Qual a coisa mais preciosa do mundo? Não é dinheiro, nem amor, nem poder, e vou dar uma pista: não tem forma, nem cheiro, nem cor, não pode ser emprestada, nem dada, nem comprada. Não se vive sem, mas muitos fazem bobagens, um dia precisam dela para viver, mas aí pode ser um pouco --ou muito-- tarde. Adivinhou?
As pessoas começam a fumar cedo: porque é moda, para mostrar que não seguem as modas, ou por qualquer coisa tão boba quanto. Aconteceu comigo.
Fumei todos os cigarros a que tive direito, e houve um momento em que escadas e ladeiras viraram um verdadeiro suplicio. O curioso --e trágico-- é que nunca nenhum amigo (e foram muitos), ao me ver assim, me disse que o problema era o cigarro.
E como eu não sabia, quando parava para descansar, num café ou num banco de rua, relaxava fumando mais um cigarro, ai ai.
Há alguns anos fiquei mais ou menos e parei, claro. Quando voltei a me sentir bem, achei que fumar um cigarrinho ou dois não me faria nenhum mal, e tive pequenas recaídas. Como sou ansiosa, e se puserem uma caixa de chocolates perto de mim vou comer até o último, com os cigarros é a mesma coisa --sem comentários.
Comecei então a inventar pequenos truques: comprava dois cigarros no varejo, na banca de jornais; à noite, se fosse preciso, comprava mais dois. Dessa forma, eu achava que havia vencido o vicio, mas se algum amigo tirava um maço do bolso eu me atirava como se fosse a mais miserável viciada em crack.
Houve vezes em que, num restaurante --no tempo em que ainda se fumava em restaurantes-- eu via alguém fumando, chegava perto e dizia, na maior simplicidade, "eu deixei de fumar, será que posso filar um cigarrinho?"
Não há maior solidariedade do que entre viciados, sejam eles em cocaína, heroína, ou nicotina. As pessoas a quem eu pedia um cigarro eram todas simpáticas, nunca nenhuma delas me disse não; sempre sorrindo, cúmplices, compreensivas.
A vida foi correndo solta, até que em uma viagem a um país onde cigarros não são vendidos no varejo, comprei um maço. Foi o primeiro de muitos; voltei péssima, as coisas tinham ido além do limite. Tive medo, parei no tranco, mais uma vez, e entendi que com vícios não dá para brincar.
Hoje, quando vejo uma pessoa fumando na rua tenho vontade de parar, sacudi-la pelos ombros e contar o que foi o cigarro na minha vida. Mas lembro que quando ouvia um discurso contra o fumo, acendia um, só para provocar; como se pode ser tão idiota?
O cigarro é um vício traiçoeiro: custa barato, pode ser comprado em qualquer botequim, e não é crime. Além disso, é --aparentemente-- o companheiro na hora do estresse, da solidão, da festa, da tristeza, enfim, de todas as horas.
Eu me convenceria de que o cigarro não faz mal se visse, numa reunião de diretoria de um Marlboro da vida, quando são discutidas as novas técnicas de marketing para aumentar as vendas, todos fumando. Aliás, se fosse um só diretor, já me convenceria.
Dá para acreditar que alguém ponha um tubinho na boca, acenda e aspire, várias vezes por dia, sabendo que --é inevitável-- um dia vai sofrer de falta de ar?
Como eu dizia, a coisa mais importante que existe na vida não tem cheiro, nem forma, nem cor, e não se compra com dinheiro nenhum: é o ar que se respira.
P.S.: Quanto mais cedo você parar, melhor, mas é sempre tempo. Para mim, foi.
Danuza Leão, jornalista e escritora, aborda temas ligados às relações entre pais e filhos, homens e mulheres, crianças, adolescentes, além de outros assuntos do dia-a-dia. Publicou seu primeiro livro em 1992. Escreve aos domingos na versão impressa do caderno "Cotidiano".
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