Desidratação em sauna ou banheira de água
quente e outros atos extremos de lutadores amadores do MMA são
perigosos para a saúde, podendo prejudicar órgãos como coração e rins
Carolina Cotta
Estado de Minas: 28/04/2013
Anderson Silva, Vítor Belfort, Minotauro e José
Aldo Júnior arrastaram uma leva de jovens às academias. Os fãs do
Ultimate Fighting Championship (UFC) não querem apenas ver seus ídolos
no octógno. Querem também provar o gostinho do MMA, sigla em inglês para
mixed martial arts. A luta, que como sugere o nome mistura uma série de
artes marciais, nunca esteve tão popular na televisão e fora dela. São
vários os clubes de luta e academias especializadas no treinamento de
amadores, gente que está trocando a musculação por algo mais radical.
A
vitória, entretanto, vem acompanhada de uma série de excessos. Água
destilada é das descobertas mais recentes e veio emprestada da turma do
fisiculturismo, que prioriza a água sem sais minerais em busca de uma
desidratação e consequente valorização da estrutura muscular. Mas a água
destilada é o de menos para quem recorre também a laxantes, diuréticos,
roupas especiais para aumentar a temperatura corporal e sauna. Um dos
métodos é ainda mais ousado: um banho de banheira de água quente com sal
para desidratar ao máximo.
Tamanho esforço tem um único
objetivo: baixar o peso antes da pesagem anterior às lutas. Para
atingirem o peso da categoria em que pretendem lutar, os praticantes
esquecem a dieta equilibrada que adotam durante o treinamento. Na reta
final, vale tudo para ganhar. O comerciante e lutador amador Alexandre
Magno, de 31 anos, já experimentou alguns dos métodos. Apaixonado por
luta desde os 5 anos, quando começou no tae kwon do, o lutador de
jiu-jítsu já se dedicou também ao MMA, boxe, muay thai e kickboxing.
“Mas não faço a banheira porque os caras saem direto para o hospital
para tomar soro.”
Ninja, como é chamado, já viu um colega ter o
rim paralisado depois de insistir na desidratação em uma dessas
banheiras com água quente e perder muitos sais minerais. “O MMA amador
está sendo realizado de forma muito banal. O pessoal está tentando fazer
a reidratação em casa, sem medicamento. Tem lutador que não se
recupera. Às vezes, eles saem tão fracos da pesagem, depois de adotarem
todos esses métodos de desidratação, que nem conseguem lutar no dia
seguinte”, revela o lutador, que já usou diurético, laxante e até roupa
de motoqueiro para se exercitar e suar bastante.
ALIMENTAÇÃO BOMBADA
A nutricionista Gabriela Prando faz acompanhamento de lutadores
amadores em um clube de luta em Belo Horizonte e, segundo ela, cada vez
chegam mais jovens interessados na modalidade MMA. Para iniciar a
prática e estar apto a entrar num campeonato, o interessado, além de
precisar fazer uma série de exames preventivos, e ser acompanhado por um
médico precisa despender uma média de quatro horas de treino diários.
Os lutadores, no período normal de treinos, seguem uma dieta
hipercalórica, de 5 mil a 6 mil calorias, com 65% de carboidrato, 20% de
proteína e o restante de gordura insaturada, encontrada em castanhas,
açaí e outros alimentos ricos em antioxidantes. Para comparar, a dieta
de pessoas comuns é de cerca de 2 mil calorias diárias.
O
problema é que os lutadores tendem a comer uma quantidade exorbitante de
proteína, muito além do que é prescrito. “Nosso organismo não processa
toda a proteína ingerida e o que vai além é excretado pela urina. Então,
não adianta consumir além, mas eles acreditam numa lenda de que quando
mais proteína ingerirem mais massa muscular terão e comem quatro vezes
mais do que precisam”, explica a nutricionista Gabriela Prando, que se
preocupa com a sobrecarga dos rins. Outro mito é em relação à água
destilada, sem sais minerais. “Eles já estão no extremo e para perder
três gramas apelam para tudo, um risco à saúde”, observa.
Todo o
exagero está pautado na urgência de chegar ao peso da categoria abaixo
daquela na qual a pessoa se enquadra. Ninja, por exemplo, pesa em torno
de 80 quilos, mas luta na categoria que vai de 72 quilos a 76 quilos,
com o quimono. “Preciso perder seis quilos para lutar. Aí fico o mais
forte dessa categoria abaixo do meu peso normal. Isso é muito comum no
meio. O lutador briga com a balança todo dia. Tudo para ganhar”, revela o
lutador, que tem acompanhamento de cardiologista, nutricionista e até
um treinador para o aspecto psicológico e come até 20 ovos por dia. “Não
sei perder”, diz. Nenhum dos profissionais aprova as atitudes extremas,
mas para ganhar, ele se arrisca.
“Fazemos o acompanhamento com
os atletas durante o treino. Quando chega a véspera da luta eles
esquecem de tudo. A gente não recomenda essa dieta de desidratação, mas
depois da luta eles voltam como se nada tivesse acontecido. Vi um atleta
perder sete quilos em uma semana. Ele fez jejum de tudo. É comum
trocarem água por gelo e na pesagem ficam tão fracos que não conseguem
ficar de pé. É muito contraditório porque para o organismo não há
benefício algum. Eles lutam tanto para conseguir massa magra e a perdem
toda nessa semana de jejum prolongado. É uma loucura”, observa Gabriela.
A
maioria dos lutadores sabe que está fazendo algo ousado, tanto que
muitos não falam sobre o assunto. Mas para Ninja, falta conhecimento dos
riscos para a maioria deles, às vezes pressionados pelos treinadores.
“Convivo há muitos anos com o pessoal do fisioculturismo, que sempre
praticou essas técnicas de desidratação. Mas quando fui fazer, vi que o
buraco era mais embaixo. Meu cardiologista fala que é arriscado. Posso
ter complicações. Mas todo mundo gosta de ganhar. Sou a favor de ganhar
e, por isso, menosprezo os riscos”, conta o lutador.
DIETA MMA
Idealizada
pelo nutricionista esportivo americano Mike Dolce, a Dolce Diet
tornou-se a dieta dos lutadores ao ajudar aqueles com problemas de peso a
atingirem o índice da categoria em que disputam. Baseada na restrição
quase total de carboidratos e no processo de desidratação do atleta,
pode levar à perda de até 10 quilos em uma semana. Mas especialistas
alertam para riscos não só para pessoas normais, mas também para os
atletas.
Palavra de especialista
Impacto negativo
MÁRCIO LAURIA
ENDOCRINOLOGISTA E
PROFESSOR DA FACULDADE
DE MEDICINA DA UFMG
“Variações
bruscas de peso em poucos dias se devem basicamente à perda ou ganho de
água. Em geral, 60% do nosso peso corporal se deve à água. Obviamente, a
perda brusca de peso pode desencadear um quadro de desidratação, com
todas as suas consequências negativas para o metabolismo e para o
funcionamento de órgãos como os rins e o coração. Todos esses processos
utilizados atuam na mobilização do líquido corporal e provocam
desidratação intra e extracelular. Processo semelhante é visto nas
clínicas de emagrecimento rápido e milagroso. A recuperação do peso se
deve à hiperhidratação com soluções que muitas vezes podem também trazer
prejuízos para um organismo que estava tentando se adaptar àquela
desidratação que lhe tinha sido imposta, sobretudo em pacientes com
alguma doença de base não identificada, como um mal renal ou cardíaco.
Se para o atleta profissional, que de uma certa maneira é teoricamente
saudável e está sendo monitorado por alguém, isso traz riscos, que dirá
para um atleta amador ou para um indivíduo comum, que não tem nenhum
tipo de acompanhamento e provavelmente não terá nenhum benefício com
isso.”
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