sábado, 27 de abril de 2013

A meia-entrada obrigatória deve ser limitada? - Tendências/Debates

folha de são paulo

JUCA DE OLIVEIRA
TENDÊNCIAS/DEBATES
A meia-entrada obrigatória deve ser limitada?
SIM
Pela generosidade espontânea
É do ponto de vista de quem faz teatro profissional há mais de 50 anos que posso me manifestar.
O teatro é o mais pobre e carente dos espetáculos. E para complicar, temos os políticos, criaturas magnânimas e solidárias --desde que suas benesses se façam com o dinheiro e o sacrifício alheio.
Portanto por que não uma demagogiazinha para ganhar votinhos de estudantes? Por que não criar uma lei para que os atores sejam obrigados a cobrar apenas meia entrada de todo cidadão que estude, ou dos jovens de baixa renda?
Em todas as produções de que participei, fizemos sessões a preços populares (a nossa meia-entrada) por semanas ou meses, para lançar o espetáculo ou mantê-lo em cartaz.
Fizemos ensaios abertos, promoções para estudantes de todos os níveis, comerciários, operários, ingressos até 90 % mais baratos, vendas em ginásios, colégios, faculdades, cursinhos, fábricas, clubes e associações de bairro.
Por que o ator faz teatro? Fazemos teatro para melhorar o homem, torná-lo mais ético, mais íntegro, menos corrupto, menos predador e, sobretudo, mais solidário. A nossa meia-entrada é confraternização, é a natureza do nosso trabalho.
Portanto, apesar de a bilheteria ser a fonte de sobrevivência do ator e do autor ao longo dos séculos --Shakespeare já escrevia com os dois olhos na caixa registradora--, a meia-entrada vem de longe, de bem antes da inspiração dos políticos...
O curioso é que, ao impingir a atual meia-entrada, eles extinguiram a meia-entrada, punindo a generosidade de séculos, enquadrando a alma do teatro nos limites gelados de leis, advertências e punições eventuais. Como se fôssemos personagens de licitações públicas.
A meia-entrada imposta engendrou algo desconhecido no teatro até então, ou seja, a quase extinção da empatia, a identificação mágica ator-espectador; criou-se a suspeita de que o palco, sempre pobre e deficiente, poderia estar lesando a plateia, ou a plateia lesando o palco. Ou os atores mentindo sobre a lotação do teatro ou os estudantes falsificando credenciais, ou o teatro elevando os preços dos ingressos pra sobreviver aos custos.
Ora, o estudante, o jovem, sempre foi prioridade para nós, por ser ele a base essencial na formação de plateias e elevação cultural.
Porque, acima de tudo, aprendemos com os jovens! O artista só avança se for capaz de se reciclar por meio do jovem. A arte é jovem. Precisamos dos jovens.
Vamos encarar a coisa como ela é. A meia-entrada, por força da lei, é algo absurdo; ela só deveria ocorrer no caso de concessões públicas, como o transporte, por exemplo.
Nós do teatro, a mais pobre e frágil das artes do espetáculo, concedemos a meia-entrada, como sempre fizemos, sem a instrumentalização do Estado, porque esse intercâmbio é o espirito do teatro e a razão da sua sobrevivência. Então por que esse tipo de intromissão política?
Esse procedimento me leva à uma pergunta óbvia: se a magnanimidade dos parlamentares foi tão objetiva e direta ao invadir nossas parcas bilheterias, por que ela não é extensiva às necessidades essenciais, além do espetáculo teatral?
Por que não "meia-consulta médica", "meio-pãozinho de queijo", "meia-cesta básica" nos supermercados? "Meia-cerveja" nos botequins, que afinal ninguém é de ferro! "Meio-carro", "meia-moto" para o estudante se safar da tragédia dos congestionamentos?
E, finalmente, para cimentar o elevado desprendimento do nosso político em favor do cidadão comum, por que não o "meio-salário parlamentar"?


    PABLO ORTELLADO E LUCIANA LIMA
    TENDÊNCIAS/DEBATES
    A meia-entrada obrigatória deve ser limitada?
    NÃO
    Direito sem ordem de chegada
    Dois projetos de lei em tramitação no Congresso propõem a regulamentação nacional da meia-entrada para estudantes em atividades culturais e esportivas --a qual já existe em alguns Estados.
    A concessão de meia-entrada é criticada por empresários e produtores com base em dois argumentos.
    O primeiro é o de que essa política seria uma ingerência sobre a atividade empresarial, pois obrigaria o setor privado a subsidiar os ingressos dos estudantes. O segundo é o de que os preços dos ingressos estariam sobrevalorizados para cobrir os custos de uma grande quantidade de meias-entradas fraudadas.
    Para lidar com esses problemas, os projetos propõem uma cota de 40% dos ingressos para meias-entradas. Além de equivocada nos seus pressupostos, essa medida viola o princípio da universalidade do direito e gera grandes iniquidades.
    A alegação de que as políticas de meia-entrada interferem na administração das atividades empresariais, obrigando o setor privado a fazer política pública, não procede.
    A política de meia-entrada introduz um mecanismo de subsídio cruzado no qual os consumidores adultos subsidiam o consumo dos jovens e dos idosos --setores com renda significativamente inferior.
    Ao estabelecer sua política de preços, o empresário nada mais faz do que transferir os custos da meia-entrada para os não beneficiados. Quem subsidia o benefício, portanto, são os consumidores adultos.
    Por outro lado, a queixa de que a fraude é disseminada parece ser verdadeira. As propostas em votação criam uma identidade estudantil com cadastro e emissão controlados por entidades estudantis.
    Outra possibilidade, mais justa, seria retomar a proposta defendida nas discussões iniciais do Estatuto da Juventude de conceder o benefício a todos os jovens independente do vínculo estudantil, já que o sistema de identificação por idade é mais difícil de ser fraudado.
    Mais do que evitar fraudes, a ampliação do benefício para todos os jovens incluiria aqueles que não têm acesso ao ensino superior, que são os mais vulneráveis não apenas do ponto de vista da idade como também da classe social.
    O principal argumento para limitar a meia-entrada a 40% dos ingressos é o de que existe uma grande desproporção entre quem paga o preço cheio e quem paga a metade, o que, na prática, duplicaria o preço dos ingressos. Com a limitação, empresários argumentam que o preço dos ingressos poderiam ser reduzidos em 35%.
    No entanto essa promessa parte da falsa premissa de que os preços são apenas decorrência dos custos. Na verdade, em uma economia de mercado, os custos só determinam o patamar mínimo dos preços, e o valor efetivamente praticado é aquele que maximiza os rendimentos.
    Como os consumidores estão acostumados ao patamar de preços atual, o valor economizado com a limitação das meias-entradas tende a ser convertido em lucro empresarial --foi o que aconteceu com a isenção de PIS/Cofins concedida ao setor editorial em 2004: as editoras prometeram redução dos preços dos livros, mas os preços permaneceram os mesmos, e o valor da isenção foi incorporado pelas empresas.
    Além de provavelmente não baratear os ingressos, a limitação das meias-entradas substituiria um mecanismo coerente e justo de subsídio cruzado pelo princípio de que os últimos subsidiam os primeiros.
    Se é verdade que em alguns eventos juvenis o percentual de meias-entradas chega a 80% dos ingressos, então, com a cota, os primeiros 40% que teriam direito ao benefício seriam subsidiados não pelos adultos que têm mais renda, mas por outros jovens, nas mesmas condições, que perderam seu direito apenas porque chegaram tarde.

      Nenhum comentário:

      Postar um comentário