domingo, 7 de abril de 2013

O novo inimigo

folha de são paulo

As ameaças de ataque nuclear e o exotismo tornam a Coreia do Norte a vilã da vez em Hollywood
RODRIGO SALEMDE SÃO PAULO
Enquanto o cinema da Coreia do Sul vive o melhor momento de sua história, colecionando prêmios em grandes festivais, seus vizinhos do norte passam por uma situação curiosa: eles são os novos vilões de Hollywood.
As constantes ameaças do ditador Kim Jong-un, 30, que segue a mesma linha bélica de seu pai, Kim Jong-il (1941-2011), à Coreia do Sul e aos Estados Unidos não estão passando despercebidas.
Na última sexta-feira, estreou no Brasil "Invasão à Casa Branca". O filme de US$ 70 milhões (R$ 140 milhões) mostra um terrorista norte-coreano tomando de assalto a Casa Branca. Lá, ele mantém o presidente americano (Aaron Eckhart) como refém.
Já o filme mais visto do país no momento, "G.I. Joe: Retaliação" tem um presidente americano (Jonathan Pryce) discursando, em tom raivoso, que bombardeará a Coreia do Norte "15 vezes seguidas só para ter certeza" -na verdade, é um mercenário disfarçado.
Em "Amanhecer Violento", refilmagem de um longa "cult" de 1984 que imagina a União Soviética invadindo os Estados Unidos, a opção por retratar os norte-coreanos como inimigos foi mais trabalhosa.
A princípio, os chineses seriam mantidos como os invasores no filme que estreou no mês passado no Brasil.
Durante a pós-produção, os executivos dos estúdios MGM decidiram trocá-los por norte-coreanos. O filme recebeu um aporte de US$ 1 milhão (R$ 2 milhões) para redublar os vilões e substituir os símbolos chineses.
EM PAZ COM A CHINA
A decisão não é só movida pelas bravatas de Kim Jong-un. O mercado cinematográfico chinês, em 2012, rendeu US$ 2,7 bilhões (R$ 5,4 bilhões), tornando-se o mais importante do mundo depois do americano -que faturou US$ 10,7 bilhões (US$ 22 bilhões).
"Retratar a China como um governo criminoso teria um efeito desastroso no faturamento dos filmes", explica Simon Fowler, crítico britânico do site "North Korean Films".
O americano Brian Reynolds Myers, professor de estudos internacionais na universidade de Dongseo, em Busan, Coreia do Sul, concorda que Hollywood "reluta em ofender os chineses", mas acredita que a postura do país asiático não ajuda.
"Precisamos lembrar que a Coreia do Norte é o único país que ameaça constantemente os Estados Unidos com destruição nuclear", diz Myers.
"Os norte-coreanos têm o sistema mais fechado do mundo, por isso são considerados exóticos e possuem os critérios que satisfazem a necessidade de Hollywood", afirma Heni Ozi Cukier, cientista político e professor do curso de relações internacionais da ESPM-SP.
MERCADO FECHADO
Na Coreia do Norte, existe um cinema em cada cidade do país, mas a maioria está em centros culturais e serve apenas para projeção de vídeos institucionais. Na capital, Pyongyang, há cerca de 20 salas, que exibem antigas produções soviéticas, chinesas e longas locais de propaganda governista.
A Coreia do Norte chegou a produzir 60 filmes, entre curtas e longas, por ano, na década passada. Hoje, o número caiu para quatro.
Não há mercado para obras ocidentais, que só são encontrados no mercado negro em cópias piratas chinesas.
"A Coreia do Norte é vilã por conveniência", diz Geoffrey Macnab, colunista de cinema do jornal inglês "The Guardian".
"Não há perigo de prejuízo para os estúdios americanos, porque seus filmes não são distribuídos por lá."
JOVEM DITADOR
Ainda não se sabe se Kim Jong-un compartilha da paixão do pai pelo cinema.
Jong-il possuía mais de 20 mil filmes, chegou a sequestrar um diretor sul-coreano nos anos 1970 para forçá-lo a dirigir em seu país, acompanhava de perto os quatro estúdios norte-coreanos e até escreveu um manual de cinema.
Fã da série "007", ele teria ficado furioso quando "Um Novo Dia para Morrer", de 2002, trouxe um vilão norte-coreano (Zao), interpretado pelo mesmo Rick Yune, de "Invasão à Casa Branca".
As parcas informações a respeito do jovem ditador revelam um aficionado por basquete (recebeu o ex-jogador Dennis Rodman recentemente). Ele, que estudou na Suíça, é fã de Keanu Reeves e de musicais da Disney.
"Ele é ocidentalizado. Mas dentro da Coreia do Norte está cercado por uma bolha de poder que o ajuda a governar dentro daquela ideologia", ressalta Cukier.
Também não há informações sobre como o ditador reage aos filmes com norte-coreanos como vilões. Mas ele não poderá reclamar.
"O filmes norte-coreanos degradam os americanos com muito mais frequência", conta B.R. Myers. "Somos descritos como 'chacais de duas pernas' que matam bebês coreanos por diversão."


CRÍTICA AÇÃO
'Invasão à Casa Branca' é puro cinema-game americano
Gerard Butler vive durão em thriller com símbolos que pouco têm a dizer
CÁSSIO STARLING CARLOSCRÍTICO DA FOLHADepois do 11 de Setembro, ficou mais difícil saber onde termina a fantasia hollywoodiana e começa o apocalipse terrorista. Agora, "Invasão à Casa Branca" mostra transmissões de noticiários que alertam sobre uma crescente tensão militar na fronteira entre as Coreias e a iminência de um ataque nuclear.
A coincidência de fatos e ficção no lançamento do filme potencializa o efeito de "Invasão à Casa Branca". O que acontece depois, porém, não vai além do puro cinema-game americano.
Tirando o efeito do contexto, a máquina de ação é só mais um thriller eficiente protagonizado por um herói que salva a pátria ameaçada por um bando de malucos. O durão da vez é Mike Banning (Gerard Butler), um ex-chefe do serviço secreto afastado após viver uma situação de crise com o presidente Benjamin Asher (Aaron Eckhart).
Logo ele revê a "aposentadoria", quando uma aeronave não identificada invade o espaço aéreo de Washington, dispara em todas as direções matando a esmo e, na queda, ainda põe abaixo o obelisco-monumento ao fundador, símbolo fálico do império.
A dupla Butler e Eckhart funciona como o agente-imbatível-que-no-fundo-tem-um-bom-coração e o presidente-símbolo-da-América-branca-e-loira. Melissa Leo faz a secretária de Estado que os malvados enchem de pancada. Vilões antipáticos, que ainda batem em mulher.
Entretanto, todo o arsenal de símbolos pouco tem a dizer, já que o potencial comercial de "Invasão" depende só da força bruta. A tortura, aqui, não gera discussões. Mais do que justificável, é prazerosa. E ainda pode ser saboreada com goles do refrigerante docinho e gosto de pipoca amanteigada.

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