Mulheres que mantêm
relacionamento homossexual elogiam cantora que assumiu namoro com uma
jornalista, mas dizem que, para pessoas comuns, se esconder ainda é
opção para evitar discriminação
Flávia Ayer, Luiz Ribeiro, Patricia Giudice e Simone Lima
Estado de Minas: 06/04/2013
Fotos em rede social mostram momentos de Daniela Mercury e Malu Verçosa
Sorrisos,
beijos e abraços em fotos nas redes sociais que logo ganharam espaço na
imprensa mostram Daniela Mercury, cantora baiana de 47 anos, assumindo
publicamente um relacionamento amoroso com a jornalista Malu Verçosa.
Rapidamente elas receberam milhares de manifestações de apoio e votos de
um casamento feliz. Mas, bem longe do cotidiano de celebridades como a
estrela do axé estão mulheres comuns, Danielas que vivem ao lado de suas
namoradas ou companheiras a mesma vontade de expressar seus sentimentos
e receber felicitações. Ou ,pelo menos, de viver sem discriminação.
Mas, ao contrário, convivem com medo, incerteza e preconceito. E,
segundo especialistas, até mesmo temendo levar essa insegurança a
público. Tanto que, dos 453 acompanhamentos feitos no ano passado pelo
Núcleo de Atendimento e Cidadania a Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis e Transexuais (NAC-LGBT), da Polícia Civil, apenas 9% são
casos envolvendo mulheres.
A estudante V., de 30 anos, queria ter
a liberdade de fazer um carinho na namorada, C., professora de 33,
quando elas estão na fila do teatro. Às vezes, a carícia nos cabelos é
automática, em outras causa apreensão ao casal. Juntas há pouco mais de
quatro anos, elas ainda têm medo da exposição. “Tenho vontade de agir
mais livremente”, afirma C., que evita redes sociais, para preservar a
vida particular. Ela contou à família sua opção aos 24 anos. Foi
difícil, disse, mas o tempo passou, ela foi paciente e os pais agora
agem com mais naturalidade. C. diz que os parentes até se manifestam em
favor das causas LGBT, algo difícil de imaginar em outros tempos. Mas
essa realidade fica apenas entre os mais próximos. No trabalho, ninguém
sabe que a professora é lésbica, e ela pretende que a situação continue
assim.
V. se revelou para a família aos 19 anos, mas diz ainda
sofrer com a falta de liberdade. “Você tem que ficar se vigiando o tempo
inteiro, o que vai falar, não pode passar a mão no cabelo da outra
pessoa, porque olham diferente, parece até uma agressão. Se fosse uma
amiga qualquer, ninguém interpretaria de forma negativa. É muito ruim”,
disse. No bar, quando as duas saem para tomar uma cerveja juntas, as
mãos se encontram debaixo da mesa. “É muito constrangedor. Seria muito
bom que as pessoas vissem de uma forma natural.” Mesmo com os desafios,
elas pensam em se casar e em criar um filho. “É uma pessoa que nunca
imaginei que fosse encontrar, queremos viver o máximo de tempo juntas”,
declarou V.
Jailane, servidora pública de 26 anos, e Ana
Carolina, professora de 25, enfrentaram família, levantaram a bandeira,
se mudaram para um apartamento na Região da Pampulha, em Belo Horizonte,
e, juntas, criam um filho de 9 anos. Mesmo tão novas, sabem o que
querem: “Somos uma família, com companheirismo, respeito, amizade e
amor, que é fundamental”, disse Jailane. Até chegar a essa maturidade,
encontraram percalços. O último deles há menos de um ano, quando em um
bar os três juntos receberam a conta do garçom sem que a tivessem
pedido. Questionaram e receberam a resposta: “Aqui é um ambiente
familiar”. Se indignaram e rebateram: “Não estão reconhecendo uma
família?”. Essa foi uma das várias vezes que foram expulsas de
estabelecimentos. Em duas, chamaram a polícia. “No meu caso foi
complicado assumir, mas foi bom quando decidi. Não poderia ficar me
escondendo, existia algo maior, que é o amor”, contou Ana.
Em
Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas, P., advogada de 49 anos, viveu
incertezas, como Daniela Mercury. Foi casada por 25 anos, teve quatro
filhos, mas não era feliz. Há quatro anos vive com a auxiliar de
escritório P.V., de 28. “Você não pode viver negando quem é”, disse.
Levar a público o que sentem ainda é difícil, dizem. “Fui agredida
fisicamente e verbalmente quando assumi minha opção sexual, até mesmo
por pessoas da minha família. Para meus filhos foi muito difícil. Eles
ficaram um tempo afastados, mas agora temos uma boa convivência. Até
hoje há pessoas que viram a cara quando me veem na rua”, contou. P. e
P.V. criam juntas um filho de 2 anos, que chama ambas de mãe. “Temos uma
família abençoada”, disse a advogada. “Ser gay, lésbica, bissexual não é
vergonha. Precisamos continuar lutando para conseguir o respeito da
sociedade”, completou.
CASAMENTO A técnica de
enfermagem Vanderleia, de 34, e a companheira, Rivane, de 40, moram em
Montes Claros, no Norte de Minas. Na segunda-feira elas pretendem
oficializar a união no cartório da cidade. Rivane assumiu a
homossexualidade há apenas três meses, quando o relacionamento começou.
Elas tentam não se importar com o que os outros falam, mas sofrem. “Por
causa dessa resistência, precisamos ser comedidas nas manifestações de
carinho em público”, disse a técnica de enfermagem, que, aos 22 anos se
casou com um homem. A relação, porém, durou apenas quatro anos.
Todas
as mulheres que contaram suas histórias concordam com a atitude da
cantora baiana. Acreditam que a revelação vai contribuir para a
diminuição da homofobia e dos crimes de preconceito. Mas a professora C.
tem uma opinião particular: “Acho que ela também sofreu muito. Ela não
virou lésbica da noite para o dia; tem filhos criados, foi casada... Com
certeza também enfrentou muitas dificuldades”.
Dia a dia de casais comuns exige bem mais discrição, apesar do desejo de uma vida sem restrições
Mulheres que mantêm relacionamento homossexual elogiam cantora que assumiu namoro com uma jornalista
Mulheres que vivem relacionamento homossexual
dizem que, para pessoas comuns, se esconder ainda é opção para evitar
discriminação
Mulheres que mantêm relacionamento homossexual elogiam cantora que assumiu namoro com uma jornalista
Escondidas até na hora de denunciar
A maioria dos
casos que chegam ao Núcleo de Atendimento e Cidadania a Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais (NAC-LGBT), da Polícia Civil,
envolvem gays, travestis e transexuais. Juntos, eles somam 80% das
ocorrências. “Percebemos que, em relação aos gays, há um número menor de
lésbicas assumidas. Isso faz parte de um contexto patriarcal, em que a
mulher é criada para o casamento e é obrigada a seguir esses passos, por
se tratar de algo cultural. O homem gay geralmente tem mais coragem de
se expor”, afirma a supervisora do NAC, a delegada Margaret de Freitas
Assis Rocha.
A policial conta que, entre as vítimas atendidas, a
maioria sofre violência dentro da própria família. “São agressões,
ameaças. Normalmente, as mulheres que chegam aqui estão saindo da
adolescência até perto dos 30 anos, quando ainda há dependência dos
pais”, diz Margaret, que também é chefe da Divisão da Mulher, Idoso e
Portador de Deficiência. Embora a homofobia não seja considerada crime,
culmina em outras transgressões que ferem o Código Penal, como injúria,
ameaça e lesão corporal.
“Os diretos constitucionais do cidadão
de liberdade de expressão e igualdade têm que ser preservados”, afirma.
Criado há um ano e meio, o NAC atende reivindicação dos movimentos
sociais. Apesar de não funcionar como uma delegacia, orienta e acompanha
casos ligados à temática LGBT. “Infelizmente, quando essa população
chegava às delegacias comuns acabava sendo vitimizada novamente, pois é
reflexo de uma sociedade com preconceito muito grande”, conta.
SERVIÇO
Núcleo de Atendimento e Cidadania LGBT
Rua Paracatu, 822, Barro Preto – BH
(31) 3291-2931 ou 3291-3552
PALAVRA DE ESPECIALISTA »
Conflitos têm início em casa
Walkiria La Roche
Coordenadora especial de Políticas de Diversidade Sexual do estado
“A família é,
normalmente, a primeira instituição a violar o direito dos homossexuais.
É onde você recebe os valores, ensinam que homem tem que gostar de
mulher e vice-versa. Muitos são até mesmo violentados sexualmente, como
forma de mostrar o que é certo. Depois, há violações nas instituições
públicas e privadas, entre elas a escola, em que dificilmente se
trabalha a questão da diversidade. Dada essa complexidade, esse não é um
tema de que se possa falar com simplicidade. No caso das lésbicas, o
sofrimento é grande, pois envolve a violência de gênero. O fato de a
cantora Daniela Mercury ter se assumido publicamente é uma referência
muito positiva, uma ação afirmativa. Mostrou ser uma mulher centrada e
talentosa, e nada disso tem a ver com a orientação sexual.
Evidentemente, cada pessoa tem seu tempo e seu momento e isso passa por
uma questão de estabilidade emocional e financeira.”
Fotos em rede social mostram momentos de Daniela Mercury e Malu Verçosa |
Sorrisos, beijos e abraços em fotos nas redes sociais que logo ganharam espaço na imprensa mostram Daniela Mercury, cantora baiana de 47 anos, assumindo publicamente um relacionamento amoroso com a jornalista Malu Verçosa. Rapidamente elas receberam milhares de manifestações de apoio e votos de um casamento feliz. Mas, bem longe do cotidiano de celebridades como a estrela do axé estão mulheres comuns, Danielas que vivem ao lado de suas namoradas ou companheiras a mesma vontade de expressar seus sentimentos e receber felicitações. Ou ,pelo menos, de viver sem discriminação. Mas, ao contrário, convivem com medo, incerteza e preconceito. E, segundo especialistas, até mesmo temendo levar essa insegurança a público. Tanto que, dos 453 acompanhamentos feitos no ano passado pelo Núcleo de Atendimento e Cidadania a Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (NAC-LGBT), da Polícia Civil, apenas 9% são casos envolvendo mulheres.
A estudante V., de 30 anos, queria ter a liberdade de fazer um carinho na namorada, C., professora de 33, quando elas estão na fila do teatro. Às vezes, a carícia nos cabelos é automática, em outras causa apreensão ao casal. Juntas há pouco mais de quatro anos, elas ainda têm medo da exposição. “Tenho vontade de agir mais livremente”, afirma C., que evita redes sociais, para preservar a vida particular. Ela contou à família sua opção aos 24 anos. Foi difícil, disse, mas o tempo passou, ela foi paciente e os pais agora agem com mais naturalidade. C. diz que os parentes até se manifestam em favor das causas LGBT, algo difícil de imaginar em outros tempos. Mas essa realidade fica apenas entre os mais próximos. No trabalho, ninguém sabe que a professora é lésbica, e ela pretende que a situação continue assim.
V. se revelou para a família aos 19 anos, mas diz ainda sofrer com a falta de liberdade. “Você tem que ficar se vigiando o tempo inteiro, o que vai falar, não pode passar a mão no cabelo da outra pessoa, porque olham diferente, parece até uma agressão. Se fosse uma amiga qualquer, ninguém interpretaria de forma negativa. É muito ruim”, disse. No bar, quando as duas saem para tomar uma cerveja juntas, as mãos se encontram debaixo da mesa. “É muito constrangedor. Seria muito bom que as pessoas vissem de uma forma natural.” Mesmo com os desafios, elas pensam em se casar e em criar um filho. “É uma pessoa que nunca imaginei que fosse encontrar, queremos viver o máximo de tempo juntas”, declarou V.
Jailane, servidora pública de 26 anos, e Ana Carolina, professora de 25, enfrentaram família, levantaram a bandeira, se mudaram para um apartamento na Região da Pampulha, em Belo Horizonte, e, juntas, criam um filho de 9 anos. Mesmo tão novas, sabem o que querem: “Somos uma família, com companheirismo, respeito, amizade e amor, que é fundamental”, disse Jailane. Até chegar a essa maturidade, encontraram percalços. O último deles há menos de um ano, quando em um bar os três juntos receberam a conta do garçom sem que a tivessem pedido. Questionaram e receberam a resposta: “Aqui é um ambiente familiar”. Se indignaram e rebateram: “Não estão reconhecendo uma família?”. Essa foi uma das várias vezes que foram expulsas de estabelecimentos. Em duas, chamaram a polícia. “No meu caso foi complicado assumir, mas foi bom quando decidi. Não poderia ficar me escondendo, existia algo maior, que é o amor”, contou Ana.
Em Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas, P., advogada de 49 anos, viveu incertezas, como Daniela Mercury. Foi casada por 25 anos, teve quatro filhos, mas não era feliz. Há quatro anos vive com a auxiliar de escritório P.V., de 28. “Você não pode viver negando quem é”, disse. Levar a público o que sentem ainda é difícil, dizem. “Fui agredida fisicamente e verbalmente quando assumi minha opção sexual, até mesmo por pessoas da minha família. Para meus filhos foi muito difícil. Eles ficaram um tempo afastados, mas agora temos uma boa convivência. Até hoje há pessoas que viram a cara quando me veem na rua”, contou. P. e P.V. criam juntas um filho de 2 anos, que chama ambas de mãe. “Temos uma família abençoada”, disse a advogada. “Ser gay, lésbica, bissexual não é vergonha. Precisamos continuar lutando para conseguir o respeito da sociedade”, completou.
CASAMENTO A técnica de enfermagem Vanderleia, de 34, e a companheira, Rivane, de 40, moram em Montes Claros, no Norte de Minas. Na segunda-feira elas pretendem oficializar a união no cartório da cidade. Rivane assumiu a homossexualidade há apenas três meses, quando o relacionamento começou. Elas tentam não se importar com o que os outros falam, mas sofrem. “Por causa dessa resistência, precisamos ser comedidas nas manifestações de carinho em público”, disse a técnica de enfermagem, que, aos 22 anos se casou com um homem. A relação, porém, durou apenas quatro anos.
Todas as mulheres que contaram suas histórias concordam com a atitude da cantora baiana. Acreditam que a revelação vai contribuir para a diminuição da homofobia e dos crimes de preconceito. Mas a professora C. tem uma opinião particular: “Acho que ela também sofreu muito. Ela não virou lésbica da noite para o dia; tem filhos criados, foi casada... Com certeza também enfrentou muitas dificuldades”.
Dia a dia de casais comuns exige bem mais discrição, apesar do desejo de uma vida sem restrições |
Mulheres que mantêm relacionamento homossexual elogiam cantora que assumiu namoro com uma jornalista |
Mulheres que vivem relacionamento homossexual
dizem que, para pessoas comuns, se esconder ainda é opção para evitar
discriminação |
Mulheres que mantêm relacionamento homossexual elogiam cantora que assumiu namoro com uma jornalista Escondidas até na hora de denunciar A maioria dos casos que chegam ao Núcleo de Atendimento e Cidadania a Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (NAC-LGBT), da Polícia Civil, envolvem gays, travestis e transexuais. Juntos, eles somam 80% das ocorrências. “Percebemos que, em relação aos gays, há um número menor de lésbicas assumidas. Isso faz parte de um contexto patriarcal, em que a mulher é criada para o casamento e é obrigada a seguir esses passos, por se tratar de algo cultural. O homem gay geralmente tem mais coragem de se expor”, afirma a supervisora do NAC, a delegada Margaret de Freitas Assis Rocha. A policial conta que, entre as vítimas atendidas, a maioria sofre violência dentro da própria família. “São agressões, ameaças. Normalmente, as mulheres que chegam aqui estão saindo da adolescência até perto dos 30 anos, quando ainda há dependência dos pais”, diz Margaret, que também é chefe da Divisão da Mulher, Idoso e Portador de Deficiência. Embora a homofobia não seja considerada crime, culmina em outras transgressões que ferem o Código Penal, como injúria, ameaça e lesão corporal. “Os diretos constitucionais do cidadão de liberdade de expressão e igualdade têm que ser preservados”, afirma. Criado há um ano e meio, o NAC atende reivindicação dos movimentos sociais. Apesar de não funcionar como uma delegacia, orienta e acompanha casos ligados à temática LGBT. “Infelizmente, quando essa população chegava às delegacias comuns acabava sendo vitimizada novamente, pois é reflexo de uma sociedade com preconceito muito grande”, conta. SERVIÇO Núcleo de Atendimento e Cidadania LGBT Rua Paracatu, 822, Barro Preto – BH (31) 3291-2931 ou 3291-3552 PALAVRA DE ESPECIALISTA » Conflitos têm início em casa Walkiria La Roche Coordenadora especial de Políticas de Diversidade Sexual do estado “A família é, normalmente, a primeira instituição a violar o direito dos homossexuais. É onde você recebe os valores, ensinam que homem tem que gostar de mulher e vice-versa. Muitos são até mesmo violentados sexualmente, como forma de mostrar o que é certo. Depois, há violações nas instituições públicas e privadas, entre elas a escola, em que dificilmente se trabalha a questão da diversidade. Dada essa complexidade, esse não é um tema de que se possa falar com simplicidade. No caso das lésbicas, o sofrimento é grande, pois envolve a violência de gênero. O fato de a cantora Daniela Mercury ter se assumido publicamente é uma referência muito positiva, uma ação afirmativa. Mostrou ser uma mulher centrada e talentosa, e nada disso tem a ver com a orientação sexual. Evidentemente, cada pessoa tem seu tempo e seu momento e isso passa por uma questão de estabilidade emocional e financeira.” |
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