O Estado de S.Paulo - 21/04/2013
O apresentador entra no palco, onde estão três cadeiras.
Apresentador – Boa noite. Teremos hoje o último debate da nossa
série Criacionismo ou Evolucionismo: Qual é a sua?. Afinal, fomos feitos
por Deus ou descendemos dos macacos? O debate desta noite é o que todos
estavam esperando, o que explica o auditório lotado e as cadeiras
extras. Durante toda a semana tivemos aqui embates memoráveis entre
defensores do criacionismo e defensores do evolucionismo, culminando com
o debate de ontem, entre Richard Dawkins e o padre Rossi, que foi
abandonado por Dawkins aos gritos de “Não. Não!” na metade, quando o
padre Rossi ameaçou cantar.
E quem poderá esquecer o debate de quarta-feira sobre racionalismo
empírico versus dogmatismo religioso entre Rene Descartes e Blaise
Pascal, o desentendimento que começou quando Descartes confundiu “dogma”
com “dogman” e perguntou se o Homem Cachorro era um novo super-herói
dos quadrinhos e continuou quando Descartes reagiu a um argumento
teológico de Pascal gritando “Au secours!” e Pascal ouviu mal e
protestou “Olha o nível”, até se esclarecer que Descartes estava pedindo
socorro.
Depois disso não houve entendimento possível e todos se lembram de
como acabou a noite. Por sinal, para os que ficaram preocupados, informo
que Descartes já saiu do hospital e está em repouso, em casa. Mas vamos
ao grande debate desta noite. Os dois participantes não precisam de
apresentações. O primeiro é... Charles Darwin em pessoa! Mr. Darwin, por
favor.
Charles Darwin entra no palco e é aplaudidíssimo por parte da plateia. O resto da plateia aplaude educadamente.
Apresentador – Charles Darwin, quem não sabe, é o fundador do
evolucionismo. Foram seus estudos sobre a adaptação dos genes ao meio e a
seleção natural que deram origem a teoria da evolução das espécies,
inclusive a espécie humana, que descenderia dos macacos. Apesar de estar
morto desde 1882, Mr. Darwin concordou, gentilmente, em participar do
nosso simpósio, principalmente quando soube quem seria o outro
debatedor. Não é, Mr. Darwin?
Darwin – É. Será uma oportunidade para esclarecer alguns pontos.
Apresentador – E aqui está ele, senhoras e senhores. O outro
debatedor desta noite. O grande, o eterno, o nunca assaz louvado... Deus
Nosso Senhor!
Deus entra no palco saudando o público e é recebido com uma ovação.
Parte da plateia grita “Senhor! Senhor! Senhor!”. Deus senta à direita
do apresentador, Darwin à esquerda.
Darwin – Senhor, eu queria aproveitar esta oportunidade para dizer
que, em momento algum a minha teoria negou a sua existência, ou
desrespeitou o seu poder. Eu vivi e morri como um cristão. Só não podia
esconder minha descoberta.
Deus – Eu sei, meu filho, eu sei. E você estava certo.
Darwin (surpreso) – Eu estava certo?!
Deus – Estava. Aquela história que eu criei o homem do barro, à
minha imagem, e depois fiz a mulher da sua costela... Tudo literatura.
Licença poética. O homem descende do macaco. Eu quis que fosse assim. E
quis que você descobrisse. A sua obra é a maior prova de que eu (aliás,
Eu) existo. E mando. Num mundo regido pelo acaso você dificilmente
chegaria aonde chegou.
Apresentador – Então o senhor acredita num...
Deus – Evolucionismo dirigido. Um pouco como o capitalismo na China.
Darwin – Mas então por que tanta gente resiste à ideia de que o homem descende do macaco e não foi criado por Deus à sua imagem?
Deus – Ah, meu filho. A vaidade humana nem Eu controlo.
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