O grande circo místico, espetáculo criado
por Naum Alves de Souza, com trilha de Chico Buarque e Edu Lobo,
completa 30 anos. Nova versão do balé e filme de Cacá Diegues já estão
em produção
Ana Clara Brant
Estado de Minas: 06/04/2013
Quem diria, mas uma simples almofada de cetim
deu uma grande contribuição às artes do país e originou um espetáculo
antológico e uma trilha sonora que se tornou clássica: O grande circo
místico, que está completando 30 anos. O dramaturgo, cenógrafo e diretor
Naum Alves de Souza ganhou o presente curioso de uma amiga. Nele estava
estampado um pequeno trecho do poema O grande circo místico, de Jorge
de Lima e foi então que Naum se encantou. “Quando li aqueles versos
achei lindo e fui atrás do poema completo. Não conhecia nada do Jorge de
Lima. Aquilo era muito diferente. Mesclava circo, religiosidade,
mistério e achei que renderia um espetáculo”, recorda.
Anos
depois do episódio, o dramaturgo estava em Curitiba para fazer um
cenário para o balé Jogos de dança, do Teatro Guaíra, com músicas do Edu
Lobo. A parceria deu certo, pois o Guaíra queria um novo projeto. “O
Edu me perguntou se eu tinha alguma ideia em mente. Foi então que
pensei: ‘É a hora de viabilizar O grande circo místico’. Convidamos o
Chico Buarque para fazer as letras, o Edu na melodia e eu fiz as
ilustrações do disco e o roteiro do balé”, conta.
Naum acabou
ficando de fora da direção, a cargo de Emílio Di Biasi, com coreografia
de Carlos Trincheiras. O resultado foi extraordinário. A história de
amor entre um aristocrata e uma acrobata e a saga da família austríaca
proprietária do Grande Circo Knieps, que vagava pelo mundo, estreou na
capital paranaense em março de 1983 e depois percorreu o país por quase
dois anos. Depois de seu lançamento, foi assistida por mais de 200 mil
pessoas em centenas de apresentações, lotando espaços como o
Maracanãzinho, no Rio, chegando a Portugal.
Em 2002, o Teatro
Guaíra fez uma remontagem do espetáculo. Desta vez com coreografia de
Luís Arrieta. A música original de Edu Lobo e Chico Buarque foi revisada
pelos próprios a autores. Os figurinos foram de responsabilidade da
carnavalesca Rosa Magalhães. “Na verdade, o espetáculo nunca chegou
perto do que eu realmente queria. Na segunda versão refiz o roteiro, mas
ainda não foi o que havia pensado. A religiosidade foi deixada meio de
lado. Mas é importante destacar que O grande circo místico projetou
nacionalmente o Teatro Guaíra de Curitiba”, analisa Naum.
Formada
em letras, a parananse Deisily de Quadros apresentou dissertação de
mestrado em 2008, tomando como referência o poema e as gravações dos
espetáculos de 1983 e 2002. Deisily ficou impressionada como conseguiram
adaptar um poema para o teatro e ainda com dança, música e circo. “Era
uma época em que havia uma tentativa de popularizar o balé e de
abrasileirar também a dança. E abordaram essa questão tão forte na
história que é o místico, o transcendental. Acho que o espetáculo
sobrevive muito por isso, porque essa é uma busca eterna do ser humano”,
defende.
Canções A trilha sonora de O grande circo místico é um
capítulo à parte e, de certa forma, ganhou vida própria. Há quem até
defenda que ela ganhou mais projeção do que o próprio balé. “A trilha se
tornou imortal e só tem clássicos da nossa música. Tanto que as canções
estão aí até hoje. Contou com os melhores músicos, artista e
arranjadores e por isso foi e ainda é um sucesso”, comenta Naum Alves de
Souza. Todas as composições ficaram a cargo de Edu Lobo e Chico Buarque
e tiveram orquestrações de Chiquinho de Moraes.
Entre as
faixas, destaque para Beatriz, com Milton Nascimento; Sobre todas as
coisas, com Gilberto Gil; A bela e a fera, com Tim Maia, Na carreira,
com Chico e Edu; e A história de Lily Braun, com Gal Costa. A cantora
Jane Duboc interpretou Valsa dos clowns. Ela lembra com carinho das
gravações no estúdio da Som Livre, no Rio de Janeiro. Para ela, Chico e
Edu estavam inspiradíssimos e iluminados. “É uma obra-prima em todos os
sentidos, seja nos arranjos, letras, melodias, harmonia, tanto é que as
músicas estão aí e sempre são regravadas”, destaca.
Na tela
Depois
da dança, o cinema. O diretor Cacá Diegues já começou a produção do
longa-metragem O grande circo místico. O filme deverá ser rodado em
diversas regiões de Minas Gerais, a partir do fim do ano. Alguns atores,
como Lázaro Ramos e João Miguel, já estão escalados. O filme é uma
coprodução entre Brasil (Luz Mágica), Portugal e França.
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Emoções de Lily Braun
Carolina Braga
Curitiba – Se
depender do bailarino e coreógrafo Wanderley Lopes, a terceira versão do
balé O grande circo místico estreia ainda este ano. “Vamos fazer uma
leitura mais próxima do original”, garante. Wanderley tem cacife para
afirmar isso. Além de deter os direitos do espetáculo, há 30 anos ele
era o primeiro bailarino do Teatro Guaíra quando a montagem dirigida
pelo coreógrafo português Carlos Trincheiras estreou no palco do
Guairão.
Era ele, por exemplo, quem divida a cena com a
bailarina Eleonora Greca no belo duo de Beatriz, canção interpretada por
Milton Nascimento. “O que é legal do resgate é mostrar para quem não
viu, para as novas gerações, como aconteceu esse casamento entre o Balé
do Teatro Guaíra, Edu, Chico”, diz Wanderley. O grande circo místico foi
a terceira parceria entre a companhia paranaense e a dupla de
compositores.
A ideia foi do ousado Carlos Trincheiras, que
chegou ao Brasil disposto a vasculhar nossa cultura e colocá-la de
maneira contemporânea em cena. Para Wanderley, um dos acertos do
espetáculo foi a combinação certeira entre a dança e o teatro. “O
gestual, a fotografia, o gelo seco. Na época era o máximo”, lembra. A
montagem foi um divisor de águas na trajetória do Guaíra.
Memória
afetiva Não importa quem está cantando. Seja a voz de Gal Costa, Maria
Rita, Maria Gadu, todas as vezes que a bailarina Regina Kotaka escuta A
história de Lily Braun os movimentos voltam-lhe à memória. Foi ela quem
interpretou Lily Brown nas duas versões do balé. Aos 52 anos, ainda
integrante do Balé do Teatro Guaíra, Regina não tinha se dado conta de
que se passaram 30 anos desde a estreia da montagem. Ela tinha 22 anos
na época e lembra o quão espantados os bailarinos ficaram assim que a
trilha foi apresentada. “Porque ela não veio pronta. Chegavam uns
trechinhos só do Edu Lobo dando uma cantarolada do que seria a música. A
gente nem sabia quem ia cantar cada melodia”, recorda.
Quando
fala sobre a experiência, um sorriso não sai do canto da boca de Regina,
que se recorda das emoções que viveu no palco. “Nunca conseguimos fazer
O grande circo... sem bis no final”, conta. Sim, por incrível que
pareça, foram inúmeros pedidos de bis em um espetáculo de dança. “O
grande público não parava de aplaudir e às vezes a gente repetia três
vezes o final”, lembra. Para a bailarina, O grande circo místico é um
cheiro bom. “Não dá para ter maus pensamentos quando se pensa em um
cheiro bom. O circo também. Só tem boas lembranças”.
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