HÉLIO SCHWARTSMAN"Ó tempos, ó costumes". Não foi Cícero quem inventou a mania de lamentar a corrupção e a decadência, mas ele foi particularmente feliz ao cunhar a expressão "o tempora, o mores", que traduz com primor essa propensão humana. Somos otimistas locais e pessimistas globais. A maioria das pessoas se julga um pouco melhor e mais esperta que a média da humanidade, mas não hesitamos nem um instante em catalogar o mundo como um lugar caótico e ameaçador que piora a cada dia que passa.
É claro que essa visão não resiste a uma análise empírica. Num dos livros mais importantes da década, Steven Pinker demole o mito recorrente de que o ser humano é uma espécie violenta e de que as guerras e massacres que produzimos em escala industrial nos levarão de forma inexorável à extinção.
Em "Os Anjos Bons...", o autor mostra que o mundo está se tornando um lugar cada vez mais seguro para viver, e a raça humana se mostra cada vez menos violenta. Pinker tem noção de que a tese encerra algo de polêmico e por isso dedica boa parte do livro a demonstrar com sofisticadas análises estatísticas como as taxas de violência estão caindo.
Considerando os números absolutos, o século 20, com duas guerras mundiais e um punhado de genocidas, se torna imbatível - 180 milhões de mortes em conflitos e massacres. Essa cifra corresponde a mais ou menos 3% do total de óbitos registrados ao longo do século. Mas, se nos fixarmos nas proporções, até os mais sanguinários tiranos perdem para nossos ancestrais que viviam em sociedades sem Estado.
Evidências arqueológicas recolhidas de dezenas de sítios que datam de 14000 a.C. a 1770 d.C. revelam que as taxas de mortalidade em conflitos podiam chegar a inacreditáveis 60%, como é o caso dos índios Creek ao longo do século 14. A mortalidade média verificada nesses sítios foi de 15%.
O grande mérito do livro, porém, não está na numeralha, mas nas análises de Pinker que tentam explicar o fenômeno. O autor identifica seis tendências históricas que contribuíram para reduzir a violência.
A mais antiga é a que ele chama de "processo pacificador", que teve início quando passamos a viver em cidades. Até por não toparmos mais a todo instante com bandos rivais, as taxas de violência caíram cinco vezes. Inspirado em Norbert Elias, Pinker chama o segundo passo de "processo civilizador". Ele teve lugar com o surgimento dos Estados centralizados europeus, que reservaram para si o monopólio do uso da violência. O resultado foi uma redução da violência da ordem de 10 a 50 vezes. É claro que, uma vez criadas, a repressão e as forças da ordem passaram a ser elas próprias a principal fonte de violência.
A terceira tendência, a "revolução humanitária", desponta com o Iluminismo e os movimentos que buscavam eliminar chagas velhas e novas da humanidade, como a escravidão, a tortura judicial, o despotismo, a intolerância religiosa.
O quarto elemento é a "longa paz". Aqui, Pinker retoma as ideias de Immanuel Kant, que apontava as virtudes pacificadoras da democracia, do comércio e de organismos multilaterais. Ora, foi justamente esse "blend" que o mundo passou a experimentar em doses cada vez maiores a partir da 2ª Guerra.
Em quinto lugar vem a "nova paz", instalada após a queda do Muro de Berlim. De lá para cá, verifica-se que diminuiu o número de genocídios, ataques terroristas e ondas de repressão que de algum modo eram alimentados pela Guerra Fria.
Por fim, temos o que Pinker chama de "revoluções dos direitos". A partir de 1948, com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, começaram a pipocar movimentos com o objetivo de combater agressões a grupos específicos.
Situações como a do pastor Marco Feliciano e discussões em torno de cotas e casamento gay dão a dimensão de como esses temas ainda causam polêmica. O politicamente correto (PC) desponta aqui como um efeito colateral de um movimento civilizador. É claro que devemos combater os muitos exageros do PC, mas seria um erro classificá-lo entre as 10 pragas do Egito.
DEMÔNIOS E ANJOS Pinker dedica alguns capítulos a destrinchar a psicologia da violência. Em resumo, contamos com cinco demônios internos que respondem pela maior parte das agressões: predação (violência com vistas a atingir um fim), dominância (desejo de obter prestígio), vingança (propensão a reparar injustiças), sadismo (o mal pelo mal, mas este é um fenômeno bem raro) e a ideologia (criar a sociedade perfeita ou concretizar os desejos de Deus).
Contrapõem-se a esses demônios quatro anjos, isto é, os mecanismos que nos permitem resistir à violência e nos colocam na rota da cooperação: empatia, autocontrole, senso moral e razão.
Pinker acaba se revelando um otimista, mas de modo algum um crente. Ele tem claro que os cinco demônios estão sempre à espreita e podem atacar a qualquer instante. Nossa espécie é violenta. Hobbes tinha razão. Mas, ao lado dos demônios, temos os anjos e, se medirmos as coisas na escala da história e não na das sensações e machetes dos jornais, a conclusão inescapável é a de que estamos fazendo um bom trabalho. O mundo de hoje é, sob quase todos os aspectos, melhor que o de nossos ancestrais.
É claro que essa visão não resiste a uma análise empírica. Num dos livros mais importantes da década, Steven Pinker demole o mito recorrente de que o ser humano é uma espécie violenta e de que as guerras e massacres que produzimos em escala industrial nos levarão de forma inexorável à extinção.
Em "Os Anjos Bons...", o autor mostra que o mundo está se tornando um lugar cada vez mais seguro para viver, e a raça humana se mostra cada vez menos violenta. Pinker tem noção de que a tese encerra algo de polêmico e por isso dedica boa parte do livro a demonstrar com sofisticadas análises estatísticas como as taxas de violência estão caindo.
Considerando os números absolutos, o século 20, com duas guerras mundiais e um punhado de genocidas, se torna imbatível - 180 milhões de mortes em conflitos e massacres. Essa cifra corresponde a mais ou menos 3% do total de óbitos registrados ao longo do século. Mas, se nos fixarmos nas proporções, até os mais sanguinários tiranos perdem para nossos ancestrais que viviam em sociedades sem Estado.
Evidências arqueológicas recolhidas de dezenas de sítios que datam de 14000 a.C. a 1770 d.C. revelam que as taxas de mortalidade em conflitos podiam chegar a inacreditáveis 60%, como é o caso dos índios Creek ao longo do século 14. A mortalidade média verificada nesses sítios foi de 15%.
O grande mérito do livro, porém, não está na numeralha, mas nas análises de Pinker que tentam explicar o fenômeno. O autor identifica seis tendências históricas que contribuíram para reduzir a violência.
A mais antiga é a que ele chama de "processo pacificador", que teve início quando passamos a viver em cidades. Até por não toparmos mais a todo instante com bandos rivais, as taxas de violência caíram cinco vezes. Inspirado em Norbert Elias, Pinker chama o segundo passo de "processo civilizador". Ele teve lugar com o surgimento dos Estados centralizados europeus, que reservaram para si o monopólio do uso da violência. O resultado foi uma redução da violência da ordem de 10 a 50 vezes. É claro que, uma vez criadas, a repressão e as forças da ordem passaram a ser elas próprias a principal fonte de violência.
A terceira tendência, a "revolução humanitária", desponta com o Iluminismo e os movimentos que buscavam eliminar chagas velhas e novas da humanidade, como a escravidão, a tortura judicial, o despotismo, a intolerância religiosa.
O quarto elemento é a "longa paz". Aqui, Pinker retoma as ideias de Immanuel Kant, que apontava as virtudes pacificadoras da democracia, do comércio e de organismos multilaterais. Ora, foi justamente esse "blend" que o mundo passou a experimentar em doses cada vez maiores a partir da 2ª Guerra.
Em quinto lugar vem a "nova paz", instalada após a queda do Muro de Berlim. De lá para cá, verifica-se que diminuiu o número de genocídios, ataques terroristas e ondas de repressão que de algum modo eram alimentados pela Guerra Fria.
Por fim, temos o que Pinker chama de "revoluções dos direitos". A partir de 1948, com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, começaram a pipocar movimentos com o objetivo de combater agressões a grupos específicos.
Situações como a do pastor Marco Feliciano e discussões em torno de cotas e casamento gay dão a dimensão de como esses temas ainda causam polêmica. O politicamente correto (PC) desponta aqui como um efeito colateral de um movimento civilizador. É claro que devemos combater os muitos exageros do PC, mas seria um erro classificá-lo entre as 10 pragas do Egito.
DEMÔNIOS E ANJOS Pinker dedica alguns capítulos a destrinchar a psicologia da violência. Em resumo, contamos com cinco demônios internos que respondem pela maior parte das agressões: predação (violência com vistas a atingir um fim), dominância (desejo de obter prestígio), vingança (propensão a reparar injustiças), sadismo (o mal pelo mal, mas este é um fenômeno bem raro) e a ideologia (criar a sociedade perfeita ou concretizar os desejos de Deus).
Contrapõem-se a esses demônios quatro anjos, isto é, os mecanismos que nos permitem resistir à violência e nos colocam na rota da cooperação: empatia, autocontrole, senso moral e razão.
Pinker acaba se revelando um otimista, mas de modo algum um crente. Ele tem claro que os cinco demônios estão sempre à espreita e podem atacar a qualquer instante. Nossa espécie é violenta. Hobbes tinha razão. Mas, ao lado dos demônios, temos os anjos e, se medirmos as coisas na escala da história e não na das sensações e machetes dos jornais, a conclusão inescapável é a de que estamos fazendo um bom trabalho. O mundo de hoje é, sob quase todos os aspectos, melhor que o de nossos ancestrais.
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