sábado, 6 de abril de 2013

A China deve liderar o diálogo com a Coreia do Norte? [Tendências/Debates]

folha de são paulo

LUIZ AUGUSTO DE CASTRO NEVES
TENDÊNCIAS/DEBATES
A China deve liderar o diálogo com a Coreia do Norte?
SIM
A escolha chinesa
O recente agravamento das tensões na península coreana é um problema recorrente, que se tem acentuado ao longo dos últimos anos.
Não se pode avaliar o comportamento da República Democrática e Popular da Coreia, nome oficial da Coreia do Norte, sem ter em mente a própria divisão da península em dois países em decorrência do armistício de 1953. Os enfrentamentos da Guerra Fria levaram à divisão de vários países onde foi impossível acordar um modus vivendi entre entre o Ocidente e o mundo socialista.
Assim, tivemos a criação de duas Alemanhas, de dois Vietnãs e de duas Coreias. O fim da Guerra Fria permitiu a absorção da República Democrática Alemã, socialista, pela República Federal da Alemanha, vinculada ao Ocidente; o Vietnã foi reunificado sob a égide do Vietnã do Norte, após uma longa e sangrenta guerra que levou à retirada dos Estados Unidos do Vietnã do Sul.
Na península coreana, o movimento foi ao contrário: foi uma guerra, igualmente sangrenta, primeiro enfrentamento armado da Guerra Fria, que levou à divisão da península em duas Coreias. No mundo de hoje, regimes como o da Coreia do Norte são produtos de uma época superada e o seu isolamento reflete essa realidade.
O caso da Coreia do Norte tem complexidades adicionais porque o armistício de 1953 foi apenas um cessar-fogo, uma suspensão das hostilidades, e até hoje não foi possível celebrar um tratado de paz entre as duas Coreias. A Coreia do Norte ainda está tecnicamente em guerra com o seu vizinho do sul e seus aliados, entre os quais os EUA.
Existe, ademais, uma percepção crescente de que a própria sobrevivência do regime de Kim Jong-un depende de uma radicalização crescente, que inclui a obtenção de armas de destruição em massa, como a bomba atômica. Essa percepção pode explicar a agressividade de Kim Jong-un, particularmente após a última rodada de sanções adotadas pela ONU em decorrência do teste nuclear norte-coreano em 12 de fevereiro último.
O jovem Kim também aparenta utilizar a sua belicosidade em relação aos EUA e à Coreia do Sul como uma forma de se afirmar perante a idosa cúpula militar norte-coreana.
As bravatas da Coreia do Norte sempre partiram da premissa de que uma eventual retaliação por parte da Coreia do Sul e dos EUA contaria com a mais decidida oposição da China, aliado essencial para a sua própria sobrevivência.
Na última rodada de sanções da ONU, contudo, a China juntou-se à ampla maioria condenatória, o que deverá ter aumentado a sensação de isolamento por parte da liderança norte-coreana.
Outra diferença na crise atual é a atitude mais afirmativa por parte da Coreia do Sul. No episódio do afundamento do navio sul-coreano Yeonpyeong, o então presidente Lee Myung-bak não reagiu à altura e passou uma imagem de fraqueza perante a Coreia do Norte. A atual presidente, Park Geun-hye, já anunciou desafiadoramente que em caso de uma confrontação, "o norte sofrerá muito mais do que o sul".
Além disso, setores conservadores sul-coreanos já estão defendendo publicamente que a Coreia do Sul adquira armas nucleares para enfrentar as ameaças da Coreia do Norte.
A crise, portanto, adquire contornos mais graves, pelo menos no plano retórico. A liderança da Coreia do Norte, cada vez mais isolada na comunidade internacional, busca na radicalização o caminho de sua própria sobrevivência e de seu regime. O risco é que essa linguagem belicosa possa provocar algum incidente que leve a enfrentamentos armados de consequências imprevisíveis.
O único ator que tem condições para persuadir os norte-coreanos a baixar o tom e voltar à mesa de negociações é a China. Resta saber o que os chineses preferem: o caos decorrente do colapso do regime de Kim Jong-un ou uma península coreana nuclearmente armada.




ARNALDO CARRILHO
TENDÊNCIAS/DEBATES
A China deve liderar o diálogo com a Coreia do Norte?
NÃO
Acúmulo de equívocos
Fosse ainda vivo, o teórico da propaganda política e da publicidade comercial Edward Bernays franziria o cenho diante das invectivas bélico-nucleares do governo norte-coreano contra o norte-americano.
Por outro lado, as reações de Washington à mobilização gigante e à declaração de guerra do país fundado por Kim Il-sung e dirigido por seu neto Kim Jong-un revelam inegável preocupação com uma das nove nações nuclearizadas do planeta.
Jamais se chegou a um consenso sobre a origem da divisão da península coreana durante a Conferência de Potsdam (1945): partira de Stalin ou de Truman? Curiosa proposta essa, de criarem-se duas áreas de ocupação num país não beligerante.
Na prática, a divisão territorial de um povo muito antigo acoplada às explosões atômicas de Hiroshima e Nagasaki e às invasões soviéticas da Manchúria e do Japão marcaram o início da Guerra Fria. Na prática, convém repetir, porque a tomada de Berlim e a mentalidade antianarquista e anticomunista reinante nos EUA não devem ser esquecidas nessa ontologia guerreira de disputas ideológicas em aparência, conquanto intrinsecamente estratégicas.
Os EUA se empenhariam desastradamente em "não perder a China", conceito vezeiro no Departamento de Estado, de modo que os ocupantes designados teriam de ser implacáveis. Até 1948, data oficial da desocupação, registraram-se massacres de mais de 200 mil pessoas. Os massacres de esquerdistas e social-democratas, já empregando "mão de obra" nacional, estão inscritos como ultrajes históricos dos coreanos. Já da ocupação soviética ao norte comenta-se pouco, salvo quanto ao treinamento de tropas e entrega de equipamento militar.
Os norte-coreanos, e também multidões no mundo inteiro, forçoso reconhecê-lo, acham justo que, no processo de desenvolvimento nuclear, suas forças armadas contem com armas e explosivos originados em tais pesquisas.
Em outras palavras, como os cinco do Conselho de Segurança das Nações Unidas não puseram cobro ao aperfeiçoamento de seus artefatos nucleares, outros países asiáticos -Índia, Paquistão, Israel e RPDC (República Popular Democrática da Coreia)- decidiram adotá-los. Com a saída da última do TNP (Tratado de Não Proliferação) em 2006, nenhum deles se vê obrigado a proibir os engenhos, mas só um é sancionado, a Coreia do Norte.
O problema central da questão coreana é o da sua reunificação: duas ocupações depois de 1945, uma guerra em que pereceram 2,5 milhões de civis, um armistício com o sul que acaba de ser denunciado e uma fronteira tida como "desigual" pelo norte, na verdade, tornaram-se empecilhos menores que o causado pela falta de negociações de Pionguiangue (Pyongyang, em grafia prosódica inglesa) com Washington. Não que inexistam contatos.
Há, porém, equívocos, que se acumulam nas incursões diplomáticas que houveram. A militarista RPDC tem opositores em Washington, e não apenas nas hostes mais acirradamente anticomunistas dos republicanos: o Pentágono, eis aí.
Se a China é crescentemente visada e a Rússia passou a dispor de prioridades nas pranchetas de planejamento militar dos EUA, não é difícil inferir-se que o regime sem par da RPDC, verificando que é, mais que abandonado, acuado com severíssimas sanções das Nações Unidas, reage conforme suas prementes necessidades de fazer-se valer perante o mundo.
A questão coreana é um tema que merece mediações, envolvendo Washington principalmente, Moscou, Pequim, Seul e Tóquio. Por que não encarregar do assunto emissários especiais de países não nuclearizados e fora dos esquemas de alianças defensivas? Por que não um membro do mecanismo Brics?
Afinal, o vienense Edward Bernays precisa do seu merecido descanso, após 104 anos de existência.

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