Após ser aliciado por amigo, costureiro que passou 3 anos em condições análogas à escravidão no Equador vem para o Brasil como imigrante ilegal
RESUMO - Natural de Bangladesh, o costureiro Abdul Hoque, 39, é um exemplo dos novos imigrantes que têm entrado ilegalmente no Brasil pelo Peru. Antes de chegar, aliciado por um amigo, trabalhou três anos em situação análoga à escravidão no Equador. No abrigo improvisado pelo governo do Acre em Brasileia, foi difícil se relacionar com os imigrantes haitianos. No último dia 18, Hoque partiu de ônibus para SP.REYNALDO TUROLLO JR.ENVIADO ESPECIAL A BRASILEIAConfio em todo mundo, e as pessoas sempre me põem para baixo, me arrumam problemas. Como muçulmano, aprendi que você tem de confiar nas pessoas. Se lhe traírem, Deus irá puni-las.
Vivi em Comilla, Bangladesh, até 1997. No meu país, 10% são hindus, 5% cristãos e o restante é muçulmano. Bangladesh é um país muito pequeno, de população muito grande e muita corrupção.
Em 1997 fui trabalhar em Durban, na África do Sul, como costureiro. Fazia calças, camisas, estava indo muito bem. Cheguei a ter meu próprio negócio. Penso que nunca deveria ter saído de lá.
Em 2009, fui ver minha família depois de quase 12 anos na África. Um amigo me convenceu de que poderia fazer no Equador o mesmo trabalho que fazia em Durban, só que ganhando muito mais.
Antes de ir ao Equador, me casei, porque minha família achava que estava ficando muito velho. Mas fui sozinho, de avião, de Bangladesh a Dubai. Passei por São Paulo, Lima e, por fim, Guayaquil.
Cheguei em 2 de janeiro de 2010. Quando vi, estava num quartinho com um banheiro e 45 pessoas dentro.
Fiquei confuso, só chorava, não imaginava aquilo. Tiraram meu passaporte, não podia sair à noite. Recebia US$ 240 por mês para costurar mochilas, bolsas.
Vivi três anos assim, costurando em Guayaquil. Como não conseguia mandar dinheiro, minha mulher causava problemas para minha família, então me divorciei.
Outro amigo de Bangladesh, que estava em Guayaquil como eu, veio para o Brasil. Na última vez que falei com ele, já em Brasileia, ele disse que estava em uma granja em São Paulo.
Ele disse que tenho que esperar, ser paciente, mas nestas condições, com cheiro de cocô e xixi espalhado em todo o abrigo, é difícil.
Há muitas pessoas de Bangladesh no Brasil, mas a maioria vem com visto. Acho que do Equador, cruzando a fronteira do Peru, vieram mais ou menos 50.
Vim de ônibus de Guayaquil a Lima e tomei outro ônibus até a fronteira. Entrei por Assis Brasil (AC), às 4h, em 8 de março. Tinha um haitiano no táxi comigo. Paguei quase US$ 1.000 para vir do Equador até aqui. Em Lima, paguei mais US$ 100 à polícia.
O pior de tudo desde que cheguei foi esperar um mês pelos documentos. Agora tenho CPF. Quero trabalhar na indústria de roupas, tenho experiência de 18 anos. Gosto do trabalho bem-feito, não só fazer por fazer.
Gosto das pessoas no Brasil, não posso reclamar. Tratam todo mundo bem, cristãos, muçulmanos. Só a convivência com os haitianos no abrigo é difícil. Eles brigam por comida e água e tomam banho sem roupa [camisa].
Eu não faço isso, porque se você for sete metros para baixo da terra, Deus ainda assim pode ver o que está fazendo. Alguns senegaleses [também muçulmanos] e eu vamos a um hotel. Pagamos apenas pelo banho e o banheiro.
Durmo só três ou quatro horas por noite, por causa do barulho, da música alta dos haitianos. Quando vou dormir, vejo se não incomodo ninguém com meus passos.
Eu deveria orar às 5h, às 13h, às 16h, às 17h30 e às 20h30, mas no alojamento não consigo, por causa do cheiro de xixi e da sujeira [causados pela superlotação]. Não dá para abaixar naquele chão para rezar.
Preciso ser paciente. Amanhã [último dia 18] estou indo para São Paulo de ônibus. Vou encontrar meu amigo. Já comprei passagem. Hoje [17] vou passar minha última noite em Brasileia no hotel.
Se Deus ajudar, quero ir a Bangladesh só por períodos de três meses, para visitar minha família e voltar para trabalhar no Brasil. Se as coisas correrem bem, posso até conhecer uma mulher aqui e me casar de novo.
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