Zero Hora - 21/04/2013
Não simpatizo nada com a ideia de sentir dor. Para minha sorte, elas
foram raras. Vivi dois partos normais que pareceram um piquenique no
campo, nada doeu, sobrou relaxamento e prazer. Quando penso em dor
física, o que me vem à lembrança são as idas ao dentista quando era
criança. Começava a sofrer já na noite anterior, sentia enjoos
fortíssimos, não conseguia dormir, passava a madrugada chorando só de
imaginar que no dia seguinte teria que enfrentar a broca e seu barulho
aterrorizante. Estou falando de uma época em que crianças tinham cárie
hoje muitas nem sabem o que é isso, bendito flúor.
O que fazer em relação a esse tipo de dor? Se nos pega de surpresa
(um tombo, uma cabeçada, um corte), suportar. Se for uma dor interna,
tomar um analgésico e esperar que passe. Não se pode dialogar com a dor
física. Músculos, nervos, órgãos, pele, essa turma não escuta ninguém.
Ainda bem que (com exceção das dores crônicas) não são dores constantes,
e sim pontuais. De repente, somem.
Já a dor psíquica não é tão breve. Pode durar semanas. Meses. Sem
querer ser alarmista, pode durar uma vida. Porém, ela é mais elegante
que a dor física: nos dá a chance de chamá-la para um duelo, ao
contrário da outra, que é um ataque covarde. A dor psíquica possibilita
um diálogo, e isso torna a luta menos desigual. São dois pesos-pesados,
sendo que você é o favorito. Escolha suas armas para vencê-la.
Armas?
Por exemplo: redija cartas para si mesmo. Escreva sobre o que você
sente e depois planeje seus próximos passos. Escrever exorciza, invoca
energia. Cartas e cartas para si mesmo, estabelecendo uma relação íntima
entre você e sua dor – amanse-a.
Terapia. A cura pela fala. Você buscando explicar em palavras como
foi que permitiu que ela ganhasse espaço para se instalar, de onde você
imagina que ela veio, quem a ajudou a se apoderar de você. Uma
investigação minuciosa sobre como ela se desenvolveu e sobre a acolhida
que recebeu: sim, nós e nossas dores muitas vezes nos tornamos um só. É
difícil a gente se apartar do que nos dói, pois às vezes é a única coisa
que dá sentido à nossa vida.
Livros. O mais deslumbrante canal de comunicação com a dor, pois
através de histórias alheias reescrevemos a nossa própria e suavizamos
os efeitos colaterais de estar vivo. Ler é o diálogo silencioso com
nossos fantasmas. A leitura subverte nossas certezas, redimensiona
nossos dramas, nos emociona, faz rir, pensar, lembrar. Catarses
intimidam a dor.
Meditação. Religião. Contato com a natureza. Viagens. Amigos.
Solidão. Você decide por qual caminho irá dialogar com a sua dor, num
enfrentamento que, mesmo que você não saia vitorioso, ao menos
fortalecerá seu caráter.
Quem não dialoga com sua dor psíquica, não a reconhece como a
inimiga admirável que é, capaz de torná-lo um ser humano melhor. A reduz
a uma simples dor de dente e, como uma criança, desespera-se sozinho no
escuro.
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