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Aviões de primeira, aeroportos nem tanto
Falta de investimentos em infraestrutura
gera prejuízos para companhias aéreas e problemas para os passageiros.
Piloto anônimo compara aterrissagens a safári na África. Sistema é
ultrapassado
Pedro Rocha Franco
Estado de Minas: 07/04/2013
Famoso trocadilho do
empresário britânico sir Richard Branson diz que a forma mais simples e
rápida de se tornar milionário é nascer bilionário e fundar uma
companhia aérea. Proprietário da empresa de aviação Virgin Atlantic, por
repetidas vezes ele se disse interessado no mercado brasileiro. É bem
possível que o investimento seja a forma mais fácil de cumprir a receita
da frase infame. Isso porque, apesar do avanço da demanda de
passageiros, dezenas de problemas relacionados ao tráfego aéreo e à
infraestrutura aeroviária aumentam de forma considerável o custo dos
voos e obrigam aqueles que optam pelas viagens de avião a enfrentar
atrasos em série. No ano passado, segundo a Associação Brasileira das
Empresas Aéreas (Abear), o prejuízo somente com voos improdutivos
atingiu a cifra de R$ 84 milhões. A consequência: o passageiro perde em
qualidade e ainda paga uma conta mais cara.
Uma carta escrita por
um piloto anônimo circula nas redes sociais com severas críticas à
falta de planejamento e investimento do setor. O Estado de Minas
encaminhou o documento para especialistas em aviação que corroboraram o
conteúdo argumentado e aprofundando o debate sobre alguns do problemas.
Entre as dezenas de pontos levantados no texto, o autor cita a
insuficiência de vagas para aeronaves nos pátios dos principais
terminais; a condição precária de trabalho dos controladores de voo; a
inexistência de taxyways (área para taxiamento rumo à pista principal); o
fato de a tecnologia para pouso em situações críticas (neve, chuva e
névoa) ser defasada; a inexistência de metrôs conectando o terminal ao
Centro das cidades… “Para entender o que é aviação no Brasil deve-se
partir da seguinte ideia: imagine-se dirigindo um carro BMW luxuoso no
meio de um safári na África: é mais ou menos assim que um aviador se
sente voando no Brasil. Você tem uma tecnologia de ponta dentro do seu
avião e um sistema precário e ultrapassado à sua volta”, diz a carta.
Um
exemplo citado é quanto à tecnologia disponibilizada no Brasil e em
outros países. Aqui, nem mesmo os principais aeroportos têm o sistema de
pouso por instrumento categoria 2 (instrument landing system – ILS, em
inglês). O aparelho auxilia o piloto no pouso sob condições de teto e
visibilidade restrita (casos de névoa, chuva, neve e outros). “Confins
tem categoria 1, mas é pouco eficiente. Quando chove e bate nevoeiro não
dá para fazer aproximação”, afirma o especialista em aviação e
professor da Fundação Dom Cabral Hugo Ferreira Braga Tadeu. Junto com o
Santos Dumont, no Rio, o aeroporto da Grande BH é um dos que têm atrasos
com maior frequência.
A consequência é que nessas situações os
pilotos são obrigados a se deslocar para a unidade próxima, alterando
por completo o planejamento de horário dos passageiros daquele voo e a
programação de embarque e desembarque da companhia. Enquanto isso, nos
Estados Unidos, além de serem mais de 100 aeroportos equipados com a
tecnologia, está em teste a implantação de ILS que vai permitir a
exclusão das torres de controle, ficando a cargo do piloto fazer o
controle por meio de satélite.
SUPERLOTAÇÃO Mas esse não é o
único fator que pode obrigar o passageiro a desembarcar em outro
terminal. Os pátios dos aeroportos estão sempre lotados, o que pode
impedir o pouso. Com isso, o piloto é obrigado a procurar uma opção ou
taxiar por certo tempo até a abertura de uma vaga. Em ambos os casos
ocorre aumento do consumo previsto, além de também ser necessário que o
avião decole com o tanque de combustível mais cheio para o caso de
ocorrer um imprevisto.
Em um voo de Brasília, o avião que trazia
o empresário Adriano Araújo conseguiu pousar em Confins, apesar de o
pátio estar lotado em um dia de chuva. Mas os passageiros tiveram que
aguardar mais de uma hora dentro da aeronave até um slot ser liberado
para a descida dos passageiros. “Não é a primeira vez que isso acontece.
É uma enorme dor de cabeça. Lembro até que o piloto teceu fortes
críticas ao aeroporto e à falta de estrutura. É brincadeira. Não estamos
falando de vaga de estacionamento de carros”, afirma Araújo. No fim da
tarde da última sexta-feira, a forte chuva revelou uma série de goteiras
no saguão do mesmo aeroporto.
O diretor de segurança da
Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Ronaldo Jenkins,
afirma que a superlotação de pátios obriga as empresas a executarem os
chamados voos improdutivos. Devido ao esgotamento, fica inviável o
pernoite de aeronaves que têm um voo no dia seguinte, o que obviamente
significa mais um aumento de custo operacional.
Por exemplo: um
avião que faz o trecho Brasília-Confins tem um voo no dia seguinte do
pouso para Guarulhos, mas, em vez de aguardar umas horas parada até a
decolagem, ele é obrigado a ir para uma unidade de menor fluxo e
retornar pouco antes. Não à toa, da composição de custo fixo das
companhias brasileiras, 28% são referentes aos gastos com querosene de
aviação. O custo disso: no ano passado as empresas gastaram R$ 84
milhões com esses voos. “Essa limitação impede aumentar o número de
frequências, principalmente em horários nobres. Não adianta ter
disponibilidade de madrugada. Tem que ter espaço em horário nobre,
quando todo mundo quer voar”, afirma Jenkins.
No caso de
Confins, são 18 posições no estacionamento para aviação regular, sendo
nove via pontes de embarque e nove remotas. Se o caso já é crítico, em
Florianópolis (SC) a situação é ainda pior. São apenas cinco vagas para
receber mais de 150 voos por dia no verão.
Longe de outros países
Publicação: 07/04/2013 04:00
No Brasil, somados os
investimentos públicos e privados em infraestrutura o total representa
2,3% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto a média em países em
desenvolvimento é de 7%, de acordo com dados da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), afirma o especialista em
aviação e professor da Fundação Dom Cabral Hugo Ferreira Braga Tadeu. No
caso do setor aeroportuário, do total aplicado em infraestrutura no
período de 2008 a 2011, somente 1,32% (R$ 2,43 bilhões) foram alocados
para o setor. A indisponibilidade de investimentos traduz um pouco da
situação caótica dos aeroportos.
O especialista avalia que o
investimento deve ficar a cargo da iniciativa privada. Mas pontua que é
preciso dar condições para tal. “Por que as empresas privadas não têm
apresentado interesse de investir? Falta de regulamentação do setor”,
sintetiza o professor. No mais, ele cita o fato de a taxa de retorno no
país ser considerada baixa. Enquanto por aqui é de 6%, no Canadá supera
20%. O resultado é que as empresas que demonstram interesse são menos
especializadas e não tem o know-how dos maiores atores que atuam no
mercado mundial. Com isso, além do ritmo para entrega de obras ser
menor, a qualidade do serviço prestado também fica abaixo dos demais.
O
ex-secretário-geral da Organização de Aviação Civil Internacional
(Oaci) e brigadeiro da reserva Renato Cláudio Costa Pereira avalia que o
transporte aéreo deve ser tratado como um ser em desenvolvimento
constante e, por isso, o planejamento deve ser contínuo. “Transporte
aéreo é uma atividade logística complexa e sofisticada, sempre exigindo
tecnologia de ponta, necessitando de pessoal dedicado e muito bem
treinado. Sempre será necessário um planejamento de longo prazo (20 a 30
anos)”, afirma. (PRF)
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