RIO DE JANEIRO - Parece letra de bolero e vai ver que é. Afinal, e pensando bem, tudo nesta vida (e, talvez, na outra) fica mesmo na dependência de um talvez. Em qualquer situação, somos obrigados (ou dependentes) de um talvez. Não apenas em nossa vida particular, mas na vida de todos, na vida do próprio mundo.
Talvez tenhamos nascido de Adão e Eva ou de uma molécula inarticulada no fundo de um oceano ignorado. Talvez no Big Bang tenhamos sido uma fagulha de fogo que, entre outras coisas, terminou no deputado Feliciano.
Talvez tenhamos estádios prontos para a Copa do Mundo, talvez ganhemos algumas muitas medalhas de ouro na Olimpíada, talvez Dilma seja reeleita ou talvez apareça um poste qualquer que vencerá as eleições do ano que vem. Talvez saibamos onde, afinal, estão os ossos de Dana de Teffé.
Contudo, onde o talvez funciona mesmo, e de forma definitiva, quase que eterna, é no complicado e nunca bem resolvido caso de paixão e seu derivado mais próximo, que é a compaixão de nós mesmos.
Aí cabe adequadamente a letra dos antigos boleros que, uns pelos outros, resumiam-se em doloroso talvez. Tive um primo, que teve a infelicidade de se chamar Torquato. Tentou o suicídio por causa de uma Maria de Lourdes fatal. Torquato gostava de um tango chamado "Cristal", muito tocado nos rádios de outras eras. Tão logo ouvia os versos de Contursi ("Tengo el corazón hecho pedazos"), telefonava para Maria de Lourdes, na esperança de um "talvez": talvez ela estivesse ouvindo a mesma música e pensando nele. Não estava. Só mesmo um tiro resolveria sua dor, mas Torquato preferiu cortar os pulsos com um canivete de duas lâminas.
Este sim era um doloroso talvez, tão doloroso que Torquato desanimou do canivete, virou hare krishna e morreu de overdose.
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