Proibição de que supermercados anunciem leva à queda de 15% no faturamento anual dos diários de oposição
"Clarín" deu início a programa de demissões voluntárias; decisão do governo foi adotada com congelamento de preços
"La Nación", "Clarín" e "Perfil" acusam uma queda em seu faturamento publicitário anual de mais de 15%. "Esse número tende a aumentar se os anunciantes não voltarem", diz à Folha o secretário de Redação do "La Nación", Hector D'Amico.
Na última semana, o "Clarín" deu início a um programa de demissões voluntárias e o grupo Perfil, que publica o jornal de mesmo nome e uma série de revistas, segue reformulando produtos.
Os três buscam alternativas no mercado publicitário, mas ainda não conseguiram substituir o prejuízo causado pela saída das grandes cadeias.
A proibição teve início junto com o congelamento de preços anunciado em princípio de fevereiro.
Trata-se de um acordo entre os donos das lojas, firmado sob pressão da Secretaria de Comércio Interior, chefiada por Guillermo Moreno. "Portanto, não há nada no papel. O governo atua com base na intimidação. Os que não seguem o acordo depois são castigados de outras formas", explica D'Amico.
Entre elas, está o uso da Afip (Receita Federal) para investigar e expor a situação dos impostos dos empreendimentos e vetos a importações e exportações, das quais as mesmas dependem.
"Essa é a última e quiçá a mais aguda e criativa medida do kirchnerismo contra os meios", diz Gustavo González, editor-executivo do "Perfil".
Ele ainda lista como medidas de pressão recentes as travas à importação de papel, pressão a anunciantes de outros produtos, intervenção nos telefones da Redação e a negação de acesso dos jornalistas à informação oficial.
D'Amico identifica a medida como uma parte de uma cadeia de ações cujo objetivo é sufocar a imprensa. "Por um lado, esvaziam o jornal desse tipo de anúncio; por outro, retiram a publicidade oficial, que é destinada apenas aos jornais kirchneristas. Depois, controlam o preço do papel produzido na Argentina e aumentam as travas ao papel importado. É uma ação combinada para debilitar a imprensa."
Martín Etchevers, porta-voz do grupo Clarín, classificou a proibição de "boicote" e de "ato claramente ilegal".
No caso do conglomerado, principal inimigo do governo Cristina Kirchner, há uma retirada silenciosa de diversos tipos de anunciantes, principalmente os que dependem de regulação oficial, como a empresa Telefónica, que já não veicula mais publicidade em suas páginas.
A estratégia de manipulação do mercado publicitário é usada historicamente na Argentina. Os diretores lembram de ações que remontam aos governos militares.
O presidente do grupo Perfil, Jorge Fontevecchia, repassou, em sua coluna semanal, vários episódios. Pelo mesmo processo passaram o jornal "Perfil", desde que começou a fazer oposição ao kirchnerismo, em 2003, e o "Crítica", do jornalista independente Jorge Lanata.
"O Perfil teve que encolher, descontinuando várias publicações e reduzindo pessoal e instalações ao longo desses anos", escreveu. O "Crítica" teve que fechar suas portas em 2010. "Foi exatamente por esse motivo. Néstor [Kirchner] impediu os anunciantes de publicarem no meu jornal, e o afogou", diz Lanata à Folha.
Nas últimas semanas, a SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa) e a Adepa (Associação de Entidades Jornalísticas da Argentina) acusaram o governo de asfixiar os meios de comunicação do país. Já o kirchnerismo não se pronuncia sobre esses casos.
REUNIÕES
Os anúncios dos acordos entre as cadeias são divulgados diretamente pelos mesmos donos das empresas, logo depois de longas reuniões com Moreno. "Se você perguntar ao secretário, ele obviamente negará a pressão. Como não há nada escrito, é difícil apontar para o governo diretamente. É como se o acordo fosse voluntário e desinteressado, uma iniciativa dos próprios anunciantes. Não é", diz D'Amico.
ANÁLISE
Tática da presidente é como um tango de uma nota só
ALBERTO PFEIFERESPECIAL PARA A FOLHAA tática de sufocamento financeiro da imprensa independente, por meio da redução das receitas publicitárias, vem sendo usada por Cristina Kirchner nesse início de 2013 para se manter no poder.A aprovação do governo vem caindo rapidamente e uma derrota nas eleições de 2013 pode dilapidar a base de sustentação no Legislativo.
Cristina foi reeleita presidente em outubro de 2011 com folgada vantagem sobre o segundo colocado, embora a soma do voto contrário tenha alcançado 45%.
Sua popularidade ultrapassou 70% em novembro de 2011. Um ano depois, a avaliação negativa da presidente suplantou a opinião positiva.
Em outubro, se renovará metade dos deputados federais para o período 2013-2017 e um terço dos senadores, com mandato até 2019.
A provável derrota em 2013 pode marcar o começo do fim do kirchnerismo cristinista.
A economia perde dinamismo. O poder de compra sucumbe ante a inflação real de 25% em 2012 -enquanto o governo se aferra a um desacreditado índice de 11%.
Cristina adotou política monetária expansionista que gerou um deficit fiscal de 4,5% do PIB, financiado pelo bom desempenho do setor externo, superavitário nas transações correntes e respaldado em reservas de US$ 41 bi.
O indicador definitivo do momento é a cotação do dólar paralelo, poupança preferida e indexador informal: em março de 2012, a diferença para o câmbio oficial era de 10%. Hoje, ultrapassa 60%.
A sustentação do movimento sindical a Cristina se dilui. A alta inflação pauta as negociações salariais. Os sindicatos demandam recomposições pela inflação real.
O congelamento dos preços dos bens de consumo por 60 dias, a partir de 1º de fevereiro, foi uma tentativa do governo de atenuar o tom dos sindicatos e segurar a escalada inflacionária, mas parece ter mirado um terceiro efeito adicional: torpedear a renitente imprensa escrita de Buenos Aires, desde sempre a voz contrária ao modelo populista dos Kirchner.
Editoriais críticos motivaram processos judiciais do governo federal. Fiscalizações tributárias tentaram intimidar o "Clarín" em setembro de 2009.
A comercialização do papel jornal, a concessão de licenças de radiodifusão e a desconcentração do controle de meios de comunicação foram alvo de campanhas retóricas e de medidas legislativas e judiciais.
Investir contra a imprensa pode parecer ajudar Cristina a manter e a expandir o controle social que adotou como fórmula de governo. Mas não resolverá os problemas do país, nem assegurará a vitória nas eleições de outubro.
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