Projeto da Fiocruz mostra que incidência de doenças crônicas é igual para maiores de 60 anos
que vivem em pequenas cidades e nas metrópoles. País vai precisar cuidar de seus idosos
Celina Aquino
Estado de Minas: 21/04/2013
Interior é o
melhor lugar para envelhecer com saúde, certo? A crença está para cair
por terra com a soma de resultados do Projeto Bambuí, que há 15 anos
acompanha a população idosa do município localizado na Região
Centro-Oeste de Minas Gerais. Pesquisadores do Centro de Pesquisas René
Rachou, unidade em Belo Horizonte da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),
descobriram que a prevalência de doenças crônicas em pessoas acima de 60
anos que vivem na cidade com quase 23 mil habitantes é semelhante a de
grandes metrópoles. Ao que tudo indica, a realidade poderá ser
comprovada em muitas localidades no interior do Brasil e o estudo
servirá para derrubar o mito de que quem mora em capitais está mais
exposto a doenças. O próximo passo é analisar a influência genética na
saúde do idoso.
Iniciada em 1997, a pesquisa contou com a
participação de 92% dos idosos de Bambuí, o que corresponde a 1.606
habitantes. Além de retratar a incidência bem próxima de males de cidade
grande no interior, os dados evidenciam a fragilidade do sistema de
saúde brasileiro, ainda pouco preparado para lidar com o idoso. Para a
epidemiologista Maria Fernanda Furtado de Lima e Costa, coordenadora do
Projeto Bambuí, desenvolvido pelo Núcleo de Estudos em Saúde Pública e
Envelhecimento da Fiocruz, a situação é uma bomba-relógio. “O Brasil tem
o processo de envelhecimento mais veloz do mundo. O que na França
demorou 100 anos, aqui vai levar duas décadas”, destaca. A pesquisadora
se refere à inversão da pirâmide etária, já que o número de velhos em
breve ultrapassará o de jovens.
Na opinião da geriatra Karla
Cristina Giacomin, que foi presidente do Conselho Nacional dos Direitos
do Idoso de 2010 a 2012, o maior desafio da saúde pública no Brasil,
seja em cidades de interior ou capitais, é se estruturar para atender
pacientes com idade avançada, em vez de continuar focado apenas em
mulheres na idade fértil e crianças. “A sociedade compreende o
investimento do governo na infância e juventude, mas na velhice não. É
como se o envelhecimento fosse problema seu”, critica. A questão é que,
depois dos 60, aumentam as chances de o paciente ter pelo menos uma
doença crônica.
Assim como se observa na população ocidental
em geral, a doença mais comum entre os idosos de Bambuí é a hipertensão.
O que mais preocupa, no entanto, é a constatação de que 1/3 dos
hipertensos em tratamento não estão com a pressão sob controle. “O
acesso ao medicamento aumentou com a Farmácia Popular, mas a explicação
disso pode estar no fato de que a pressão alta não dá sintomas e o
paciente para de tomar medicamento sem orientação, ou interpreta que o
que tem não é doença. Falta um trabalho educativo”, analisa Maria
Fernanda.
O presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e
Gerontologia – Seção Minas Gerais (SBGG/MG) e professor da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), Rodrigo Ribeiro dos Santos, alerta que o
tratamento da hipertensão deve ser contínuo, seguindo orientação
médica, pois a oscilação de pressão traz malefícios ao paciente. “Além
de estar exposto a todos os riscos do descontrole da pressão, como
infarto, derrame e insuficiência renal, pacientes com mais de 80 anos
têm grande chance de desenvolver hipotensão ortostática, que é uma queda
de pressão ao mudar de posição”, explica. O mal estar que surge ao
deitar ou levantar pode provocar quedas, tão perigosas na velhice. O
geriatra observa que muitos pacientes deixam de tomar o medicamento,
principalmente na hora de sair de casa, com medo de ter uma crise de
incontinência urinária na rua.
AUMENTO DO DIABETES O Projeto
Bambuí evidencia outro dado alarmante: o número de diabéticos aumentou
18% de 1991 para cá. “A hipótese principal é de que a população está
engordando com uma alimentação inadequada e a falta de atividade
física”, pontua a pesquisadora da Fiocruz. De acordo com o presidente da
SBGG/MG, o idoso tem uma probabilidade maior de desenvolver o distúrbio
metabólico, principalmente se estiver acima do peso, porque tende a
manter níveis elevados de glicose no sangue. Para que o diabetes não se
manifeste em idade avançada, Santos defende a importância de um programa
supervisionado de atividade física.
Vários estudos indicam
que, mesmo que tenha sido sedentário a vida toda, o paciente a partir
dos 80 anos consegue obter benefícios ao exercitar-se. Em relação à
alimentação, o geriatra recomenda a busca pelo equilíbrio. “Preocupa-nos
ver o idoso que não é obeso ser submetido a dietas restritivas e ficar
muito magro. Perder peso nesta fase aumenta o risco de mortalidade, pois
a resistência fica reduzida”, comenta.
Corte nacional
Está
previsto para começar em dois anos o Estudo Longitudinal da Saúde e
Bem-Estar dos Idosos Brasileiros, batizado de Elsi-Brasil. Assim como
ocorreu em Bambuí, na Região Centro-Oeste de Minas Gerais, pesquisadores
vão levantar dados que possam retratar as condições de saúde da
população nacional com mais de 60 anos. A pesquisa também será
coordenada pela epidemiologista Maria Fernanda Furtado de Lima e Costa,
do Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento da Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz). Inglaterra, Estados Unidos e Itália também
contribuirão para o desenvolvimento do estudo, que ainda depende da
parceria com os órgãos de fomento para ser iniciado.
Depressão e insônia são comuns
O que também
surpreendeu a equipe da Fiocruz foi a descoberta de que 20% da população
idosa da cidade mineira apresenta quadro de depressão, o dobro do que
se observa na população ocidental. “A doenças não mata, mas piora a
qualidade de vida e aumenta a taxa de mortalidade, já que acaba sendo
fator de risco para outras doenças”, pondera o psiquiatra Érico Castro
Costa, outro integrante do Projeto Bambuí. Os pesquisadores foram
responsáveis por diagnosticar a depressão, porque os idosos não tinham
noção de que estavam doentes, e sugerir a contratação de um psiquiatra
para o município.
A geriatra Karla Cristina Giacomin ressalta
que nem toda tristeza é sintoma de depressão, mas ela se preocupa com o
hábito comum de confundir a doença com o próprio envelhecimento. O
presidente da SBGG/MG Rodrigo Ribeiro dos Santos acrescenta que o
avançar da idade não está associado com a perda de capacidade de
realizar atividades do dia a dia. “Se a idosa parou de fazer o almoço de
domingo para a família, tem algo errado. Não é por causa da idade que
ela perdeu capacidade de cozinhar”, avalia. O geriatra alerta que a
depressão deve ser detectada o quanto antes. O idoso pode entrar em um
processo lento e progressivo de se isolar e ficar mais parado e, muitas
vezes, os parentes se deparam com a situação quando ele já está acamado e
sem sair de casa.
ENERGIA RECUPERADA A insônia também é queixa
preocupante: 39% dos idosos de Bambuí assumem ter dificuldade para
dormir, taxa semelhante à de Manhattan, em Nova York. “O problema é mais
universal que imaginávamos. Pensávamos que a região rural teria menos
distúrbio do sono que população urbana, mas o interior pode não ser como
a gente pensa”, afirma Maria Fernanda. O geriatra Rodrigo dos Santos
confirma que, à medida que envelhecemos, o sono tende a ser mais
superficial e o número de horas reduz, mas não existe regra para isso.
“Muito mais importante que o número de horas, é ver se a pessoa acorda
com a sensação de que recuperou todas a energias e está disposta para o
dia a dia”, esclarece. Na visão do médico, o grande problema em relação
ao sono é o uso inadequado de medicamentos para dormir. As fórmulas
podem interferir na memória, equilíbrio e deixar o idoso mais lento para
exercer as atividades básicas.
Para SantosG, é fundamental
que idoso seja acompanhado por profissionais com capacidade de gerenciar
a saúde como um todo, e que não ofereça atendimento fragmentado. “Bem
diferente de tratar hipertensão ou diabetes em adulto jovem, que é forte
e com capacidade funcional plena, é atender paciente idoso, mais frágil
e com chance de ter que usar mais de um medicamento”, diz. Santos
lembra que a adoção de hábitos saudáveis e medidas preventivas devem
começar muito antes de a velhice chegar. “É durante a vida toda, desde a
mãe gestante até o envelhecimento.”
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