Insistir na reforma
Muita coisa mudou na Justiça desde 2003, mas ainda falta diminuir o volume de processos e modernizar a administração dos tribunais
Em 2003, quando foi criada a Secretaria da Reforma do Judiciário, esta Folha reuniu quatro especialistas para debater a Justiça no Brasil. Eis os temas que dominaram o evento: Conselho Nacional de Justiça (CNJ), lentidão dos processos e excesso de recursos.
Passados dez anos, o jornal voltou a promover discussões sobre o assunto, com dois encontros nas últimas semanas. Não chega a surpreender que aqueles três tópicos tenham mantido suas posições centrais no debate.
Seria um erro, no entanto, depreender que a reforma do Judiciário ficou estacionada, ou que as mudanças ocorridas desde então tenham sido cosméticas. Muita coisa avançou, embora ainda exista muito por fazer. E, se os temas se repetem, nem por isso eles são tratados da mesma maneira.
O CNJ é o melhor exemplo. Dez anos atrás, o conselho -cuja criação ainda se discutia- era considerado polêmico e vinha sempre acompanhado do epíteto "órgão de controle externo do Judiciário".
Atualmente, o CNJ não só é realidade como ainda é citado em outro contexto. O órgão goza hoje de alto conceito como ferramenta de planejamento. Verdade que subsistem controvérsias acerca dos limites de sua atuação, mas elas ficam em segundo plano diante de medidas moralizadoras como o combate ao nepotismo e aos supersalários, além da aplicação de 51 penalidades a magistrados.
Antes, os quase cem tribunais do país funcionavam sem nenhuma coordenação, e pouco -às vezes nada- se sabia sobre eles. Não havia certeza sequer a respeito do total de processos, juízes e recursos.
Com relatórios como o "Justiça em Números", o CNJ pôde, por exemplo, criar metas para desatar os nós do Judiciário. Uma delas, de 2009, determinou que deveriam ser resolvidos todos os processos anteriores a 2006. Identificaram-se quase 4,5 milhões de casos, 90% dos quais já foram julgados.
A emenda constitucional 45, de 2004, que instituiu o CNJ, também reformou outros aspectos da Justiça. Dois mecanismos deveriam atacar diretamente o excesso de recursos e, indiretamente, a lentidão dos processos: a súmula vinculante e a regra da repercussão geral.
O primeiro dispositivo consolida entendimentos do Supremo Tribunal Federal, evitando a repetição de demandas. O segundo estabelece a necessidade de o recurso ter repercussão em outros casos para ser julgado pela corte.
Em 2006, quando os mecanismos foram regulamentados, o STF acumulava quase 135 mil recursos. No ano passado, o montante caiu para 47 mil. Segundo o estudo "Supremo em Números", da FGV Direito-Rio, a queda a partir de 2007 é a mais acentuada desde 1988.
Além da questão quantitativa, há uma elogiável mudança qualitativa: os recursos, que há seis anos eram 91% do acervo do STF, agora são 71%. A corte recupera, aos poucos, seu papel constitucional.
Um dos destaques no debate de 2003, a sobrecarga no STF -que oferecia 52 portas de entrada processuais, número que passou a 36 em 2007- perdeu, assim, relevância diante das dificuldades dos níveis inferiores do Judiciário.
Em 2011 (último dado disponível), tramitaram quase 90 milhões de ações no país, das quais 25,7 milhões são novas -7,3% a mais que em 2010. O total de casos baixados (resolvidos numa das instâncias judiciais) chegou a 25,5 milhões.
A imagem se impõe: o Judiciário está enxugando gelo. Incapaz de dar conta dos processos novos, deixa para as calendas gregas a diminuição do estoque, acumulado em 63,5 milhões de ações.
O enorme volume decerto contribui para a morosidade -benéfica apenas para quem quer retardar a decisão. Para desafogar os tribunais, cada vez mais especialistas concordam que é preciso incentivar os caminhos alternativos para resolução de conflitos: mediação, conciliação e arbitragem. Essa é uma agenda que merece ser levada adiante, sem que se abandone o combate ao excesso de recursos.
Pouco se fala, hoje, sobre ampliar número de juízes: a relação de magistrados por 100 mil habitantes no Brasil cresceu de 2008 (8,3) a 2011 (8,8), acima da média da América Latina (8,1, em 2008).
Tornou-se consensual a necessidade de modernizar a gestão dos tribunais. Parte da demora se explica, por exemplo, por procedimentos burocráticos que podem ser agilizados com a digitalização.
Embora evidentes para os operadores do direito, os avanços institucionais desde 2003 não se fazem sentir pela população. O Índice de Confiança na Justiça, da Direito GV (de São Paulo), mostra que o nível de satisfação com o serviço judicial se estabilizou em nível muito baixo nos últimos anos: para 90% dos ouvidos, a Justiça é lenta.
Ainda há, como se vê, uma pauta longa e importante por enfrentar. A reforma só estará completa quando a via judicial deixar de ser uma alternativa protelatória para quem sabe que não tem razão.
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