Casais divorciados, orientados a não
participar da Eucaristia, esperam que o papa Francisco faça nova
interpretação da Bíblia, permitindo que eles recebam a hóstia durante a
missa
Gustavo Werneck
Estado de Minas: 07/04/2013
Felizes
os convidados para a ceia do Senhor. Quase ao fim da missa, quando o
padre pronuncia essas palavras e celebra a Eucaristia, os fiéis que se
confessaram fazem fila diante do altar para receber a hóstia consagrada.
Depois, em silêncio, voltam para os bancos, se ajoelham e rezam
enquanto o “corpo de Cristo” se dissolve na boca. Mas no meio desses
católicos há muitos praticantes, devotos até a alma, que dariam tudo
para poder comungar e voltar para casa na plenitude de sua fé. O motivo é
que, como são casais em segunda união – divorciados, portanto – recebem
a orientação da Igreja para se afastar no momento mais importante da
liturgia. A esperança de muitos é que, embora o casamento seja
considerado indissolúvel pela Igreja, o papa Francisco dê uma nova
interpretação à Bíblia e permita que todos os presentes à assembleia se
sintam, finalmente, “felizes convidados”.
Todos os domingos, sem
faltar um, o casal Wellington Silva Sodré, contador, e Daniela Lima,
administradora de empresa, vai à missa na Paróquia de São Sebastião, no
Bairro Betânia, na Região Oeste de Belo Horizonte. Católicos desde
criança, os dois seguem à risca os ensinamentos da Igreja e continuam
nos seus lugares na hora da comunhão. “Não confesso nem comungo, pois a
prática não é permitida e eu prefiro obedecer às regras”, ressalta
Wellington, de 43 anos, que se casou pela primeira vez em 1996 e se
divorciou em 2005, sem pedir a nulidade do matrimônio no Tribunal
Eclesiástico da Arquidiocese de BH. Três anos depois, ele se uniu a
Daniela, então solteira, e disse sim no cartório.
“A confissão é
um alento e a comunhão, uma forma de nos reencontrarmos com Jesus”,
explica Wellington, destacando que desde 2008 não conta os seus
problemas para um sacerdote nem diz “amém” quando o celebrante exclama
“corpo de Cristo”. Determinado e convicto da sua fé, ele revela que
espiritualmente comunga, “mas a Eucaristia faz falta para todo cristão
que se declara católico”. Solidária ao marido, Daniela também não recebe
a hóstia das mãos do padre. “Ela compartilha isso comigo.” Para o
contador, empregado da Cemig há 25 anos, seria fundamental que o novo
pontífice mudasse as normas e desse mais espaço para quem está em
segunda união: “A Igreja precisa evoluir, não pode agir como se
estivesse na Idade Média. Seria bom se todos pudessem participar da
Eucaristia, pois isso só iria agregar as pessoas”.
Já a auxiliar
de enfermagem Marilene Lima, de 47, conta que confessa comunitariamente e
comunga sem culpa. “Sou católica, creio em Deus, mas não sou nenhuma
beata”, diz Marilene, que era solteira quando se casou no civil, há 20
anos, com um divorciado e tem uma filha de 15 anos. “Penso que o papa
Francisco poderia acolher mais essas pessoas. Qual o erro que elas
cometeram? Eu, por exemplo, conheci meu marido quando ele já estava
divorciado. Eu o ajudo, não destruí o lar de ninguém. Não estou em
débito com Deus, pois me dou muito bem com a ex-família dele”, afirma a
auxiliar de enfermagem. Na sua avaliação, mudanças feitas pelo chefe dos
católicos poderiam levar muita gente de volta às igrejas. “O papa
Francisco deveria acabar com isso. Há pessoas que se sentem vazias e,
com a comunhão, poderiam ficar com o coração pleno do Espírito Santo.”
FESTA SEM BOLO
O serralheiro Manoel Messias de Castro, de 57, sabe muito bem que o
papa Francisco não pode mudar o que está na Bíblia, muito menos a
consciência de católicos como ele. “Sei que vivo em pecado, estou em
adultério e carrego esta sentença de não poder comungar há 11 anos”, diz
o homem, natural de Florestal e residente em Santa Luzia há 39 anos.
Sempre muito ligado à paróquia, estudioso dos temas religiosos e atuante
nas obras sociais, Manoel vive há 11 anos com a dona de casa Lúcia
Maria Lopes, de 52, divorciada e anteriormente casada por 20 anos. Ela
teve três filhos, um morreu, e ele três filhos e uma neta. “Somos
cristãos católicos, participamos do círculo bíblico e fizemos o curso de
teologia viva durante três anos. O curioso é que somos tão praticantes e
não comungamos. Quando o padre diz ‘felizes os convidados…’, quer dizer
‘os preparados’, e nós dois não estamos preparados”, afirma Manoel com
seriedade. “É como se eu preparasse uma festa e não provasse do bolo.”
Devido
à situação do casal, Manoel e Lúcia também se sentem excluídos, “não
pela Igreja, mas pelo povo” – ele se refere às palestras que ministrava
nas paróquias e deixou por não ser mais ser chamado. “Isso é o que mais
dói”, queixa-se. E se o sumo pontífice, de repente, abolisse a
orientação e permitisse a comunhão de todos? A pergunta deixa o casal
pensativo, sem entusiasmo. “O papa pode até criar regras para quem é
católico praticante, como eu, mas não pode libertar a minha
consciência”, pondera o serralheiro.
Libertação mesmo seria se o
Tribunal Eclesiástico de BH decretasse a nulidade do primeiro casamento
de Lúcia e os dois pudessem se casar na igreja. “Para nós, só esse tipo
de cerimônia interessa”, ressalta Manoel. Mas exatamente na quinta-feira
santa veio a ducha de água fria, com a negativa da corte da
arquidiocese. “Entramos com o pedido há cinco anos. Ficaríamos felizes
se o papa Francisco nos concedesse o direito de dizer sim diante do
padre”, afirma Manoel, com total aprovação da mulher. Se não estivessem
juntos, tanto Manoel quanto Lúcia poderiam confessar e comungar
tranquilamente, pois não há dogma que impeça esse ato.
MEMÓRIA
Santa Sé já sinaliza
No
início do ano, o presidente do Pontifício Conselho para a Família, da
Santa Sé, dom Vicenzo Paglia, defendeu mais espaço na Igreja para os
casais não casados, incluindo os homossexuais, embora reafirmando a
oposição absoluta e inequívoca da Igreja ao casamento entre pessoas do
mesmo sexo. A iniciativa, segundo ele, visava buscar “soluções de
direito privado” e encontrar “perspectivas patrimoniais” para casais que
optem pela união fora do casamento tradicional. Foi a primeira vez que
alguém do alto clero do Vaticano defendeu soluções jurídicas para uniões
fora do casamento. Segundo um teólogo mineiro, dom Vicenzo abriu o
diálogo e disso podem vir mudanças.
Orientação segue a Bíblia, diz especialista
Gustavo Werneck
Pelas leis da Igreja
Católica, os casais em segunda união não podem confessar nem comungar.
Isso vale também para homens e mulheres que não disseram “sim” diante do
padre, mesmo tendo assinado os papéis no cartório na frente do juiz de
Paz. Assessor da Pastoral Familiar da Arquidiocese de Belo Horizonte,
padre Jorge Alves Filho explica que a orientação aos católicos segue os
ensinamentos de Jesus Cristo contidos na Bíblia. Abrindo o livro do Novo
Testamento, o sacerdote cita o evangelho de São Marcos, capítulo 10,
versículos de 6 a 12, e ressalta que o casamento é indissolúvel. Com
atenção, lê um trecho do texto sagrado: “Por isso, o homem deixará pai e
mãe e se unirá à sua mulher e os dois formarão uma só carne. Assim, já
não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não
separe”. Em resumo, matrimônio e comunhão são sacramentos e os casais
devem manter esses vínculos com a Igreja.
“A Igreja é mãe e
mestra e não pode negar ou reinventar o que está na Bíblia. Nem mesmo o
papa Francisco pode mudá-la ou reinterpretá-la, mas tem autoridade para
dar orientações pastorais”, destaca padre Jorge, que conclui doutorado
em pastoral na Pontifícia Universidade Lateranense de Roma, pertencente
ao Vaticano, e é titular da Paróquia de Nossa Senhora Aparecida e São
Miguel, localizada no limite de Contagem e Ibirité, na Grande BH.
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