Foi o Supremo que armou a confusão ao permitir o tráfico do tempo de TV e recursos do fundo partidário para o nascente PSD
Estado de Minas: 21/04/2013
Hoje o leitor me
dará licença para falar do aniversário de Brasília antes de abordar as
questões correntes na política nacional. Depois dos 50 anos, a cidade
parece estar se livrando da implicância nacional. Vai se dissipando a
velha confusão entre a cidade real e a Esplanada do poder, fonte do bem e
do mal. O mal, sempre mais lembrado, é cometido pelos que vêm aqui
representando todos os Brasis. Mas, por décadas, serviu para a
satanização de Brasília. Passados 50 anos, vai se impondo a compreensão
de que aqui vivem pessoas que sonham e produzem (bens, cultura e
conhecimento), que a cidade plantada no cerrado é uma vitória da ousadia
sobre a inércia, que sua singularidade urbana, seus monumentos e sua
qualidade de vida são frutos da civilização brasileira, sonho que vem da
Independência.
Em dia de licença, que a literatura também
prevaleça sobre outros discursos. Escolhi a poesia e a prosa de duas
mulheres que escreveram sobre a cidade, ao conhecê-la nos primeiros
tempos, com força e beleza. . . A primeira é Sophia Mello Breyner
Andresen (1919-2004), hoje um dos maiores nomes da moderna poesia
portuguesa. Amante do Brasil, onde teve muitos amigos na literatura,
como João Cabral de Melo Neto, Murilo Mendes, Jorge Amado, José Sarney e
Manuel Bandeira, entre outros, ela fez com Murilo uma viagem de carro,
do Rio a Brasília, em 1966. Na volta, escreveu o poema que se segue:
“Brasília, desenhada por Lúcio Costa, Niemeyer e Pitágoras
Lógica e lírica, grega e brasileira, ecumênica,
Propondo aos homens de todas as raças a essência universal das formas justas.
Brasília despojada e lunar como a alma de um poeta muito jovem.
Nítida como Babilônia. Esguia como um fuste de palmeira.
Sobre a lisa página do planalto, a arquitectura escreveu a sua própria paisagem
O Brasil emergiu do barroco e encontrou o seu número.
No centro do reino de Ártemis — deusa da natureza inviolada —
No extremo da caminhada dos Candangos.
No extremo da nostalgia dos Candangos,
Athena ergueu sua cidade de cimento e vidro,
Athena ergueu sua cidade, ordenada e clara como um pensamento.
E há nos arranha-céus uma finura delicada de coqueiro”.
A
outra é nossa Clarice Lispector (1920-1977), que também falou de
Brasília com sua prosa insólita e inquietante. Depois da primeira visita
à cidade, em 1964, ela escreveu “Nos primeiros começos de Brasília”, em
que diz: “Brasília é construída na linha do horizonte. Brasília é
artificial. Tão artificial como devia ter sido o mundo quando foi
criado. Quando o mundo foi criado, foi preciso criar um homem
especialmente para aquele mundo. Nós fomos todos deformados pela
adaptação à liberdade de Deus. Não sabemos como seríamos se tivéssemos
sido criados primeiro, e o mundo depois, deformado às nossas
necessidades. Brasília ainda não tem o homem de Brasília”.
Hoje, o
homem (e a mulher) de Brasília talvez já existe. Clarice voltou em
1974, em plena ditadura. Sentiu-se “como se um gigantesco olho verde me
olhasse implacável”. Depois de confessar espantos e encantos ela
conclui: “Vou agora escrever uma coisa da maior importância: Brasília é o
fracasso do mais espetacular sucesso do mundo. Brasília é uma estrela
espatifada. Estou abismada. É linda e é nua. É um futuro que aconteceu
no passado. Eterna como uma pedra. A luz de Brasília me cega. Fora isso,
Viva Brasília”. Viva.
Distorções
Sob
protestos e ranger de dentes, a Câmara concluirá a votação do projeto
que põe ordem nas migrações partidárias. Haverá recursos ao Supremo. Mas
foi o Supremo que armou a confusão ao permitir o tráfico de tempo de TV
e recursos do fundo partidário para o nascente PSD. Agora, duas
inverdades foram ditas à exaustão sobre o assunto, por cálculo e
desinformação. Uma, a de que o projeto limita a criação de partidos.
Ora, a porteira continua aberta para quem quiser ampliar ainda mais o
quadro partidário. Ainda que na hora errada, o projeto corrige o STF,
evitando a burla à vontade do eleitor. Pois é o que acontece quando o
deputado migrante leva consigo o tempo e os recursos do fundo partidário
obtidos por seu partido original nas urnas. Uma névoa também foi
lançada pela legião de políticos solidários a Marina Silva, apontando-a
como alvo. Ora, Marina e os que estão criando a Rede já disseram que não
pretendem pescar adesões em partidos que desprezam, tanto que estão
criando outro. O partido que tem um planos, de expansão via adesões é o
Mobilização Democrática, surgido da fusão PPS-PMN, que apoiará Eduardo
Campos. Nasceu com 17, mas pretende chegar aos 35 deputados.
Pendências
O
Congresso precisa sair logo da política dos políticos para decidir
sobre duas questões de interesse geral: a regulamentação dos novos
direitos dos empregados domésticos, para sanar as incertezas vigentes no
mercado, e a nova lei antidrogas. Milhões de famílias esperam que ela
obrigue o Estado a tratar os dependentes e boa parte delas torce pela
aprovação da internação compulsória.
Nenhum comentário:
Postar um comentário