domingo, 21 de abril de 2013

Japoneses criam método capaz de apontar as imagens que uma pessoa vê enquanto dorme-Roberta Machado‏

Japoneses criam método capaz de apontar as imagens que uma pessoa vê enquanto dorme 


Roberta Machado

Estado de Minas: 21/04/2013 


Não importa se o cenário é fantástico ou sensato, se os detalhes são vívidos ou se tudo é esquecido assim que se abrem os olhos. As imagens dos sonhos são tão reais para o cérebro quanto as que vemos enquanto estamos acordados. Essa é a descoberta divulgada por um grupo de pesquisadores japoneses recentemente na revista Science. Segundo eles, a confusão que a mente faz entre os dois tipos de visão não apenas revela um aspecto realista do mundo onírico como também abre as portas para a leitura dessas “fantasias”. Em um experimento inicial, os autores do trabalho conseguiram traduzir, com 60% de precisão, o conteúdo dos sonhos de três voluntários usando os sinais captados por uma máquina de ressonância magnética funcional comum.

Enquanto dormiam, os voluntários tiveram a atividade cerebral medida pelos pesquisadores do Instituto de Ciência e Tecnologia de Nara e do Laboratório ATR de Neurociência Computacional, de Kyoto. Assim que o monitor acusava sinais da ocorrência de um sonho, os dorminhocos eram acordados e questionados sobre o que tinham visto durante o sono. Cada pessoa passou por esse procedimento ao menos 200 vezes, depois de várias sessões realizadas ao longo de 10 dias. 


O passo seguinte foi montar uma lista de palavras-chaves que representavam temas recorrentes nos sonhos de cada voluntário a partir dos relatos. De uma descrição como “eu vi uma pessoa, e era como uma cena em que eu escondia uma chave entre uma cadeira e uma cama, e alguém a pegava”, por exemplo, eram anotados os termos “pessoa”, “chave”, “cadeira” e “cama”. Todas as palavras obtidas por esse método foram, então, reunidas em diferentes grupos, sendo que cada participante originou cerca de 20 categorias de temas próprios.


Na segunda fase da pesquisa, os participantes do estudo tiveram o cérebro monitorado enquanto estavam acordados e viam, em uma tela, imagens que costumavam aparecer em seus sonhos. Os padrões mentais capturados pela ressonância magnética nessa fase foram inseridos em um computador que relacionou cada sinal cerebral a um objeto. 


Dessa forma, o programa “aprendeu” a linguagem dos sonhos de cada voluntário. Mais tarde, quando os voluntários voltaram a ser monitorados enquanto dormiam, o algoritmo podia receber um sinal cerebral e indicar que imagem estava passando pela cabeça da pessoa naquele instante. O índice de acerto foi de 60%.

Padrões de sonho “Os padrões identificados pelo decodificador são muito complicados, mas ele é treinado com dados de imagem antes do sono e nos dá conteúdos muito consistentes”, afirma Yukiasu Kamitani, autor do artigo. A tradução feita pela máquina só é possível porque os padrões cerebrais detectados quando algo é visto de verdade e aparece em um sonho são muito parecidos. “Também descobrimos que cada área é boa para decodificar um tipo específico de conteúdo”, acrescenta Kamitani.


Para o especialista Sidarta Ribeiro, um dos representantes brasileiros na área de estudos dos sonhos, o grande trunfo da equipe japonesa foi reduzir o universo de temas observados com base na recorrência de pensamentos naturais de cada voluntário. “É uma coisa muito inteligente, um bom uso das redes semânticas. Assim, consigo chutar melhor do que quando tento descobrir por acaso a categoria com a qual a pessoa sonhou”, elogia o professor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).


No entanto, os resultados apresentados pelo grupo de Yukiasu Kamitani ainda estão longe dos monitores de sonhos retratados em filmes. A técnica japonesa se resume a apontar quais temas estão envolvidos em cada sonho, sem especificar as características das visões noturnas. “Eles conseguem falar que alguém sonhou com uma pessoa, mas não dizer com qual pessoa”, aponta. “Ainda está muito longe de ler o sonho literalmente. Mas, por outro lado, mostra que é possível”, pondera. Para o especialista, a tecnologia pode ser útil para pessoas que sofram de estresse pós-traumático e tenham pesadelos recorrentes. Mesmo que esses pensamentos sejam reprimidos, um decodificador de sonhos poderia revelá-los para análise em uma sessão de terapia.

Mistério antigo O pensamento gerado durante o sono é um antigo mistério para a ciência, pois o sonho tende a ser uma mistura desconexa de lembranças e emoções que nem sempre é registrada pela memória. “Esse trabalho pode ser um campo interessante de investigação neurobiológica dos sonhos. Segundo alguns estudos com ressonância magnética funcional, certas partes do cérebro se ativam no sono. O que é problemático é entrar no conteúdo”, avalia Luciano Ribeiro, neurologista do Instituto do Sono de São Paulo.


Ele, contudo, diz que as imagens decodificadas pela equipe japonesa se assemelham mais a alucinações do que a sonhos propriamente ditos. Acordados a cada 10 minutos, os voluntários mal tiveram tempo de descansar, quanto menos de atingir a fase mais profunda do sono, o período REM (sigla em inglês para “movimento rápido dos olhos”). “Logo ao adormecer, a pessoa pode ter um tipo de sonho, mas é mais alucinatório. O sonho mesmo é uma consciência diferente, que vai aparecer em uns 90 minutos”, esclarece.

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