma do câncer.
Mutações
Segundo Guilherme Oliveira, pesquisador titular da Fiocruz e presidente
da Associação Brasileira de Bioinformática e Biologia Computacional, o
sequenciamento de uma cadeia de DNA dá informação ampla do funcionamento
de uma célula. “Você tem uma visão geral da estrutura genética do
organismo, como ele opera e quais as mutações levam a uma doença”,
explica. Ele ressalta que a informática tem um papel muito importante na
análise do enorme volume de dados gerados nesses projetos. “É como se
tivesse uma enciclopédia picotada e você tivesse que remontá-la”,
explica.
No René Rachou também são desenvolvidas pesquisas de
metagenômica. Oliveira explica que até hoje a humanidade só conhece no
máximo 5% dos micro-organismos que existem no ambiente. Estudando os
organismos em seu hábitat específico descobre-se a importância de
bactérias, vírus, fungos e seres para a ecologia, além de servirem como
fonte de matéria-prima para o desenvolvimento da biotecnologia. “Por
meio dessa técnica é possível descobrir, por exemplo, a importância de
micro-organismos para o normal funcionamento do intestino”, conta.
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