Estado de Minas - 27/04/2013
O novelista, ensaísta, roteirista,
ex-editor e ex-professor de literatura Alan Pauls, argentino apesar do
nome de ascendência alemã, foi festejado por ninguém menos que Roberto
Bolaño, quando Pauls mal estreava e Bolaño vivia seus últimos dias. Não é
preciso mesmo muito tempo para dar-se conta de que se trata, o autor de
A vida descalço, de um dos mais importantes autores latino-americanos
em atividade. A primeira das razões – em se tratando de um escritor – é o
estilo, aquoso, soma de um exuberante fôlego para a descrição com uma
capacidade proustiana de digressão. A segunda razão é que para o
argentino os “pequenos” temas (que em outras mãos dariam no máximo
contos, e breves) transmutam-se em grandes, alimentando novelas num
ritmo poroso (nenhum detalhe se lhe escapa), analítico e musical.
Alan
Pauls, que aliás cita Cortázar no livro, é da rara família dos que
reinventam a literatura, a nos fazer, leitores, testemunhas surpresas
com a novidade: “Então pode ser assim?”. Pode. A vida descalço é um
ensaio com uma toada ficcional porque memorialística. Se não lermos a
ficha catalográfica, chegaremos a um terço do volume incapazes de
definir se se trata de uma narrativa ou de ensaísmo. Claro: as pistas,
poucas mas consistentes, já se mostravam desde o começo, nas citações,
eventuais, de filmes, de autores. Porém, como a literatura contemporânea
promove a mescla de procedimentos de diversos gêneros, o tom evocativo e
a funda poesia imersa na emoção com que o narrador constata esse
planeta à parte – a praia – levam o texto a um registro mais que
singular, único: o de Alan Pauls. Um tecido verbal totalizante, capaz de
trazer à tona um mundo que nunca suporíamos submerso.
Longe, o mar
Essencial
destacar que na especificidade – marca maior do autor – a praia é o
território eleito, e por praia, a princípio, vem a visão do menino,
recorrente porque fundadora. Que visão pode ter uma criança que não seja
a fímbria da orla? Uma faixa de terra sedutora, a trazer a paz de um
murmúrio que do mar emana e que altera nossa audição, nossas vozes,
nossa percepção das coisas em volta. O mar é outra coisa, espaço além e
nervoso, e, embora faça parte da praia, está distante demais (e assim
ausente) dessa praia a que o escritor nomeia.
Por isso nela a
vida que há inclui o narrador (vida que o mar ameaçaria). E por isso
nessa praia a vida liberta pode ganhar terreno, descalça.
Alan
Pauls não fala apenas de uma praia, mas sobre mais de uma. Em mais de um
país. Praias em países quentes e praias em países frios. Com isso
afirma a universal particularidade que torna, mesmo as mais diferentes
praias, num espaço tão à parte no planeta. Chega a compará-las ao
deserto.
Longe da praia, em plena cidade, nossos movimentos são feitos mais de costume que de liberdade.
Definitivamente,
um modo absolutamente novo de escrever um ensaio, com a mente aberta ao
vasto céu da praia e os pés livres para correrem com os infinitos
parágrafos.
* Paulo Bentancur é escritor e crítico.
A vida descalço
. De Alan Pauls, tradução de Josely Vianna Baptista
. Editora Cosac Naify
. 96 páginas, R$ 45
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