Nova antologia revisa marco histórico da poesia brasileira e chega até o século 21
Esse é um marco que "Poesia.Br", nova antologia organizada por Sergio Cohn, 38, desafia. O primeiro dos dez volumes que o poeta e editor da Azougue acaba de lançar em uma caixa, totalizando 1.432 páginas, aborda os cantos ameríndios.
Os estudos dessa vertente vêm de décadas passadas, mas seus resultados permaneciam fora das antologias de poesia publicadas no Brasil -uma exceção, curiosamente, é uma edição bilíngue lançada em 2003 na Itália, "Scrittori Brasiliani", organizada por Giovanni Ricciardi.
Com isso, "Poesia.Br" se firma como a seleção de maior abrangência histórica da poesia produzida no país, já que trata também, no último volume, de poetas dos anos 2000, como Angélica Freitas, Fabiano Calixto e o colunista da Folha Fabrício Corsaletti.
Os volumes intermediários abrangem o período colonial, o romantismo e o pós-romantismo, o modernismo, a poesia dos anos 1940 e 1950 e, em volumes isolados, aquela produzida, década a década, a partir dos anos 1960.
Divisão similar -sem os cantos ameríndios- teve a coleção "Roteiro da Poesia Brasileira", lançada em 15 volumes de 2006 a 2011 pela Global, sob direção de Edla van Steen e com cada volume a cargo de um especialista.
O projeto de Sergio Cohn se destaca pela ambição: o poeta e editor dedicou seus últimos dois anos, sozinho, ao que chama de "uma cartografia da poesia brasileira".
SITE
"Poesia.Br" surgiu em 2010 de um projeto elaborado pelo Ministério da Cultura, orçado em R$ 1,5 milhão, que incluiria um portal sobre poesia e eventos. Com a troca de comando no ministério, o projeto foi cancelado, no início de 2012, sem nenhum valor desembolsado.
Cohn resolveu continuar sozinho. A ideia do site foi abortada, e, com isso, a possibilidade de ser um trabalho colaborativo. Mas o poeta diz que, justamente por ter começado a fazer o recorte com um olhar "oficial", evitou personalizar demais as escolhas.
Cada volume traz entre 15 e 30 poetas, o que obrigou Cohn, como todo antologista, a fazer escolhas difíceis. Até poetas presentes na seleção, como Ademir Assunção (anos 1990), Claudio Willer (anos 1960) e Augusto de Campos (anos 1940-1950) -de quem foi emprestado o título no alto desta página- preferem não comentar a obra.
Questões legais levaram a ausências notáveis em obra
Falta de consenso com herdeiros e editoras deixa de fora Bandeira e Cecília
Para o crítico literário Ítalo Moriconi, nova antologia proposta por Sergio Cohn se destaca por desafiar o cânone
O projeto do governo incluía, além do site, uma edição em livro a preço popular, e foi com essa ideia em vista que Cohn negociou valores.
"A meta era vender cada livro a R$ 8,90, com a caixa a R$ 89. Muitos dos autores tinham topado entrar justamente pela ideia de integrar uma edição popular. Acho que o fato de esse volume estar vivo comercialmente mostra que dá para baixar o preço do livro no Brasil", diz.
Conseguir a autorização de autores vivos foi mais fácil que fazê-lo via editora e herdeiros, diz Cohn. Com isso, a seleção sofre ausências notáveis, em especial nos livros "Modernismo" e "1940-1950".
Faltam, por exemplo, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira e Cecília Meireles, por falta de consenso com os detentores dos direitos.
A editora LeYa não autorizou a publicação de poemas de Manoel de Barros. A Companhia das Letras limitou a dois os poemas de José Paulo Paes e Mauro Faustino -como tinha um padrão de mais poemas por poetas, Cohn preferiu deixá-los de fora.
"A ausência de grandes nomes enfraquece o conjunto. Os herdeiros deveriam ter vergonha na cara e participar da vida cultural do país e não apenas pensar no próprio bolso", diz Heitor Ferraz, um dos 16 poetas do volume "1990", junto a nomes como Josely Vianna Baptista, Augusto Massi e Antonio Cicero.
APRESENTAÇÕES
Entre os vivos, o único a se recusar a participar foi Carlito Azevedo. "Na época eu estava em crise com a ideia de poesia. Hoje não teria problema algum em aceitar participar", disse ele à Folha.
Para compensar as ausências, Cohn buscou mencionar os poetas cujos direitos não conseguiu e publicar trechos de poemas nas apresentações de cada edição.
Sergio Cohn e Carlito Azevedo têm em comum a atuação em duas das mais importantes revistas dedicadas à poesia nos anos 90, a "Azougue" (que virou editora em 2000) e a "Inimigo Rumor", respectivamente.
Para o crítico literário Ítalo Moriconi, destacado entre os 16 poetas do volume "1980", como Glauco Mattoso, Alice Ruiz e Arnaldo Antunes, Cohn seguiu, na seleção para a antologia, o modelo que privilegiava na revista dos anos 90 e na editora que comanda atualmente.
"São escolhas coerentes com o tipo de perspectiva assumido pela Azougue desde sempre, de questionar as opções canônicas da crítica literária dominante, particularmente a universitária, por um viés eclético, que chamei de 'vanguarda retroflexa'", diz.
A vanguarda, ele diz, aparece tanto na inclusão dos cantos ameríndios como nos poetas de influência beatnik, como Roberto Piva e Claudio Willer, resgatados por Cohn nos anos 1990 e agora presentes no volume "1960".
ALTOS E BAIXOS
O ponto alto da antologia, para todos os especialistas ouvidos pela Folha, é justamente a inclusão dos cantos ameríndios, traduzidos por nomes como Pedro Cesarino, Daniel Bueno e Antonio Risério.
"Outro ponto relevante foi acompanhar década a década a produção do século 20, que é quando a poesia brasileira se tornou mais densa", afirma o crítico literário e colunista daFolha Manuel da Costa Pinto.
Para Heitor Ferraz, essa divisão, "misturando datas e movimentos literários", é questionável. "Criou ruídos interessantes, mas discutíveis no conjunto do livro", ele diz, não sem destacar "a seriedade do trabalho" do organizador.
Embora avalie positivamente a antologia como um todo, Costa Pinto vê como ponto fraco o volume referente ao período colonial.
"Há uma concentração excessiva num volume só, de barroco, arcadismo. São momentos independentes, e não há uma discussão de fundo sobre se existiu ou não um barroco no Brasil."
Mas, embora note ausências, como Nelson Ascher e Affonso Ávila, contemporiza. "Falar em ausências em antologias é uma crueldade. Identificar lacunas é um dever de quem lê criticamente, mas não desmerece o trabalho de quem fez", diz.
BEST-SELLER
Paulo Leminski chega ao top 10 de ficção
"Toda Poesia", de Paulo Leminski, surpreendeu a Companhia das Letras. Lançado em fevereiro com tiragem de 5.000 exemplares -mais que o dobro da média para poesia na editora-, a obra já está há três semanas na lista de mais vendidos de ficção da Folha(fato raro para poesia) e na quinta tiragem, com 25 mil exemplares.
Nenhum comentário:
Postar um comentário