Tamar Guimarães leva à Bienal de Veneza
obra sobre o universo de Chico Xavier que provoca reflexões sobre o
Brasil nos últimos 70 anos. Artista cria novas legendas para fotos
existentes
Walter Sebastião
Estado de Minas: 28/04/2013
Política, história, espiritismo estão entrelaçados em pequeno filme, de
16mm, realizado em vários lugares do Brasil, que a artista plástica
Tamar Guimarães está preparando para a 55ª Bienal de Veneza, que começa
em junho na cidade italiana. Ela é mineira de Viçosa, tem 45 anos, vive e
trabalha em Copenhague (Dinamarca). É uma dos dois brasileiros – o
outro é o também mineiro Paulo Nazareth – na exposição, uma das mais
importantes mostras de arte do mundo. “Meu filme é sobre cidades
espirituais. Não sobre Chico Xavier, mas em torno dele”, conta a
artista.
O novo trabalho de Tamar Guimarães foi antecedido por
duas obras, realizadas entre 2006 e 2010, uma projeção de slides e a
edição de um livro, ambos sobre o universo de Chico Xavier e com o
título Um homem chamado amor. Projeto tomado como pretexto para
“canalizar reflexões” sobre o Brasil nos últimos 70 anos. As obras da
artista são narrativas, audiovisuais, mistura de documentário, ensaio e
ficção, construídas com fotos, textos, documentos, objetos etc. Tamar
vale-se, inclusive, de pesquisa histórica na identificação dos
materiais.
Participar da Bienal de Veneza, ela reconhece, é um
marco na carreira de qualquer artista. “É uma exposição muito
importante, traz expectativas, mas deve ser entendida como mostra e não
como um ponto culminante. Gostaria que o convite e o produzido para a
mostra representassem continuação e aprofundamento da minha trajetória”,
observa. “Palácio enciclopédico (nome dado à bienal deste ano) é um
título ótimo. Gosto como ele evoca a escrita de Jorge Luis Borges, por
exemplo, assim como evoca o trabalho de ‘Ôfim do cem,fim...’, que são
textos e desenhos de Paulo Marques de Oliveira, de Salinas”, acrescenta.
Tamar
Guimarães nasceu em Viçosa (MG), mas, como a família voltou para Belo
Horizonte quando ela tinha menos de 1 ano, cresceu na capital mineira.
Muita coisa contribuiu para a formação dela: “Desde o TransForma, Centro
de Dança Contemporânea, que funcionava no Colégio Arnaldo, até a
Fundação de Educação Artística, além dos amigos estudando filosofia ou
matando aula, na Fafich. Acrescente-se o Edifício Maletta e o fato de
que as pessoas iam muito ao cinema”, recorda. “Quando eu era
adolescente, havia em BH vários pequenos cinemas e cineclubes, com
filmes de arte que também são parte da minha história. Talvez tudo que
faço tenha começado numa dessas pequenas salas de cinema”, suspeita.
Em
1987, a artista trocou o Brasil por Israel, onde viveu seis meses num
kibutz. “Depois, em Jerusalém, cursei o primeiro semestre de um
bacharelado em história da arte e musicologia, na Universidade Hebraica.
Mais tarde, vivi em Basel, na Suíça, e, finalmente, em Londres, por
quase 12 anos, e foi onde estudei artes plásticas”, conta. Em 2012,
trocou Londres por Copenhague (“onde vive meu companheiro”). “A
princípio, queria viajar. Mais tarde ficou claro que ser de alguma forma
nômade ou ficar entre um lugar e outro é algo importante para mim”,
conta.
Depois de participar da Bienal de Veneza, Tamar Guimarães
voltará ao Brasil, em junho, para realizar pequeno filme para a
televisão dinamarquesa.
Três perguntas para...
Tamar Guimarães
artista plástica
O que interessa a você nesta relação entre espiritismo, política e história?
É
projeto conectado à minha infância. Chico Xavier sempre esteve presente
ali, como uma espécie de pano de fundo, da mesma forma que a esquerda
militante e a ditadura militar. Um sobrinho de Chico, Sálvio Pena, foi
meu vizinho quando deixou a prisão política. Foi morar numa região em
que, não por coincidência, havia grupo militante, solidário, da esquerda
engajada, do qual minha mãe fazia parte. Se há um elemento estranho ou
estrangeiro nas obras é a alusão ao filósofo Walter Benjamin, que, nos
textos dele, une misticismo ao desejo político de revolução e ruptura na
lógica das coisas. O que eu queria fazer era uma leitura mística da
esquerda e uma leitura social e política do espiritismo e de Chico
Xavier. Sei que isso não se faz, por assim dizer. Mas fazer errado ou
pentear a contrapelo é a tarefa do artista.
Como você vê o uso da foto e dos filmes feito atualmente pelos artistas?
Acredito
que encontrar novas legendas para velhas imagens ou novas formas de
pensar o que vemos é algo essencial para continuarmos mais à frente. Por
isso, me ocupo com fotografias e imagens já existentes. Acho necessário
criar imagens atravessadas por questões sociais e históricas, aludindo a
certas continuidades entre o presente e os desejos (e frustrações) do
passado, que, normalmente, ficam ocultas. E, nesse sentido, documentos,
narrativas e memórias são chaves.
A mudança para a Dinamarca é definitiva ou pensa em voltar para o Brasil?
Tenho
vindo com mais frequência ao Brasil desde 2009. Quando venho, fico no
Rio e em São Paulo, para trabalhar. A Trancoso, Belo Horizonte, Três
Pontas e Brasília vou para visitar minha família, que está um tanto
espalhada. Ser de alguma forma nômade é algo positivo e acredito que
isso produza certa desnaturalização do olhar, no sentido de que o que é
num grupo social tomado como óbvio, como completamente natural, se torna
inquietante, deixando de parecer ser naturalmente-como-deve-ser em
outro.
Saiba mais
Mineiros em Veneza
A
Bienal de Arte de Veneza foi criada em 1895 e é o mais antigo dos
eventos do gênero. Ao longo de sua história, foram sendo criadas outras
mostras e, atualmente, há eventos dedicados à arquitetura, música,
teatro, cinema/dança. Os mineiros têm presença regular no evento.
Rosângela Rennó mostrou obras, em 1993 e 2003. Rivane Neuenschwander
também participou de duas edições: 2003 e 2005. A mostra de arquitetura,
geralmente intercalada com a de arte, já teve participação de Carlos
Teixeira, em 2004, e de Gustavo Penna, em 2010. E o Festival de Cinema
de Veneza, em 2007, apresentou o filme Andarilho, de Cao Guimarães.
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