Pianista ucraniana Valentina Lisitsa se
tornou fenômeno no universo da música de concerto por sua técnica e pela
utilização da internet como instrumento de divulgação do repertório
erudito
Carolina Braga
Estado de Minas: 27/04/2013
De janeiro até março, a pianista ucraniana
Valentina Lisitsa lançou pelo menos três álbuns dedicados à obra do
russo Rachmaninoff. Ainda este ano, outros três CDs, com peças do mesmo
compositor, ainda estão por vir, isso sem contar recitais e concertos
que faz ao redor do mundo. O ritmo acelerado de produção condiz com a
imagem da mulher forte, que ela de fato é. Mas se engana quem pensa que a
pianista nascida em Kiev, em 1973, seja a materialização do clichê que
ronda os músicos eruditos. Ou seja, uma figura sisuda, de vocabulário
difícil e ideias herméticas.
De sorriso fácil e aberto, a loira
de grandes olhos azuis que passou por Belo Horizonte para recital na
terça-feira, faz parte da turma, digamos, mais pop da seara erudita.
Sim, além de Rachmaninoff, ela se dedica com afinco às criações de
Liszt, Chopin, Beethoven, entre outros. Pelo estilo de sua interpretação
vem sendo chamada pela imprensa internacional de “fenômeno” ou
“pianista diferente”, como publicou o britânico The Guardian. Não deixam
de ser termos adequados.
O diferencial se dá na maneira como
toca, mas também na postura artística. Descontada a absoluta
tranquilidade como toca o piano, independentemente da complexidade da
obra, Valentina fala com desenvoltura dos mestres eruditos na mesma
medida em que recorre ao exemplo dos Beatles para descrever o que é
clássico. “Música clássica não é difícil. Não é elitista. É somente
sobre nós mesmos”, explica. E tem mais: a cada novo concerto lá está ela
no YouTube explicando o que vai fazer e também dando uma pequena
amostra. Já virou rotina.
Só na plataforma de vídeos da internet
tem 84.302 inscritos. No Facebook são outros 31 mil seguidores. Este é
um dos diferenciais da artista. Sem refutar a paixão pela música feita
há 300 anos, ela abusa das plataformas on-line para dizer ao mundo que a
música clássica não deveria ser posta em um pedestal. Pelo contrário.
“É clássico porque interessa a todos. Não é só porque foi feito há
séculos”, diz.
Valentina Lisitsa torce o nariz quando lembra o
quão conservador ainda é o ambiente que costuma frequentar. Mesmo assim,
ela joga o jogo. A cada concerto, veste seu longo e mantém a tradição.
Mas ao contrário de muitos colegas, quando está afastada dos holofotes
dos palcos, a atuação que tem na internet demonstra como está disposta a
contribuir para, pelo menos, transformar a tradição. Para a pianista,
falar com o público de hoje não é muito diferente da época de Franz
Schubert. “A linguagem que usamos é a mesma”, defende.
Expressão
Desde
que começou a tocar, Valentina diz ter tido muito clara a ideia de que
se tratava de uma forma de expressão como qualquer outra. “Sempre quis
compartilhar com as pessoas porque amo a música. Você pode dizer tantas
coisas por meio dela. Coisas que você tem vergonha ou medo de dizer.
Você pode expressar amor e ódio”, diz. O primeiro contato com o piano
foi aos 3 anos. Aos 4, realizou o primeiro recital solo.
Passou
pelo Conservatório de Kiev, onde conheceu o marido Alexei Kuznetsoff,
também pianista. Juntos conquistaram vários prêmios, como a competição a
duas mãos da Fundação Murray Dranoff. Em paralelo, Lisitsa se
apresentou com orquestras do mundo todo, entre elas a Orquestra de
Câmara de Praga e a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp).
Nos
estúdios, gravou oito álbuns para a Audiofon Record Company e um DVD
com os 24 estudos de Chopin. Temas de Schubert e Liszt também foram
registrados em vídeo, assim como a gravação de obras-primas de Ravel e
Liszt.
Ainda que lá no início sonhasse ser jogadora de xadrez, o
currículo mostra que pouco a pouco foi conquistada pela música e assim
assumiu a missão de compartilhar emoções. “De que vale a música se não
tiver alguém para ouvir? Não tem graça tocar para você mesmo. O mágico é
a forma como dividimos uma experiência”, avalia. Sendo assim, ela
radicaliza seus propósitos na medida em que explora as plataformas
digitais.
Valentina Lisitsa está segura de que a palavra de
ordem para lidar com a audiência de hoje é interação. Para ela, uma das
grandes balelas do senso comum é dizer que a música clássica está
morrendo porque só os velhos escutam. “Isso não é verdade, hoje em dia,
com toda tecnologia existente, as pessoas escutam música de uma maneira
como jamais ouviram”, assegura.
O desafio, enfatiza, está no
modo como a produção clássica se transforma. Pela análise de Valentina,
parte significativa da criação contemporânea tem sido absorvida pelo
cinema. “Uma coisa que sempre foi importante para as pessoas é a
melodia. Algo que você pode reconhecer instantaneamente. É o que marca
as músicas mais conhecidas e normalmente esses momentos são muito
simples. Acho que essa simplicidade está migrando para os filmes”,
propõe. Ela, no entanto, em seu repertório de concertos e discos, tem
preferido se dedicar aos compositores que já estão na história.
Rede erudita
O
canal de Valentina Lisitsa no YouTube é considerado um dos mais
populares entre os vídeos dedicados à música clássica. Além de trechos
de apresentações, a artista também usa o espaço para divulgar mais sobre
os compositores que interpreta e até brinca com eles. Em 1º de abril,
por exemplo, em meio ao lançamento da série de CDs dedicados a
Rachmaninoff, ela publicou um vídeo batizado “Eu odeio Rachmaninoff”.
Óbvio que era um chiste com o dia da mentira. Desde que foi criado, o
canal contabiliza mais de 30 milhões de visualizações.
Principais álbuns
» 1997 – Virtuosa Valentina!
» 2008 – Valentina
» 2011 – Charles Ives: four sonatas
» 2011 – Permit me voyage
» 2012 – Live at the Royal Albert Hall
» 2012 – Rachmaninoff: Piano concerto nº 2
» 2012 – Rachmaninoff: Piano concerto nº 3
» 2013 – Rachmaninoff: Paganini rhapsody
» 2013 – Rachmaninoff: Piano concerto nº 1
» 2013 – Rachmaninoff: The piano concertos
» 2013 – Rachmaninoff: Moments musicaux
» 2013 – Piano recital: Valentina Lisitsa
» 2013 – Rachmaninoff: Piano concerto nº 4
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