Há gente que fala duas horas ou mais, sem a menor consideração pelas bexigas alheias
Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 21/04/2013
Durante
séculos croniquei diariamente: no máximo de 500 palavras, que chamava de
textículos. Tenho mais de 4,5 mil arquivados, a maioria em recortes
encadernados e o resto no computador. Infinitamente maiores que os 140
caracteres do twitter, que já nos deu o verbo tuitar, homônimo do
transitivo que significa “defender”, “proteger” e veio do latim tuitus,
como aprendi no Aulete/digital. Muitíssimo a propósito, você sabia que o
menor periquito brasileiro se chama tuitirica? O Forpus xanthopterygius
é encontrado no Peru, na Colômbia, em grande parte do Brasil, no
Paraguai e na Bolívia, com até 12cm de comprimento, o que faz dele o
menor dos nossos psitacídeos. O macho com azul na asa e no uropígio,
fêmea com cabeça e flancos amarelados. Minha proverbial (e elogiável)
pudicícia impede a transcrição dos outros nomes da tuitirica, que o
leitor pode encontrar em tuim no Houaiss.
Os tweets, como são
chamados os 140 caracteres do twitter, criado em março de 2006 por Jack
Dorsey (outro dia!), explodiram no planeta em que todos se queixam da
falta de tempo para ler textos grandes. Agora, surgiu outro negócio
inventado por um menino inglês, pequeno gênio que vendeu sua invenção
para o Yahoo por US$ 30 milhões. Parece que tem gigantescos 400
caracteres. Para que o leitor faça ideia, esse parágrafo, de “Os tweets”
até “400 caracteres”, tem 326 caracteres. É no negócio inventado pelo
gênio britânico que os jornalistas estão recebendo as sínteses do
noticiário mundial, antes de se aprofundar nos assuntos dos respectivos
interesses. Realmente, o poder de síntese sempre foi muito valorizado,
salvo nos discursos acadêmicos. Há gente que fala duas horas ou mais,
sem a menor consideração pelas bexigas alheias. Recentemente, jovem
filósofo brasileiro, que fala uma porção de idiomas, recheou seu
discurso de posse na Academia Brasileira de Letras (ABL) com a citação
de trechos de autores gregos, latinos, alemães, franceses e ingleses nos
respectivos idiomas. Ninguém entendeu nada e o recipiendário foi
aplaudido com vivo entusiasmo. Redatores da revista Reader’s Digest
sempre foram bem-amados e remunerados por seu poder de síntese. E isso
nos anos em que as pessoas tinham tempo para ler. Estou, como dizia
conhecido empresário mineiro, num “diadema retrós”, sempre que se via
num dilema atroz.
Cada Tiro e Queda tem, em média, 850 palavras
ou 4,4 mil caracteres sem espaços, 11 vezes o tamanho do treco inventado
pelo menino inglês. Que fazer? Não sei como reduzir este philosophar a
400 caracteres. Até pelo contrário, se pudesse passaria das mil palavras
diárias, porque escrever é, antes e acima de tudo, um divertimento.
Dir-se-á que os muito jovens não me leem e cabe a pergunta: será que têm
tempo de ler um twitter de 140 caracteres? Tenho notícia de uma
leitora, corintiana, paulista residente em BH, de 19 aninhos. Se você
tem menos que 19 primaveras e me lê, dê notícia do fato espantoso, por
favor, para o e-mail desta coluna.
Habitar
É
curiosa a reação das pessoas, quando forçadas a residir numa casa ou
apartamento em tudo e por tudo inferior às residências a que estavam
acostumadas. Sei disso, porque já me vi num quarto e sala de fundos, sem
elevador, em bairro periférico – e me conformei com o tombo financeiro e
social. Esse conformismo explica os bilhões de terráqueos que
sobrevivem em condições subumanas, até porque a quase totalidade não
conheceu condições menos ruins. De raro em raro faço um balanço das
casas em que vivi, sem computar os acampamentos de caça ou de trabalho,
que não ficavam em condições subumanas, mas tinham cobras à beça e nem
ao menos moitas de bananeiras como instalações sanitárias. A gente
sobrevive.
No momento, salvo pelo clima frio, estou melhor do que
mereço. Já estive bem pior e não foi há muitos anos: conformei-me. No
tal sala e quarto sem elevador, de fundos, emprestado, que data do
governo Collor de Mello, consegui sobreviver. E tive a fortuna de ser
contratado para escrever todos os dias. Tirante o ato amoroso, não há
nada mais divertido do que escrever sempre e muito. Deve ter sido por
isso que Lacan, segundo me contaram, teria dito que a escrita substitui o
sexo, ou, quando menos, compensa a sua falta, inevitável num cavalheiro
que não se chame Señor Abravanel, de nome artístico Sílvio Santos.
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