domingo, 9 de dezembro de 2012

Especialistas falam sobre o legado que o Supremo deixa após o maior julgamento de sua história


Olhando para a frente 
folha de são paulo
1 O julgamento do mensalão representa o fim da impunidade no Brasil?
Carlos Velloso, ex-ministro do STF - Não representa o fim da impunidade nem o fim da corrupção. Mas, sim, que o Judiciário não deixará impunes os corruptores e os que se deixam corromper.
Oscar Vilhena, diretor da FGV Direito - O julgamento rompeu com o padrão de cordialidade com que poderosos eram tratados, estabelecendo um novo padrão que será exigido pela sociedade em casos futuros. Pessoas com autoridade em organizações terão que redobrar os cuidados em relação a atos praticados em suas organizações.
Claudio Weber Abramo, diretor-executivo da Transparência Brasil - Certamente não. A dificuldade de punição decorre de fatores que não são atingidos por casos episódicos. O fato de condenados em segunda instância poderem recorrer em liberdade, por exemplo, permite que réus que conseguem pagar advogados caros protelem o cumprimento da sentença, enquanto réus pobres vão para a cadeia rapidamente.
Cláudio Couto, cientista político - Estamos falando de um único caso, que contou com atenção da mídia e pressão sobre os juízes. Para o fim da impunidade, teríamos que repetir esse padrão em outros casos, contra réus de outros campos políticos e em situações de menor visibilidade. Será que isso vai ocorrer? Tenho dúvidas, sou cético.
2 O que o Supremo vai fazer com a força que ganhou no julgamento?
Renato Janine Ribeiro, professor de filosofia política da USP - Até hoje não quis comentar o mensalão, porque tenho dúvidas a respeito. Não gostei que julgassem o caso em período eleitoral. Não gostei da partidarização. Mas parece provado que houve desvio de dinheiro público. Se com isso o STF aumenta ou diminui sua credibilidade, não sei. Dependerá de como ele lidar com outros casos. As paixões politicas tomaram conta do caso e vai demorar um tanto até ele se decantar.
Cláudio Couto - O STF ficará pressionado para repetir o padrão de julgamento, em especial no mensalão tucano. Se não julgar com os mesmos critérios, dará razão aos que o acusaram de julgar de forma parcial e submissa.
Oscar Vilhena - O STF deve aproveitar a legitimidade para dar transparência à elaboração de sua pauta e para mudar a forma como são feitos os acórdãos, oferecendo uma decisão representativa da opinião da corte e não de cada um dos ministros.
3 Mudanças na maneira como os partidos se financiam poderia auxiliar o combate à corrupção?
Cláudio Couto - Mais importante do que mudar o sistema de financiamento é atuar para reduzir custos das campanhas, adotando um sistema de listas fechadas ou distrital misto. Também seria o caso de impedir doações de empresas diretamente para os partidos. Deveriam poder doar apenas para um fundo a ser repartido.
Weber Abramo - Não há conexão lógica entre a proibição do financiamento privado e a redução da corrupção. Se empresas forem proibidas de financiar campanhas deixarão de corromper? Todo o raciocínio em favor da proibição do financiamento privado é deficiente.
4 Alguma lei deveria mudar para inibir crimes que foram examinados no julgamento?
Carlos Velloso - Os partidos políticos deverão rever o modo como se comportam diante do financiamento das campanhas. O caixa dois pode ter implicações maiores, poderá dar cadeia.
Cláudio Couto - É preciso reduzir a possibilidade de recursos, assim como os prazos de prescrição, aproximando os critérios de julgamento das cortes inferiores dos padrões adotados pelo STF neste caso. Noutros termos, é o caso de reduzir o garantismo que nos caracteriza.
Fausto de Sanctis, juiz federal - A não comunicação de operação suspeita de lavagem de dinheiro deveria ser crime. Há também a necessidade de uma lei rigorosa contra o crime organizado.
Oscar Vilhena - Mais do que na alteração, o esforço deveria se dar na aplicação das normas existentes.
Miro Teixeira, deputado - A lei não impede o crime. Mata-se e traficam-se drogas, embora as leis o proíbam. No âmbito dos crimes praticados contra a administração pública, podem ser de maior eficiência novos mecanismos de controle externo.
5 Ficou mais fácil condenar alguém com base apenas em provas testemunhais?
Claudio Weber Abramo - A meu ver, essa é a principal consequência do julgamento. A atitude usual em casos de propina é exigir um vínculo entre o recebimento e uma decisão que favoreça o pagador. Acontece que o vínculo cuja demonstração se exige é subjetivo. Por sua influência, o entendimento do STF tenderá a espraiar-se pelo sistema, com efeitos benéficos.
Nino Toldo, presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) - O STF não inovou. Há provas que dão ao julgador força de convencimento maior, como o exame de DNA. Isso não significa que outras provas, como a testemunhal, não tenham valor. A diferença é que o juiz sabe que existe a possibilidade de a testemunha estar mentindo, por isso, terá a cautela de verificar a versão. Esse cotejo é algo sempre peculiar, de cada caso. Por isso, não se pode dizer que o mensalão vai influenciar outros julgamentos.
6 A teoria do domínio do fato, empregada para condenar várias pessoas no caso, será mais usada daqui para frente?
Nelson Calandra, presidente da AMB (Associação dos Magistrados do Brasil) - Nós, que estamos nas instâncias abaixo do Supremo, nas cortes estaduais, vamos estar mais atentos, podendo aplicar essa interpretação mais dura. Isso está viabilizado.
Cláudio Couto - Sou cético quanto à possibilidade de que outros adotem esse critério. A tradição é garantista.
Nino Toldo - Houve indevida associação da teoria a uma suposta possibilidade de condenação de pessoas que estão no comando das ações sem a necessidade de provas cabais. Com ou sem a aceitação da teoria, a necessidade de provas para uma condenação continua existindo.
Renato Janine Ribeiro - Flexibilizar a prova pode ser útil para condenar mandantes, mas empresários, por exemplo, temem que condutas agora admitidas sejam criminalizadas por interpretação judicial, muito além da letra da lei. Isso traz insegurança.
7 O foro privilegiado para políticos nos tribunais superiores deve acabar?
Carlos Velloso - Sim. Se o STF se dedicar a julgar ações penais ele deixará de ser a corte constitucional que é.
Renato Janine Ribeiro - Curiosamente, o caso deu um bom argumento pelo fim do foro privilegiado, que prejudicou a maior parte dos réus. Ele poderia ser mantido para os cargos mais altos, tendo por foro o STJ. O STF deveria ser uma corte constitucional.
Weber Abramo - Não. Se o mensalão tivesse sido julgado na primeira instância, não teria terminado.
Cláudio Couto - Sim, desde que acompanhado de uma reforma processual que acelere o julgamento de casos de corrupção nas instâncias inferiores e aumente a efetividade do julgamento.
Oscar Vilhena - Sempre fui a favor da redução do foro privilegiado para um número limitado de situações. O STF não pode se transformar num tribunal de primeira instância para julgar políticos.
Fausto De Sanctis - Deve ser repensado. É um tratamento desigual e injustificado.
Miro Teixeira - Ele deve ser mantido apenas para dar maior celeridade aos processos e reduzir a impunidade.
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